Olhar espelhado: Alice e Gabi Gelli levam arte a nível poético
O fazer artístico é, predominantemente, uma prática solitária. Apesar de parecer uma visão romântica e datada, fato é que até hoje artistas costumam produzir suas obras sozinhos em seus ateliês, imersos em ideias e processos. Para as irmãs cariocas Alice e Gabi Gelli, tal questão foi resolvida quando ambas entenderam os pontos de conexão entre suas produções. Há cerca de cinco anos, além de tocar seus trabalhos individuais, a dupla de artistas plásticas passou a assinar como um duo, no qual divide inspirações, desejos e olhares afiados.
L’OFFICIEL Como você definiria sua prática artística?
ALICE GELLI Eu a definiria como mântrica e obsessiva. Minha cabeça nunca desliga, estou sempre olhando para o mundo e pensando em arte. Nem sei dizer quando ela se iniciou. Cresci em uma casa repleta de estímulos, nossos pais são bastante criativos e sempre nos deram muita ferramenta para ver o mundo e ter curiosidade sobre as coisas.
LO Se você escolhesse três palavras para definir seus trabalhos...
AG Delicado-resistente, tensão-leve e silêncio-eufórico (são seis, roubei no jogo!).
L’OFFICIEL Defina sua prática artística e como ela se iniciou.
GABI GELLI Com 16 anos, descobri uma condição congênita no coração que mudou meu olhar para a vida, e a arte me curou. A partir daí, despertou o desejo de proporcionar para outras pessoas a ressignificação de suas dores. Minha vontade de conhecer o ser humano faz com que meus processos partam sempre de uma visão pessoal, que depois ganha alcance coletivo e holístico.
LO Se você escolhesse três palavras para definir seus trabalhos...
GG Obsessão, incoerência e cura.
LO Em que momento vocês passaram a assinar também como as “irmãs Gelli”, quando se deram conta de que o trabalho das duas, em dupla, ganhava força?
A&G Começamos com a ideia das irmãs Gelli há cinco anos, mas naquele momento ainda não tínhamos desenvolvido suficientemente nossos trabalhos individuais. Aí, partimos nessa busca. Agora, voltamos com tudo, entendendo e valorizando nossa complementaridade de personalidade e habilidades. Uma curiosidade que tem sido muito útil na praticidade do dia a dia, na hora de cortar e costurar as obras, é uma ser canhota e a outra, destra. Parece um detalhe, mas temos tirado muito partido dele.
LO Como ocorre o fluxo de trabalho da dupla? E como conciliam com a prática individual de vocês?
A&G Temos fusos horários opostos e nos encontramos no meio do caminho. Gabi é mais noturna e seu horário de trabalhar individualmente é depois das 6 horas da tarde. Já Alice começa cedinho, antes das 8 horas da manhã. Normalmente trabalhamos de forma coletiva depois do almoço.
LO As obras de vocês evocam o silêncio, o respiro, um alívio visual em meio a um mundo hiperpovoado por imagens. Como vocês veem a arte como um mecanismo capaz de inventar mundos, individuais e coletivos, em meio ao caos que atravessamos?
A&G Vemos a arte como uma ferramenta poderosíssima de comunicação e transformação. Essa série das esculturas flutuantes se chama Não Tenha Pressa e surgiu, talvez não de forma consciente, como um recado para nós mesmas. Somos muito aceleradas e estamos sempre fazendo milhares de coisas ao mesmo tempo, mas com a intenção genuína de acalmar e viver o presente. Essa série nos coloca no aqui e no agora, pois tudo é milimetricamente calculado. Para trabalhar com papel branco é preciso ter muita calma porque ele suja só de olhar. E essa calma e presença, que colocamos no processo da feitura da obra, transparece para quem vê o resultado plástico, e isso muito nos interessa.
LO Quais são suas principais referências?
A&G Respondendo juntas, começamos a debater sobre nossas referências e elas se misturam muito... Resolvemos trazer só mulheres, já que os homens têm muito espaço por aí. Iole de Freitas, referência e mestra. Marina Abramovic, Yoko Ono, Fernanda Gomes, Anna Maria Maiolino, Maria Antonia de Souza, Ana Branco, Maria Bethânia.