SPFW N56: Angela Brito referencia festas devotas brasileiras
Angela Brito traz para as passarelas da SPFW N56, criações ligadas às festas devotas não só do Cabo Verde, como do Brasil também
A reflexão sobre o vai-e-vem da realidade dos migrantes segue pautando a moda de Angela Brito. Ela mesma, tão cabo-verdiana quanto carioca, vive no cotidiano as questões de impermanência de quem trocou um lugar por outro. Na coleção passada, @angela_d_brito falou sobre o lugar de estrangeira em que é automaticamente colocada. Nesta, sua sensibilidade mira outro lado — o local daquele que vê e se espelha em quem volta, em ambas as pontas da estrada.
Apesar de ser pouco religiosa, as origens africanas (e, por colonialismos, de infusões portuguesas) da estilista fazem com que suas raízes estejam fortemente conectadas às grandes festas devotas — que fazem parte tanto das tradições da sua Cabo Verde quanto do Brasil. São os momentos em que ela não deixa de retornar à sua terra natal e o ponto de partida desta coleção, batizada de Romaria, quando parou para analisar (e registrar) o guarda-roupa e os humores de quem caminha nas procissões.
Os trinta looks, coesos, não botam a moda de Angela de cabeça para baixo — ela não é dessas. Seu mood austero-tropical-chic segue ali, atualizado, cobrindo e revelando peles numa sensualidade afinada. Ao mesmo tempo, pontos de estética monástica (que ela gosta muito) não só se comunicam com o tema da coleção como dão interesse a mangas, sobreposições e comprimentos, tanto na poliamida tecnológica esperta que ela segue utilizando como nos tecidos de tear clássicos de Cabo Verde.
De brinde luxuoso, Angela trouxe para a passarela o trabalho do carioca @maxwell__alexandre, artista plástico dos mais interessantes da última geração. Além de autor de séries de pinturas que retratam e remexem realidades pretas e periféricas, Maxwell é um provocador de discussões e tem, entre suas proposições artísticas, performances de rua que trazem a linguagem das romarias religiosas para sua arte. Partindo de cliques da própria estilista nas festas cabo-verdianas, Maxwell pintou (à sua moda) retratos de corpo inteiro que se tonaram estampas de vestidos, blusas, saias e panneaux. Um match poderosíssimo, inesperado e muito bem-vindo.