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Campana: a busca por um Brasil singular

Exposições em São Paulo e em Paris, filme, livro e abertura do parque em Brotas fizeram parte das comemorações dos 40 anos da marca Campana, que é considerada icônica no mundo todo.

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Foto: Bob Wolfenson/Divulgação

A palavra “campana”, em italiano, quer dizer “sino” – termo que pode ter inúmeros significados que vão muito além do instrumento obcônico e oco, que produz sons para diversos fins. Ele pode representar um sinal ou ser considerado um meio de comunicação para chamar a atenção das pessoas. O nome “Campana”, que os irmãos Humberto (1953) e Fernando (1961-2022) levaram para todos os cantos do mundo, está presente nas áreas da arte, do design, da moda e do meio ambiente. Sempre multidimensional, inovador e diverso, como os seus criadores.

Para celebrar as quatro décadas de inventividades dos dois designers de linguagem única, em 2024 a Louis Vuitton lançou uma mostra durante a 2a edição da Design Miami-Paris, mostrando seis versões exclusivas da cadeira Cocoon (2015), inspiradas em figuras míticas do folclore brasileiro – a Cocoon Couture (Curupira, Boiuna, Boto, Iara, Jaci e Matinta). A parceria com a maison francesa existe há 12 anos. Na expo aberta em outubro deste ano, com a presença de Humberto Campana, também foi exibido o filme “We the Others”. O documentário de Francesca Molteni e Maria Cristina Didero narra a história da dupla desde a feitura dos primeiros artefatos.

O longa destaca a obra e a vida de Fernando e Humberto, abordando o portfólio cravado no universo do design e as ações sociais realizadas a partir da fundação do estúdio, em 1984. A abordagem pioneira dos estetas nos campos do design e da arte os des- tacou como exemplo na indústria. Começando com os brinquedos de cactos que eles idealizavam quando ainda eram crianças, estendendo-se até o mais recente projeto cravado em sua cidade natal, Brotas, no interior paulista – um vasto parque onde plantaram milhares de mudas de árvores nativas e estão erguendo 12 pavilhões verdes. Por meio da voz e da presença de Humberto, o roteiro expõe um panorama biográfico dos artistas.

Hit dos irmãos Campana, a poltrona Vermelha, com 500 metros entrelaçados de um único fio de corda, sempre foi a preferida de Humberto, que recentemente admitiu ter encontrado espaço no coração para incluir a cadeira Jalapão. O nome é emprestado da região do Brasil homônima, caracterizada pelo bioma do cerrado (savana tropical). Lá cresce uma espécie de bromélia, que produz o “Capim Dourado”. De setembro a novembro, sob uma regulamentação rigorosa, a colheita licenciada é permitida, rendendo a cobiçada matéria-prima para as comunidades artesanais locais. A ideia desta cadeira é preservar as tradições manuais que estão desaparecendo e elevar o simples ao status de sofisticado. Sua concepção exige mais de oito meses de pesquisa, construção e desconstrução de cada componente, até ser encontrado o equilíbrio entre estética e conforto. A cadeira Jalapão é composta por discos de palha dourada feitos à mão e costurados em couro. Humberto, que queria ser indígena na infância, relembra a sua consciência ecológica e o afeto por sentimentos genuínos na preparação de suas obras: “Quando faço um objeto, ele tem que ter uma importância grande, não quero que ele seja apenas mais um item descartável. Cuido para que tenha inúmeros significados

Foto: Divulgação

Tudo por aqui é feito à mão, e quando a gente faz manualmente, a gente coloca afeto e amor, coloca o melhor da gente. E quero que o meu melhor pertença à casa de alguém e que tenha energia positiva, prazer e beleza. São artigos criados para durar, para passar de geração para geração. Ao mesmo tempo, eles são sustentáveis e respeitam o planeta. O designer tem que ter responsabilidade política”, diz.

O ano de 2024 foi intenso para o artista, que gosta de um certo isolamento, sempre na companhia de sua cachorrinha vira-lata Dora. Humberto vive profundamente o processo criativo, alternando música e silêncio. “É uma conexão com o divino, porque quando você está concebendo algo, você está em estado de pureza, de gratidão, e é isso que busco. Estou num momento criativo. Desde que o Fernando faleceu, há dois anos, a minha produção dobrou. É uma forma de resiliência, de manter a esperança. Acho que criar é uma forma de orar, é um respeito pela entidade que habita em mim.” Campana conta que para nutrir a devoção pelo trabalho, ele precisa de reclusão. A ausência do irmão o motiva a fazer um desenho por dia a fim de homenageá-lo. “Sinto falta dele. Os desenhos são uma forma de reconexão”, afirma. Humberto comanda projetos inéditos, pensados com Fernando – incluindo o complexo de arquitetura em Brotas.

O lugar sintetiza os pilares da grife, numa escala ampliada. Em desenvolvimento desde 2020, o empreendimento focou na regeneração da natureza, na preservação do entorno e na educação ambiental. O parque mescla cerrado, mata Atlântica e áreas que foram utilizadas para criação de gado e cafeicultura, e que precisaram ser recuperadas. A expectativa é de que, em cinco anos, as árvores cresçam e os animais nativos voltem ao seu habitat. São 12 pavilhões, cada um representando uma cidade etrusca e remetendo à origem toscana da família. As instalações em proporções monumentais, ao ar livre, foram construídas com materiais já utilizados nas esculturas e nos móveis dos irmãos, como concreto, piaçava e plantas, para trabalhar a natureza e exaltar uma arquitetura que combina experiências de contemplação e bem-estar. “Plantei 20 mil mudas de árvores”, contabiliza o designer. Para o diretor científico do parque, Gerd Sparovek, o desafio é ser um ponto de encontro da arte e da ciência, tendo a sustentabilidade e a natureza como inspirações. “O visitante terá a vivência de sentir a natureza através da arte expressa nos pavilhões e também poderá ouvir os pássaros, ver a água limpa, os estágios de crescimento de uma floresta e sentir a sua sombra.”

Todas essas novidades motivam Humberto a seguir adiante. Recentemente, ele levou mais de cinquenta obras para a exposição “Impermanência – 40 Anos do Estúdio Campana”, realizada em Xangai, na China, que teve cocuradoria de Marco Sammicheli, diretor do Museo del Design Italiano na Triennale Milano, e Gong Yan, diretora do Power Station of Art (PSA).

A exposição trouxe peças pioneiras que representam e traçam a história dos pensamentos e ações que anteciparam eventos artísticos, soluções de design e reflexões urgentes sobre a coexistência entre seres humanos e meio ambiente.

A próxima mostra está prevista para acontecer na Luciana Brito Galeria. “Teremos totens de terracota numa alusão à África, com objetos de candomblé. São espaços para guardar o sagrado.” Para fechar este ciclo, o livro “Metodologia dos Irmãos Campana” deve ser lançado em breve. De acordo com Humberto, o material está sendo finalizado.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

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