Origem, de Salvador, fincam os pés no olimpo da alta gastronomia
À frente do Origem, de Salvador, Fabrício Lemos e Lisiane Arouca fincam os pés no olimpo da alta gastronomia com muita autenticidade e fidelidade à terra natal
Num cenário em que as premiações da gastronomia só têm olhos para o eixo Rio-São Paulo, o Origem, dos chefs Fabrício Lemos e Lisiane Arouca, inverte a lógica e surge como o queridinho da vez. No final do ano passado, com poucos dias de diferença, o restaurante soteropolitano entrou nas listas do Latin America’s 50 Best Restaurants e do The Best Chef Awards, que como o próprio nome indica, foca mais nos profissionais do que, necessa riamente, no restaurante. Para além dos baianos, a única chef que tinha, por assim dizer, furado a bolha, era a paranaense Manu Buffara, que já se tornou habitué na cena internacional.
Engana-se, porém, quem pensa que as distinções causaram qualquer tipo de afetação na dupla, que divide a cozinha e o lar. “A gente festeja muito mais a visibilidade que a Bahia e seus ingredientes passou a ter. A nossa pretensão é formar, capacitar pessoas e fazer um trabalho melhor, dentro daquilo que a gente tem”, diz Fabrício. Essa projeção para o mundo, é importante frisar, vai muito além dos tradicionalíssimos pratos típicos, como acarajé, bobó, vatapá e efó, a maioria deles conectados à chamada comida de santo, sempre homenageados pela dupla. Se por um lado o Origem faz questão de reforçar a importância da preservação destes pratos de matrizes africanas, por outro faz um trabalho intenso com ingredientes dos biomas da Bahia, um dos estados mais ricos do Brasil quando o assunto é matéria-prima alimentar. Não é à toa que a casa focada no fine dining foi batizada com esse nome. “A ideia do restaurante é mostrar um pouco da Bahia, além do que já se conhece”, reforça Fabrício. Na prática, isso se traduz com uso de produtos como o licuri (uma espécie de castanha da caatinga), ou técnicas como o moquém para fazer carne de fumeiro, preparo obrigatório na região do recôncavo baiano.
A busca pelos produtos da costa até a divisa com Goiás, Tocantins, Piauí, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais, passando pelo interior, deve-se muito ao exercício praticado nas primeiras aventuras do duo na exploração dos biomas baianos. Nessa etapa, que marcou a gênese do Origem, o slow food, com sede na Itália, foi fundamental. “O movimento já tinha parcerias com órgãos estaduais e acesso a produtores e áreas mais difíceis, com os projetos instalados dentro, por exemplo, da caatinga e do recôncavo baiano. Seguimos a filosofia do alimento bom, limpo e justo, com o uso desses ingredientes que são uma grande riqueza da Bahia.” Hoje, o estabelecimento mantém um banco de dados documentado de produtores, produtos de cada região e o potencial de cada um deles, o que facilita no processo de criação de novos pratos.
Com o trabalho consolidado, a logística para fazer os itens chegarem à mesa, na capital, é facilitada com o contato direto com as cooperativas. “No início do nosso trabalho, visitamos cada uma delas, que nos puseram frente a frente com os produtores. Comprometemo-nos a usar determinadas matérias-primas e elas chegam por aqui semanalmente e com algumas variações esporádicas, é claro.”
Em parte, é em cima desta sazonalidade que a carta é construída, com pequenas mudanças ao longo do ano. É o caso do menu “Nossas Heranças”, que traz referências desde o primeiro dia de colonização, em um resgate cultural que passa pelas referências indígenas, africanas e baianas. Dividida em quatro atos, a carta tem bolinho de aratu com geleia de coco, pão de dendê com kefir com mel e manteigas, peixe do dia com musseline de couve com licuri e espuma de tucupi, entre outros ingredientes, texturas e sabores.
O cardápio, como sempre, é finalizado com a doce arte de Lisiane Arouca, em uma sequência batizada como “As Camélias”, flores ligadas ao movimento abolicionista. As frutas típicas, como mangaba, umbu-cajá e tamarindo, e ingredientes como o milho branco, que resulta no mungunzá (canjica, abaixo do Nordeste), dão o tom.
Aliás, é na seara das sobremesas e doces que o Origem pode criar desmembramentos muito em breve, depois que a casa estiver ainda mais consolidada. A ideia é abrir uma confeitaria 100% brasileira, com técnicas e ingredientes regionais. “Acredito que a nossa confeitaria pode evoluir em sabores, com tantas opções de produtos maravilhosos que temos no Brasil. Então, porque valorizar essa confeitaria francesa ou italiana, ou de outra cultura, que na verdade não temos conhecimento de berço e não temos o paladar para esses doces”, provoca. Que venham as cenas dos próximos capítulos. @RESTAURANTEORIGEM