Grammy Latino oferece mais do que uma noite amarga para o Brasil
Grammy Latino expõe barreiras culturais e deixa o Brasil de mãos vazias nas principais categorias, em uma noite dominada pelo espanhol
A 25ª edição do Grammy Latino, realizada em Miami na última quinta-feira (14), trouxe mais do que brilho e celebrações musicais; trouxe também uma reflexão profunda sobre a posição do Brasil neste cenário tão exclusivo. Enquanto o dominicano Juan Luis Guerra reinava absoluto com "Radio Güira" e "Mambo 23", arrebatando os prêmios de Álbum e Gravação do Ano, o Brasil assistia, quase como um espectador distante, ao desenrolar de uma festa que parecia falar um idioma que não é o seu.
O palco até teve um momento de "verde e amarelo", quando Anitta, acompanhada por Tiago Iorc ao violão, emocionou a plateia com uma performance acústica de ‘Mil Veces’. Porém, o brilho foi contido. A artista não levou o gramofone para casa, mesmo após emendar uma homenagem ao eterno Sergio Mendes, falecido este ano, ao som de ‘Mas Que Nada’. Foi um instante de arte, mas também de melancolia, enquanto o prêmio de Gravação do Ano escapava para os braços do já consagrado Juan Luis Guerra.
Entre os indicados brasileiros, o carismático Xande de Pilares também teve sua chance de ouro. Depois de conquistar o prêmio de Melhor Álbum de Samba/Pagode, com ‘Xande Canta Caetano, ele disputava o Álbum do Ano, mas viu a estatueta escorregar novamente para Guerra. E se o coração de um país já estava apertado, a derrota de Cacá Magalhães e Os Garotin, indicados a Revelação, para a colombiana Ela Taubert, tornou evidente o abismo que separa o Brasil do restante da América Latina no cenário musical.
Nas entrelinhas desse espetáculo, um detalhe gritante não passou despercebido: o Grammy Latino é um baile de gala para os falantes de espanhol. A língua portuguesa, ainda que reconhecida em categorias específicas, parece ecoar como um sussurro. Enquanto artistas como Karol G, Luis Fonsi e Draco Rosa levavam prêmios com discursos e performances imersas na cultura latina hispânica, o Brasil parecia um convidado à margem do salão, um espectador com voz baixa e pouca atenção voltada a si.
O ponto crucial está na barreira invisível que separa o Brasil da América Latina. Apesar de sermos vizinhos geográficos, a música de um lado pouco reverbera do outro. Feats musicais e colaborações até acontecem, mas são exceções em um mercado que raramente explora as potências musicais regionais. O Grammy Latino, que deveria unir e celebrar essa diversidade, acaba por reafirmar essa divisão com sua estrutura predominantemente voltada ao espanhol.
Por fim, a maior delegação brasileira da história do Grammy Latino — 92 artistas indicados — retornou com poucas vitórias e uma sensação de frustração. É claro que o prêmio tem seu valor, mas para o Brasil, ele ainda representa mais um espaço de luta do que de celebração. O brilho das estatuetas parece distante, mas a esperança de um futuro em que a música brasileira ultrapasse essas barreiras linguísticas e culturais permanece viva. Quem sabe o próximo Grammy Latino não traga mais do que performances encantadoras, mas também o reconhecimento que nossos artistas tanto merecem?