Rio de Janeiro de A a Z!
A cidade mais visitada do Brasil é uma caricatura do país e vive uma explosão gastronômica. Do boteco raiz até o badalado restaurante, as possibilidades do Rio de Janeiro são infinitamente maravilhosas.
No dia 31 de dezembro de 2003, eu tinha acabado de chegar a São Paulo. Um amigo me convenceu a encontrá-lo no Rio de Janeiro para passar o réveillon. Com meu português primário, comprei um voo Congonhas-Santos Dumont no balcão da Varig. Pulei na famosa ponte aérea, a mesma que iria reger minha vida brasileira dos 20 anos seguintes. Da janela do avião já me emocionei: meu imaginário de beleza tinha se tornado realidade. Vim direto à praia, fiquei na cor de um camarão e fui comer um galeto na Rua Farme de Amoedo... Eu cresci na França ouvindo “si tu vas à Rio, n’oubliez pas de monter la haut”, um cliché musical franco-brasileiro que sugere “subir lá em cima” quando for visitar a cidade. Pensava que a letra de Dario Moreno se referia ao Cristo Redentor, um dos monumentos mais procurados do mundo, mas não. Ele sugere ir ao bairro de Madureira, ícone da cultura preta, do samba e de uma identidade popular verdadeiramente carioca. Resumo da ópera, o Rio de Janeiro é muito mais do que consigo descrever. Me lembro do meu avô, comandante da Air France, que me contava suas aventuras cariocas numa época da aviação civil em que as tripulações ficavam uma semana inteira no extinto hotel Le Meridien em Copacabana e iam a altas festas no clube Regine. Os olhos dele sempre brilhavam ao lembrar das escolas de samba, dos rituais sagrados, das fortes ondas, e claro, das belezas naturais. O Rio tem mar, tem montanhas, tem agito, tem calmaria, tem magia. O Rio tem praias, cachoeiras, ilhas, porto, morros, prédios, tem grandes artistas. O Rio tem pés sujos, pés limpos, botequins, corpos dourados, restaurantes chiques, queijo coalho na areia. O Rio tem mate, grandes shows, gente de todo canto, cerveja gelada, petiscos, samba, dry martini, artes e boates... O Rio vive em pé aplaudindo o pôr do sol, respira e exala uma certa (e “experta”) boemia que, nós, gringos, amamos. Costumo afirmar que o Rio de Janeiro é paradoxal, como um belo contraste entre o savoir-vivre e o esculacho, as favelas e as lojas de grife, os botecos de rua e as mesas de toalhas brancas. É como uma caricatura do Brasil, no melhor sentido possível. Cobertos de razão, os cariocas têm orgulho de sua cidade, defendem seu canto e vivem chamando atenção para aquilo que todos já sabem: é a maior potência turística do país. Tardam mas não falham, uma nova geração de empreendedores colocou novamente a capital fluminense no mapa da gastronomia. Com um espírito criativo descolado e ressurreições de entidades, eles fizeram e fazem história. A cena moderna mistura-se perfeitamente com os tradicionais botecos que marcaram tempos notórios. Meu réveillon 2023 foi perfeito para recomeçar o ano do jeito que mais amo: viver o Rio de Janeiro de A a Z.
Charme só: Santa Teresa e Centro
Um dos meus restaurantes favoritos para almoçar é o Lília, onde o chef Lucio Vieira serve um menu criativo surpreendente por um ótimo preço. Da mesma família há o bar Labuta, onde prevalece uma total descomplicação. Para um almoço com tempo largo e vista ofegante, vale apreciar os clássicos brasileiros do Território Aprazível como o pão de queijo com linguiça e a galinhada caipira. Aproveite a subida na Montmartre brasileira e dê uma parada no Bar do Mineiro para uma cachacinha e quem sabe um pastel. Vá sambar no Bar do Omar, se ligue também na programação da antiga Fábrica Bhering. Sem esquecer de dar uma passada no clássico Bar do Gomes, também conhecido como Armazém do Thiago.
Boteco raiz: Copacabana e Leme
Na série dos restaurantes tradicionais que sobreviveram ao tempo, almoçar no A Marisqueira, em Copacabana, transporta você para Portugal, de quem o Rio sofre grande influência. No capítulo botecar, o Rio de Janeiro se apropria e reina. Traço indissociável da cultura e alma carioca, a botecagem é reflexo de um comportamento: ficar na rua, beliscar, misturar papos com gente. Vá até o Bar do David para entender. Se quiser uma grande aula de botecagem, a Adega Pérola é o lugar certo. Reabriu também o Cervantes, outro clássico histórico. Comer alguns frutos do mar do Caranguejo é uma rota que vale a parada, e tomar uma batida de coco do Pavão Azul é carioquice mandatória. Outra referência da boemia carioca há mais de 50 anos é o galeto do Sats – sair do Rio sem provar essa iguaria é uma sacanagem. Longe da botecagem, apreciar ótimos sushis é no balcão do Haru.
Bombástico: Botafogo e Humaitá
Bota Soho nisso... Para um café da manhã farto acompanhado do melhor pão que a cidade oferece, The Slow Bakery é espetacularmente gostosa. A melhor pizza do Rio tem nome e sobrenome: Ferro e Farinha. No bairro mais fervido da cidade, o Chanchada é sensação, seu escabeche de berinjela ressoa até agora na minha mente. Seguir a noite com os bons drinques do Quartinho está no meio do caminho. Mais petiscos, música boa e aquela cerveja gelada tem também no Treme Treme. Em clima casual, os pratos italianos do chef Nelson Soares chegam bem gostosos às mesas do Sult. Raras são as opções 24 horas no Rio, mas o boteco Cabidinho segura essa onda para os mais animados. Enquanto isso, no balcão do premiadíssimo Lasai, o Chef Rafa Costa e Silva recebe apenas dez fregueses por noite e serve a mais alta gastronomia carioca já vista.
Calmaria: Jardim Botânico
Acordou mais tarde em clima de cafofo (café com almoço)? O Empório Jardim tem uma pegada casual que agrada a todos os gostos e desejos. No bairro que respira calmaria e elegância natural, a artista Roberta Sudbrack canta e voa numa casinha sem placa na porta: Sud, o pássaro verde. Na mesma rua, o Escama, do jovem chef franco-brasileiro Ricardo Lapeyre, cozinha iguarias do mar num estilo casual que costuma agradar ao ilustre Chico Buarque. Logo ali, o Grado, do chef Nello Garaventa, tem deliciosas massas num ambiente perfeito para um date. Há também o Jojô café e bistrô que é um puro charme, ou ainda o Malta para uma carne de primeiríssima.
Atemporal: Ipanema & Arpoador
Virou meu ritual tomar um açaí orgânico no Arp – o bar de praia do hotel Arpoador – e admirar as belezas naturais dos entornos. Aberto há mais de 35 anos, o Delírio Tropical tem aquela fórmula fast-good que nunca decepciona no pós-praia. Vários quiosques nasceram na orla nos últimos anos, um dos melhores é o Delamare, onde você pode pedir lulas fritas com maionese. Outro vizinho agitado é o Alalaô, que grita um samba às quintas-feiras. Na rua, sobra ainda o Paz e Amor com comida brasileira sem pretensão alguma e um chopp gelado no antigo Popeye para fugir da trend. Os vegetarianos e veganos são muito felizes no Teva. No bairro que está fervendo de novidades, no Babbo Os- teria, o chef Elia Schramm serve receitas italianas afetivas num clima aconchegante. Outro queridinho do momento é Maska, do chef carioca Pedro Coronha. Das mais antigas, zazá segue atual com seu bistrô tropical que passou por uma bela reforma. Nem só de bons drinques vive o bar Nosso, a comida do chef Bruno Katz pode confortar um fim de noite.
Chiquetê: leblon
Numa pegada mais estilosa, o Cedilha fica na esquina do Janeiro Hotel e oferece ótimas opções de bowls e saladas frescas. Vou e volto sempre no Pabu Izakaya, um dos meus queridinhos. Fora da cidade, a famosa Gruta de Santo Antônio de Niterói ganhou uma filha: Henriqueta, uma tasca luso-carioca que vive cheia de gente. Tomar um chopp estupidamente gelado com uma sardinha frita no Rainha, do Chef Pedro Artagão, é destino obrigatório no bairro mais visado do Rio. Se gostar de carne, pode pedir um corte no C.T. Boucherie, do magnata Claude Troisgros, ou ainda sentar-se às mesas do Giuseppe Grill, que pertence ao grande restaurateur Marcelo Torres. Numa rua Dias Ferreira abarrotada de gente, pode-se ver e ser visto no Sushi Leblon que possui anos de estrada e ainda muitas histórias para contar. Para finalizar fora da rota tradicional, chegar de barquinho para almoçar no restaurante Ocya na Barra é uma experiência divertida e saborosa.