Ernesto Neto fala sobre sua exposição 'Nosso Barco Tambor Terra'
Cenário mágico! O artista plástico carioca Ernesto Neto leva a Portugal a exposição Nosso Barco Tambor Terra, que traz tramas, cores, aromas e sons em instalação monumental inspirada na era das grandes navegações.
“Nosso barco tambor terra / Tambô té tambo té / Nosso bá tambô té / Tambô teté... Tronco tam pele bô / Para onde que nóis vai? / Gente planta gente bicho / Onde é que nóis vai?” Cantarolando este manifesto/cântico tribal, Ernesto Neto ativa o modo lúdico para falar com exclusividade à L’OFFICIEL sobre a grande exposição que acaba de ancorar no Maat (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), em Lisboa. Coincidência – ou não –, o espaço fica próximo à foz do Rio Tejo, que deságua no Atlântico, de onde as caravelas zarparam nos idos de 1500 para, meses depois, atracarem no Brasil. A localização estratégica trouxe ainda mais potência a Nosso Barco Tambor Terra: uma das maiores esculturas do reverenciado artista carioca instalada em terras portuguesas. “Em 2018, estava andando com duas amigas para ir ao Maat. De repente, vi a foz do rio, aquele abismo atlântico, e senti que eu estava naquele lugar. Quando olhei para o lado, pude ver todas as caravelas saindo das entranhas da Europa... uma coisa muito forte”, lembra Neto.
Anos depois, utilizando imagens de velas e materiais como lonas e cordas, que remetem a viagens transatlânticas, o artista deu forma à instalação monumental que agora ocupa diversas dimensões do museu. Para materializar sua obra, usou principalmente a chita, tecido de algodão com cores vivas, que foi cortado em tiras e tricotado por suas assistentes, a partir de uma técnica desenvolvida ao longo dos anos em seu ateliê no Rio de Janeiro, o Atelienave. Como uma teia, as tramas envolvem o ambiente, transformando-o em um cenário mágico. Vagens suspensas de crochê com vários temperos simbólicos, como cominho, cravo, canela, anisestrelado e açafrão, ativam múltiplos sentidos à medida que os visitantes entram em contato com a intrincada criação de Ernesto Neto.
Com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti, Nosso Barco Tambor Terra é uma das maiores instalações já feitas pelo brasileiro, resultado de meses de trabalho. “Para esta exposição no Maat, as referências se materializam em uma escultura de grande escala intitulada Nosso Barco Tambor Terra, cuja forma e cujo nome podem sugerir simultaneamente um navio, uma fera primordial, uma floresta ou mesmo, e muito mais provavelmente, todas essas coisas e uma infinidade de outras ao mesmo tempo. Isso porque o artista retrata o mundo como um todo, aquele ‘mundo de Gaia’, como ele o define: ancestral, pré-colonial e até pré-humano – um planeta obviamente moldado por eventos e ocorrências violentas, como o deslocamento forçado de milhões de pessoas escravizadas durante os processos coloniais que marcaram a história e a relação entre Portugal e Brasil... mas também um planeta onde, a partir da mistura de populações e povos, emergem culturas e visões de mundo surpreendentes, cuja força e beleza devemos reconhecer, reafirmar e celebrar”, ressalta o curador.
As obras imersivas e lúdicas, que são marca registrada do trabalho de Ernesto Neto, despertam no público o desejo de interação, de experimentação, e mantêm um diálogo com espaços promovidos pela arquitetura. Os ambientes criados por ele têm profunda relação com a natureza, seja nas formas orgânicas, seja no acolhimento que eles possibilitam. É impossível passar incólume por uma criação do artista. “A arte ‘contemporosa’ se vê amorosa, louva a força vibrante de tambor, caxixi, flauta, violão, maracá, no canto e no cantar, aprendendo desde criança que alegria é cura. Ela preza o equilíbrio social, ninguém é maior que a natureza, assim como ninguém é maior que ninguém, todos temos nossa contribuição a dar, Nosso Barco Humanidade Planeta Terra precisa de todo mundo: nós, insetos, abelhas, plantas, árvores, bichos, fungos, liquens, bactérias... como numa batucada, precisamos estar todos juntos, no mesmo tempo, nem à frente nem atrás. Existe espaço para cada um ter sua expressão individual, mas entre o começo e o fim de cada ciclo todos temos que estar juntos para que o balanço e o brilho de todos dê espaço para o brilho, o transe e o bem-estar de cada um”, diz ele, que, nos últimos anos, tem se dedicado também à percussão, como uma extensão da sua expressão artística.
Ao longo da exposição Nosso Barco Tambor Terra, que estará aberta à visitação até outubro, em Lisboa, a escultura, que incorpora uma série de instrumentos, será periodicamente acionada, produzindo sons idealizados por músicos e grupos de várias partes do mundo, com ênfase nos ritmos das diásporas africana e asiática. Essa combinação, que complementa a obra de Neto, funciona como um antídoto para a multiplicidade de línguas e permite uma comunicação que transcende a verbal e facilita encontros autênticos e profundos.