Alcione celebra 50 anos de carreira
Ela é o samba! A cantora maranhense Alcione celebra 50 anos de carreira empoderadíssima, consciente do seu papel dentro da sociedade e da música brasileira.
Aos 12 anos, Alcione Dias Nazareth fez a sua primeira apre- sentação profissional, na Orquestra Jazz Guarani, regida por seu pai, João Carlos. A menina, chamada pela alcunha de “Marrom”, entrou em cena para cantar “Pombinha Branca” e o fado “Ai Mouraria”, de Amália Rodrigues. O timbre poderoso logo chamou a atenção dos espectadores, e a garota, nascida em 21 de novembro de 1947, em São Luís, capital do Maranhão – fã de Núbia Lafayette, de Ângela Maria e das grandes divas do jazz norte-americano –, já tinha certeza do destino que queria trilhar. Porém, ela formou-se professora por insistência do pai, e até os 20 anos, dividiu-se entre os shows e a sala de aula. “O meu pai era maestro da banda do Corpo de Bombeiros e sempre quis que eu e os meus irmãos aprendêssemos a tocar um instrumento. Mas quando disse que gostaria de ir para o Sul tentar a carreira de cantora, ele não foi tão amistoso. Pensando em me demover da ideia, sugeriu que eu lecionasse por um ano. E se depois desse tempo ainda mantivesse a mesma opinião, ele daria a sua bênção. E foi o que fiz; e ele não me impediu.”
Demitida da escola depois de subir em uma mesa e mandar ver num solo de pistão, ela finalmente tinha a liberdade de abraçar a carreira de artista. Durante quase uma década, Alcione fez parte do elenco fixo de uma emissora de tevê local e protagonizou espetáculos em cidades maranhenses. Apenas em 1972 tomou coragem de viajar mais de três mil quilômetros para tentar a sorte no Rio de Janeiro. “Como era de se esperar, foi uma decisão que misturou muitos sentimentos. Havia a esperança na concretização de um sonho (o de viver do meu ofício), uma imensa ansiedade por não saber o que o futuro me reservaria e uma saudade antecipada por deixar o ninho e a minha família para trás. Enfrentar um mundo novo e desconhecido pode ser estimulante, mas, também, causa enorme apreensão. Entretanto, a vontade de viver daquilo que amava sempre foi maior do que os meus temores eventuais”, diz.
No zum-zum-zum carioca, ela conseguiu espaço para exibir o vozeirão. Das boates para os programas de calouros, passando por turnê internacional, Alcione não desperdiçou as oportunidades que surgiam. “Cheguei ao Rio para isso, para viver da música e do meu canto. Nenhum sacrifício parecia-me demasiado, mas enfrentei muitos perrengues... Ah, e cantar na noite foi um incrível aprendizado! Tínhamos que nos superar, ‘nos virar nos 30’, como se diz hoje. E ainda conheci gente como Emílio Santiago, Djavan, Áurea Martins.”
Dona de um sorriso contagiante, vistosa em seus vestidos coloridos e unhas compridas perfeitas, colecionadora de boas narrativas e de amigos longevos, mangueirense praticante, torcedora do Flamengo e orgulhosa de suas raízes, Alcione é uma mulher fascinante. Logo que desembarcou na Cidade Maravilhosa, ela recorda-se que foi graças ao “Bira Presidente” [Ubirajara Félix do Nascimento], da Verde e Rosa, que começou a sua história de amor com a agremiação. “Fomos apresentados e ele me convidou para desfilar. Eu aceitei e nunca mais parei!” Neste ano, a cantora foi tema da Estação Primeira de Mangueira no enredo “Negra Voz do Amanhã”, que entre os versos destaca o magnetismo de suas canções e o respeito à terra natal e às origens. “Como venho dizendo, a ficha parece não cair. Nem em meus melhores sonhos teria a ousadia de imaginar ser homenageada na ‘Passarela do Samba’, e pela minha escola do coração! Isso não tem preço! Aliás, não existe maior honraria para um artista popular do que ver a sua vida retratada na Avenida.”
Com pouco mais de cinquenta anos de trajetória, a cantora – ouvida por gente como Roberto Carlos, Snoop Dogg e Axl Rose –, faz um balanço positivo sobre a carreira. Ela sabe que o fato de ser mulher é uma vitória diante do machismo. Além disso, Alcione é politizada, embora prefira não colocar pilha sobre o assunto. “Foram muitas barreiras, mas para quem despertava curiosidade por tocar um instrumento de sopro, também considerado exclusivamente masculino, ser mulher, nordestina e artista foram apenas alguns dos obstáculos que enfrentei. No entanto, sempre soube o que almejava e achei que focar nas minhas metas seria fundamental para alcançar os meus objetivos”, avisa – e emenda: “Hoje não comento a política, mas reforço que os artistas são seres humanos e têm opiniões formadas. Então, quem quer politizar suas obras tem esse direito”.
L’OFF: Como você trocou o jazz pelo samba?
ALCIONE: Jamais troquei nada... Sempre cantei música brasileira, e com muito orgulho! Bebi na fonte das grandes intérpretes femininas que eram adeptas do romantismo, do samba e dos ritmos eminentemente nacionais. Admirar as divas norte-americanas não tem absolutamente nada a ver com isso. Sou uma cantora brasileira, nordestina, e a nossa música é a mais linda do mundo!
L’OFFICIEL HOMMES: Quem são os artistas que você mais admira?
ALCIONE: Esta seria uma lista quilométrica, e não gostaria de esquecer ninguém. Mas o Brasil é um celeiro de bambas e grandes astros – que em nada fica devendo ao cenário internacional.
L’OFF: Ao longo da sua trajetória, qual é o seu trabalho preferido?
ALCIONE: Difícil optar por apenas um trabalho, pois são 50 anos de carreira! Existem discos que me renderam troféus, prêmios e venderam milhares de cópias. Mas, também, existem álbuns e espetáculos, pelo Brasil e exterior, que me marcaram muito e ajudaram a construir a minha trajetória.
L’OFF: Você já gravou uma participação especial num samba da Gaviões da Fiel, quando a escola paulistana cantou o Maranhão (1999). Já pensou em interpretar um samba na Avenida? Por sinal, para você, quem são os grandes intérpretes do carnaval?
ALCIONE: Nem pensar, cada um no seu quadrado!!! Existem especialistas nesta arte, que não é das mais fáceis como pode parecer para alguns. São muitos, inúmeros grandes intérpretes. Mas não poderia esquecer de ressaltar o “gigante mangueirense” Jamelão. Um cantor da melhor qualidade, com incontáveis sucessos fora dos tempos carnavalescos e que foi, também, um dos maiores intérpretes que passaram pela Sapucaí.
L’OFF: Qual é o seu refrão preferido?
ALCIONE: Um só? Ok... “Não deixe o samba morrer”.
L’OFF: Com quem você ainda quer gravar uma música? E que música você gostaria que estivesse em seu repertório?
ALCIONE: Com muita gente, nossa lista de talentos é imensurável. Sempre que penso em algumas músicas que deveriam estar no meu repertório, tento inseri-las imediatamente nos roteiros dos shows.
L’OFF: Qual é o maior nome do samba no Brasil?
ALCIONE: Seria quase um sacrilégio, um absurdo completo optar por apenas um nome com tantos artistas magistrais em nosso cenário artístico.
L’OFF: Se pudesse mudar algo em sua biografia, o que seria?
ALCIONE: Acho que aprendemos com a maturidade, com os erros e acertos. Errar é importante para fazermos essas tais revisões comportamentais. Sinceramente, poderia adicionar ou mudar algo em minha biografia, mas também acho que não tenho nada a reclamar. Mesmo com alguns erros ou equívocos, o saldo sempre foi muito mais positivo.
L’OFF: Alcione por Alcione?
ALCIONE: Alcione é apenas uma mulher que tem orgulho de ser uma cantora popular e é muito agradecida aos fãs por ter chegado até aqui.