Chapada dos Veadeiros: um guia completo para sua próxima viagem

Uma pandemia global, mais de um ano de restrições, muitas fronteiras fechadas e todos os olhos (finalmente!) voltados ao que temos de mais rico: beleza natural e intocada. É ela que atrai, há décadas, gringos ansiosos por experiências que vão muito além dos dias de dolce far niente nos 7.367 quilômetros de litoral brasileiro. Sim, o famoso mar tupiniquim segue no topo do ranking de preferência geral, mas florestas, trilhas, cachoeiras, piscinas naturais e formações rochosas sempre foram valorizadas mais pelos de fora — o que não passava de uma injustiça para um país tropical tão diversificado, extenso, colorido e abençoado por Deus. Sorte a nossa com essa mudança de cenário. 

Veja o exemplo do Cerrado. Berço das águas (abastece cinco grandes bacias hidrográficas) e quase um quarto da superfície terrestre do Brasil, o bioma conta com biodiversidade surpreendente — estima-se que nada menos que 5% dos animais e plantas do planeta inteiro sejam encontrados ali. É abundante no Planalto Central, e ainda mais concentrado na Chapada dos Veadeiros, destino invadido por místicos nos anos 1970 e ecoturistas vinte anos mais tarde. Por mais democrático que tenha se tornado, poderia ser melhor aproveitado por pessoas de todas as tribos que precisam de equilíbrio acima de qualquer luxo.

Matéria-prima para desacelerar sobra ali. Não há ansiedade, depressão ou estresse que resista, por exemplo, aos poderes terapêuticos de um belo — e gelado — banho de cachoeira. Só no município de Cavalcante, uma das portas de entradas da Chapada, existem mais de 700 catalogadas através de imagens de satélite. Os 240 mil hectares de terras totais do Parque Nacional, há novas descobertas dia sim, outro também.

As temperaturas baixíssimas das quedas d’água não costumam ser lá muito convidativas aos mais friorentos, mas compensam: estudos recentes comprovaram que este antigo remédio ayurvédico aumenta a quantidade de endorfina, também conhecida como hormônio da felicidade, além de melhorar a circulação corporal e o humor, acelerar o metabolismo e até ajudar a dormir. Das mais conhecidas, Santa Barbara ganha pela beleza: tem água cristalina com pontos esverdeados e azuis. Catarata dos Couros pela sequência de quedas. Salto do Rio Preto é enorme, exuberante, digno de cartão postal. E Carrossel é a caçula, aberta ao público há pouco mais de dois anos, em 2018. E não vale desafiar a natureza — tomar cuidado com a correnteza é o básico durante o passeio.

Vale também mergulhar fundo nas opções mil de trilhas. Recomendamos o curtíssimo caminho do Vale da Lua para se surpreender com as formações rochosas esculpidas pelo Rio São Miguel que lembram crateras lunares, a de três horas que leva até a surpreendente Cachoeira do Segredo e a do Parque Nacional, que é gratuita, muito bem sinalizada e tem porta de entrada na charmosa vila de São Jorge. Elas cumprem com maestria a tarefa da shinrin-yoku, terapia florestal japonesa que consiste em ir para uma área verde e passar algum tempo em contato com a natureza, em silêncio. Entrega, presença e conexão reforçada ao presente (aka mindfulness) são alguns dos belos efeitos colaterais. A ciência até explica que a taxa de mortalidade de quem vive em áreas verdes é mais baixa do que de quem vive em centros urbanos menos arborizados (estudo da Harvard + do Brigham and Women’s Hospital).

Desde 2018, não é necessário o acompanhamento obrigatório de guias. Estar sozinho possibilita práticas meditativas como o kinhin, meditação zen-budista feita durante as caminhadas. Mas nada se compara a um guia local repleto de histórias — muitas delas lendas urbanas no mínimo divertidas, como a que inclui as aparições de luzes misteriosas, OVNIS e outros eventos sobrenaturais no céu pipocado de estrelas do lugar (é de chorar de tão lindo!). A região de Alto Paraíso abriga até uma pista de pouso de naves espaciais. A localização estratégica sob a maior formação geológica de quartzo do planeta e em pleno paralelo 14, mesma latitude da mítica cidade inca de Machu Picchu, pode explicar tamanho misticismo. O cristal é tão abundante que pode ser visto à flor da terra, em pedrinhas translúcidas reluzentes.

Este conglomerado de cenários brutos de cair o queixo fica em terras goianas, pertinho da capital federal — são cerca de três horas de carro desde o Aeroporto Internacional de Brasília. No período de estiagem, de abril a setembro, o volume das cachoeiras diminui. Maio é a época mais florida e julho, a mais movimentada. Uma semana é o ideal para se reconectar verdadeiramente.