Gastronomia: a popularidade das algas em receitas icônicas
Da água ao prato! Cada vez mais populares na gastronomia, as algas abundantes no mar trazem sabores salinos às receitas
Você já parou para pensar que os oceanos, que fornecem tesouros gastronômicos como peixes e frutos do mar, também despontam como maravilhas do reino animal? Quem abre os nossos olhos para a riqueza das algas, há muito exploradas na porção oriental do globo, é o chef português Pedro Mendes, à frente do Áurea, onde o ingrediente é protagonista no menu de fining dining do restaurante instalado no térreo do superexclusivo Art Legacy Hotel, na região da icônica Praça do Comércio, em Lisboa. Entusiasta das algas, com direito a livro escrito sobre o tema (“Algo com Algas”, editora Mutante), Pedro teve liberdade total para criar o menu onde a matéria-prima aparece de forma transversal, com a exploração de pelo menos 12 tipos, como alface-do-mar e cabelo-de-velha. “Estamos a nadar na superfície. Ainda há muito o que se descobrir neste segmento, e as investigações sobre o ingrediente são constantes. Idealizar um cardápio com essa essência foi divertido, apesar de ter sido um desafio na área criativa. Foram muitas experiências para chegar ao resultado final.” No processo, é claro, não ficou de lado a inspiração da culinária lusitana para elaborar pratos como o brás de algas e vieiras, que remete ao bacalhau lisboeta, que leva ovos e batatas no preparo. Na variante marinho-vegetal, a alface-do-mar, abundante na região em que o Tejo se mistura ao Atlântico, é protagonista. “As algas trazem um sabor salino, em maior ou menor intensidade”, explica. Outra atração da carta é o pregado selvagem com bivalves e ervas marinhas, no qual o tempero provém de uma mescla de algas, que também faz as vezes de acompanhamento. Sim, além do gosto acentuado, as algas garantem alto valor nutricional às composições. Assim como os pratos à la carte, é possível escolher um dos três menus degustação: vegetariano, cinco e sete momentos.
Simbiose de estilos
Outro chef que tem explorado o potencial das algas é Rui Paula, com duas estrelas Michelin no seu Casa de Chá da Boa Nova, em Leça de Palmeira, Norte de Portugal. O restaurante fica a poucos metros do mar e nada mais natural que aproveitar o potencial de elementos presentes por ali. De acordo com ele, são cinco tipos de algas utilizadas em suas receitas, desde as mais conhecidas, como nori e kombu, às com sotaque lusitano. “Cada alga tem textura e sabor únicos. Consoante ao prato que será preparado, escolhemos a que harmonizará melhor”, explica Rui, que reforça a necessidade de conhecer bem o tipo da alga e fazer experimentações para chegar ao efeito esperado. Para ele, a contribuição de sabores das algas permite um passeio sensorial pelo mar, como direito a nutrir o corpo e a alma. “Elas acrescen- tam iodo, maresia, texturas e possuem benefícios para a saúde.” A propósito, Rui Paula é personagem do primeiro episódio da série “Chef Desperdício Zero”, da HBO, onde o ambientalista Diego Vera explora as iniciativas sustentáveis de profissionais da gastronomia mundo afora.
Simplicidade é luxo!
Diferentemente do que possa parecer, apesar do uso das algas ser cada vez mais popular na alta gastronomia, há quem brinque com o potencial do ingrediente em preparos básicos, como é o caso de Bruno Caseiro, no comando do Cavalariça Évora, na região do Alentejo, em Portugal. Para acompanhar as empanadas com recheio de borrego, uma das proteínas mais populares daquelas bandas, Caseiro prepara um chimichurri com alface-do-mar e sea finger (também conhecida como codium). Por cima do quitute ainda vai um pozinho com algas desidratadas, que traz aquela sensação de mar, numa sintonia perfeita com os demais elementos. “Há um borrego muito conhecido que é da Normandia, na França, que tem leve salinidade natural na carne, fruto da alimentação com pastagens que ficam na junção entre rio e mar”, explica. O borrego criado no Alentejo não tem tais características, mas o chef quis conferir algo inesperado ao utilizar as algas no molho que acompanha a receita. “Trouxemos a essência do salino e do iodado à nossa carne.” @CAVALARICAGRUPO
Para brindar
Quem pensa que o potencial das algas se restringe aos pratos, está enganado. No The Argonauts, bar do hotel Tivoli Vilamoura, no Algarve, o bartender Nelson de Matos mostra que o ingrediente pode ir muito bem em coquetéis. Um exemplo é o The Argo, que tem algas que nascem na ria, como os portugueses chamam o ecossistema da divisa entre as águas do rio e do mar. “As algas, tecnicamente chamadas de plantas alófitas, têm uma espécie de proteção para filtrar o sal, que se reflete no sabor. Para o coquetel, usamos o funcho do mar e a inula. O primeiro tem crocância, leve picância e um amargo residual. Já a inula tem um quê silvestre com toque de mostarda.” O preparo leva ainda gim com extratos marinhos, xarope de endro e ananás defumado”. @GO_ARGONAUTS
Doçurinha
Se as algas podem estar nas bebidas, por que não nas sobremesas? O inquieto chef Bruno Antunes, do BicaSan, localizado no térreo do hotel The Independente, promove a alquimia entre sabores locais e japoneses. De posse de sua máquina de fazer sorvete, ele usa o nori para conseguir uma versão doce e gelada com fundinho de alga. A preparação, que pode parecer inusitada, provoca uma explosão sensorial na boca. “Fiz um teste de creme brulée de gengibre e ao provar lembrei-me da combinação muito comum no Japão com o nori. Então, resolvi testar numa versão de sorvete de alga, para trazer frescor e inovação. Ficou tão interessante, que passei a servi-lo sozinho”, diz. @BICA.SAN
Rota nacional
E por falar em nori, na capital paulista, as algas passeiam livremente, especialmente em restaurantes de matriz oriental. No Akkan, do chef Fábio Shinagava, a estrela é o wakame, a alga marinha comestível que faz parte da gastronomia asiática há séculos. Natural do Japão, ela tem gosto suave e textura macia, e cai muito bem em pratos como sopas, saladas e sushis. Aliás, por falar em sushi, talvez o primeiro diálogo dos comensais com as algas seja por meio do nori, usado como invólucro do arroz japonês temperado com vinagre, que recebe toda a sorte de recheios. Mas, esse já é um tema que fica para uma próxima viagem gastronômica, com parada na terra do Sol Nascente. @AKKAN_OFICIAL