Luiz Moreira: obras sobre coletividade e ancestralidade
Em sua obra, Luiz Moreira traz o clamor por igualdade, liberdade e inclusão de maneira não panfletária, mas absolutamente contundente. Confira uma entrevista com o artista!
Desde o advento da fotografia, ainda no século 19, o mundo se transformou – e jamais foi o mesmo. Essa forma de arte capta como nenhuma outra a essência e a velocidade do mundo. É assim que fotografias como as de Luiz Moreira, na exposição A Luz da Beleza, realizada pelo Instituto Iadê de arte e design com curadoria de Marcus Lontra, na Casa França Brasil, no Rio de Janeiro, se tornam o relato evidente da possibilidade de criar questionamento da sua própria linguagem, de desenvolvimento do seu potencial estético. Luiz se apropria da fotografia para criar imagens e conceitos de contundência indiscutível e de veracidade inacreditável.
“Como toda verdadeira obra de arte, ela induz, provoca e se afirma independentemente de leituras tradicionais. Cada trabalho do Luiz é um libelo pela beleza”, fala o curador Marcus Lontra. “Ele nos ensina que ela liberta. A beleza que aflora em suas obras é de todo um povo, das pessoas escravizadas que vieram ao Brasil, das pessoas oriundas do continente africano que enriquecem o mundo com sua abundância cultural, com sua generosidade, com sua capacidade, ao dialogar com as diversas culturas de todas as regiões do planeta. Luiz nos mostra, nesta exposição, a beleza de todo um povo, a beleza de todos os povos, a beleza de todas as epidermes que se afirmam na negritude”, diz Lontra.
Luiz Moreira, 32 anos, iniciou sua carreira como fotó- grafo aos 22, e encontrou na atividade uma paixão. Uma série de trabalhos fotográficos desenvolvidos em 2017 para a indústria da moda levou Luiz a usar modelos em seus trabalhos autorais, acrescentando uma camada criativa à sua obra, que passou a conter a concepção e a direção de um enredo. Em 2018, o artista participou, pela primeira vez, das edições da SP-Arte e SP-Arte/Foto. Em 2019, Luiz Moreira mudou-se para Miami, onde produziu a série Santo Negro, cujo sucesso rendeu a ele as primeiras exposições internacionais, na San Paul Gallery (Miami, EUA), Macek Gallery (Sunny Isles, EUA) e na semana da Art Basel (Miami, EUA).
Sua obra é marcada por suas experiências pessoais e pelo reencontro com suas raízes. A oportunidade de participar de seu primeiro festival AfroPunk, em Johannesburgo em 2016, fez com que Luiz entrasse em contato com sua própria ancestralidade e optasse por trabalhar mais próximo da comunidade negra, além de trazer à tona esta pauta enquanto artista preto. Luiz Moreira exalta a potência estética das festas, dos ritos, da cultura dos povos originários da África. As cores vibram diante de nosso olhar e as personagens caminham entre nós como um desfile de carnaval: cor, sedução e encantamento. “Diante das poderosas imagens de Luiz Moreira compreendemos que, ao final, nos resta a esperança de que ela há de consagrar na pele escura desse novo Brasil que em breve haverá de surgir: preto, forte, corajoso, belo e verdadeiro”, diz Marcus Lontra. Permeiam sua obra temas como individualidade e coletividade, ancestralidade e liberdade.
Acredita que sua ancestralidade veio mais intensamente à tona depois de ter saído do Brasil?
Sim! Em 2017 fiz uma viagem a trabalho para Johannesburgo (África do Sul). Essa experiência mudou minha vida, meu trabalho, minhas relações sociais, interpessoais e minha visão artística. Realçou minha brasilidade e toda potência afrodiaspórica. Dessa viagem em diante, percebo que busco mais o letramento racial e através de minha ancestralidade aprender a olhar mais para dentro de mim e tentar compreender minhas subjetividades e melhor enxergar o meu “Eu” na sociedade. Não só como me vejo como também sou visto e interpretado. Acredito que meu trabalho evoluiu após essas experiências, sobretudo com as trocas, com outras culturas que reforçam minha ancestralidade e poder da negritude.
A fotografia funciona como ferramenta de civilidade para uma sociedade contraditória e racista?
Certamente, sim. Ferreira Gullar ensinou que “A arte existe porque a vida não basta”. Daí vejo esse poder que somente a arte possui de ensinar, fazer refletir, tocar e sensibilizar as pessoas. Se tudo é política, a fotografia também o é. Fotografia é uma potente forma de comunicação e informação que toca as pessoas de modo instantâneo e desperta nelas múltiplos sentimentos e reflexões. Meu trabalho é produto de leituras, experiências pessoais e vivências diárias. Justamente dessa mistura surgem inspirações que a partir delas observo o mundo e provoco o espectador com minhas obras. É a minha “fotovivência”, justamente como ensina Concei- ção Evaristo ao falar de sua escrevivência. É imperativo dar destaque à cultura preta e nossa história ser por nós contadas. Não admitiremos mais nenhuma máscara de flanders. “O lixo vai falar, e numa boa” (Lélia Gonzalez).
Você enxerga a fotografia como ferramenta de comunicação e expressão artística. Conte-nos um pouco sobre esse seu olhar.
A arte é essencial à vida humana justamente por ser o complemento daquilo que não temos respostas. Daí a fotografia ser uma forma de imediata comunicação com aquele que a consome. A fotografia me possibilita trazer minhas visões imaginárias desde criança guardadas em minha memória. Quando fotografo, me sinto livre e posso até mesmo criar cenários inimagináveis. Atualmente tenho pensado muito através de uma perspectiva afrofuturista e daí penso como exaltar nosso povo, nossa cultura, nossa história e nossa beleza. Nesta última série fotográfica pretendo justamente enaltecer o povo negro através de uma visão sankofa pois olho o passado e a partir dele penso no futuro. Minha ideia é empretecer o pensamento e louvar nossa exuberante história.
Qual a importância da afirmação estética, da valorização dos adereços e dos ornamentos que compõem o universo da visualidade afro-brasileira na sua fotografia?
Em meu trabalho busco trazer minha identidade estética que possibilite ao expectador reconhecê-la rapidamente e saber que sou o autor da obra, sem precisar ler meu nome. Justamente através das cores, ângulos, adornos e outras características que remetem a essa lembrança. Pretendo então reforçar minha identidade através de minhas fotografias. Os adornos que uso, por exemplo, são memórias indeléveis de minha infância sobre o carnaval. Lembro quando criança ir ao barracão da escola de samba e admirar as alegorias e adereços. Me recordo também de danças e exaltações aos orixás das religiões de matrizes africanas. As escolas de samba são quilombos que preservam a cultura e história do povo negro. Para nós, pessoas negras, uma quadra de escola de samba é muito mais que um local de diversão. Ali para nós é um chão firme que nos reconecta com nossos ancestrais. É justamente dessa riqueza histórica, banhada com muita cultura, ginga, tecnologia e estratégia de preservação de um povo, que me inspiro utilizando adornos em meu trabalho. O saudoso Joãosinho Trinta já dizia que quem gosta de pobreza é intelectual. Minha arte pretende exaltar nossas riquezas.