SPFW n53: conheça a nova coleção do Projeto Ponto Firme

A roda intensa e interminável dos desfiles pelo mundo por vezes faz esquecer, a quem a acompanha, que a moda pode ser agente não só estético e comercial, mas também de expressão de vida. O Projeto Ponto Firme é um daqueles raros momentos preciosos que traz o olhar de volta ao chão, fazendo focar no poder mais cru desses potenciais de transformação. Tocado por Gustavo Silvestre desde 2015, o PF começou com oficinas de crochê para homens que estavam imersos no sistema carcerário e só cresceu — em força e objetivos: o que poderia ter sido apenas mais um projeto beneficente virou movimento que arrasta um sem número par de mãos. Na última temporada, Gustavo abriu um espaço no Centro de São Paulo para aulas e oficinas fora dos presídios, abraçando muitos dos seus alunos tornados egressos nesses anos. Dali, remexendo aulas lotadas e conhecendo outros crocheteiros fora do circuitinho da moda — ou, como ele classifica o lugar, “um pára-raios de artistas malucos pelo crochê” — atraiu outros projetos, como da comunidade trans via Casa Florescer e de mulheres e mães refugiadas espalhadas pela cidade.

Este desfile foi um ápice desta reunião sui generis — incluindo alunos, ex-alunos, bffs da moda (como Vicenta Perrotta, que assinou o styling) e a gurizada do Crochê de Vilão, que produz um artesanato chave direto das quebradas paulistanas. O resultado é um grande e delicioso samba de manualidades, referências, cores e materiais diversos; que funcionam numa amarração doida que só o Brasil consegue fazer funcionar. É alta-costura que nunca aconteceria dentro dos ateliês de Paris: toda construída à mão, mas com tesão, paciência manual, sensualidade e bom humor. Se você olhar bem de perto, vai se impressionar com os brincos crochetados em metal ou a construção de peças feitas com fios de sacos de arroz, por exemplo. Se visto de longe, esse remix invejável de handmade entrega visuais que são (ou deveriam ser) a produção mais autenticamente nacional possível, vinda das realidades mais duras — incluindo aí os bonés que remixam os logos de Balenciaga e Gucci, que fecham o ciclo da moda com ironia e o recado agudo de que, ali na vida real, a ostentação do luxo até pode atrair… mas o trançar dos nossos dedos é capaz de resolver, através da arte, esse perrengue intenso que é viver e sobreviver no Brasil.