Cultura

Nostalgia: o passado e sua persistente ilusão no presente

Fuga nostálgica! “A diferença entre passado, presente e futuro é apenas uma persistente ilusão”, disse Albert Einstein. Mas será mesmo?

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Foto: Getty Images

Muitas conexões interessantes entre o passado e o futuro estão emergindo na moda e em outras áreas da cultura, como uma resposta ao ritmo acelerado das mudanças tecnológicas e sociais. “O movimento ‘demure’ é um exemplo claro dessas conexões, unindo o que há de nostálgico com uma visão futura de moda mais consciente e sustentável”, observa a psicóloga Ana Volpe. A tendência mostra como o passado e o futuro se conectam de maneiras surpreendentes. Enquanto resgata valores clássicos, como modéstia e elegância, ela também responde às necessidades contemporâneas, como sustentabilidade, inovação tecnológica e a busca por autenticidade. “Assim, o movimento não é apenas uma volta ao passado, mas uma forma de projetar o futuro da moda e da cultura com base em tradições antigas, mas adaptadas aos desafios e às demandas do presente”, analisa ela.

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Dias mais simples

Além disso, há uma tendência psicológica e cultural de olhar para o passado em momentos de incerteza sobre o futuro. “O que a gente vê é uma valorização da nostalgia como um sintoma desse mundo onde a gente tem excesso de futuro – estamos todo o tempo pensando no próximo passo, na produtividade. O futuro é um lugar de incerteza, e aí o passado se apresenta como um lugar seguro, é um lugar no qual a gente consegue resgatar memórias afetivas do que já funcionou, do que já deu certo e do que traz essa sensação boa para a gente”, observa Marina Roale, head de insights do Grupo Consumoteca.

Esse fenômeno está relacionado a diversos fatores, que envolvem tanto a necessidade de segurança emocional quanto a busca por conforto e identidade diante de um presente incerto ou ansioso. Sob essa perspectiva, a nostalgia – ou o idealismo do passado – pode ser uma resposta psicológica ao medo do desconhecido. “À medida que nos apavoramos com o que o futuro nos reserva, há uma tendência psicológica e social de buscar conforto no passado. Isso se manifesta como uma resposta emocional à crescente ansiedade causada por incertezas geopolíticas, crises climáticas e avanços tecnológicos rápidos. Quando o futuro parece imprevisível ou ameaçador, o passado oferece uma sensação de segurança e familiaridade”, diz Ana. A nostalgia, por épocas vividas ou idealizadas, funciona como um refúgio. Momentos históricos ou culturais são romantizados, parecendo mais simples e tranquilos em comparação ao presente caótico. “Essa busca pelo passado não é apenas uma fuga, mas também uma maneira de encontrar estabilidade e significado em um mundo moderno que muitas vezes parece fragmentado. Ao revisitar o passado, as pessoas procuram resgatar valores, estéticas e modos de vida que oferecem um contraponto ao ritmo frenético da modernidade”, diz Ana. É como se o ato de olhar para trás fosse uma tentativa de lidar com o medo do que está por vir, buscando na nostalgia uma âncora emocional para navegar nas complexidades do pre- sente e do futuro. Sendo assim, nostalgia e o medo do futuro são algumas das explicações para o surgimento do retrofuturismo, movimento cultural que mistura elementos do passado com visões imaginárias de futuros alternativos. “O retrofuturismo olha para as representações do futuro que surgiram em décadas anteriores, especialmente entre os anos 1940 e 1980, e que refletiam as expectativas e ansiedades de suas respectivas épocas. Ele incorpora tanto o otimismo quanto o receio com relação ao avanço tecnológico e às mudanças sociais, criando uma estética que se alimenta da tensão entre passado e futuro”, conta a psicóloga. O retrofuturismo combina o fascínio pelo progresso tecnológico com uma profunda nostalgia por visões de futuro que nunca se concretizaram. “Ele funciona como um reflexo psicológico de nosso medo do futuro e da desorientação com o presente, ao mesmo tempo que nos dá a oportunidade de revisitar e reinterpretar as expectativas passadas de maneira criativa e crítica. Essa tendência é tanto um escapismo quanto uma crítica às promessas não cumpridas do avanço tecnológico.”

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Quem é você na fila da nostalgia?

Há também um fenômeno crescente: as novas gerações sentem saudade de um tempo que não viveram, um sentimento conhecido como nostalgia por um passado não experienciado. “De novo, esse fenômeno está profundamente relacionado ao clima de incerteza e ansiedade sobre o futuro – com preocupações como a crise climática, tensões geopolíticas, desigualdade social e avanços tecnológicos desestabilizadores. O desejo das novas gerações por um tempo que não viveram está profundamente ligado ao clima de ansiedade que enfrentamos hoje. Além disso, o fácil acesso a representações idealizadas do passado na mídia e nas redes sociais reforça essa visão de que tempos anteriores eram mais seguros e menos ansiosos. Assim, o passado se torna uma âncora emocional, uma forma de enfrentar as incertezas do futuro e encontrar um sentido de estabilidade em meio ao caos contemporâneo”, afirma Ana.

Agora, tem uma questão geracional ao olhar para esse movimento. “Quando a gente pensa na geração millennial, nessas pessoas que já estão com mais de 30 anos, já perto dos 40. É um grupo de pessoas que, na sua juventude, viveu um mundo que tinha o espírito do tempo otimista, que acreditava que as coisas iam dar certo”, diz Marina. “Agora, quando a gente pensa na geração Z conhecendo esse mundo que eles não viveram, é menos pelo caráter afetivo e mais como uma descoberta, como uma geração que busca por novidades, que tem a sensação de que nasceu e cresceu em um mundo no qual tudo já foi inventado e tudo satura muito rápido”, analisa ela.

E assim, a nostalgia tem papéis diferentes para gerações diferentes. Para millenials, ela leva a um lugar de conforto, de afetividade, de lembrar um momento do mundo no qual as coisas pareciam mais otimistas. E, para os Z, é uma fuga, é um escapismo para descobrir um universo completamente novo e poder-se imaginar em uma realidade paralela. Mas isso já é assunto para outra reportagem.

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