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Álcool: Redução no consumo impulsiona o mercado de vinhos

Inclusão na taça! A tendência mundial na redução de consumo de álcool impulsiona um novo mercado no setor dos vinhos

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Fotos: Divulgação

Quem transita no universo dos vinhos, certamente já percebeu uma trend cada vez mais forte: a oferta de bebidas zero álcool. Segundo a publicação “Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2023”, pouco mais da metade da população brasileira (55%) não consome álcool, uma realidade que se consolida com força entre os jovens. As motivações vão desde a busca por mais qualidade de vida, sem tanto excesso etílico, às questões de saúde. De olho nas mudanças de consumo, alguns produtores têm investido na produção de rótulos sem álcool. É o caso da Henkell Freixenet, uma das gigantes mundiais do segmento de cavas. Em 2021, o espumante zero álcool foi lançado no Brasil, seguido pelos vinhos, que ganharam as prateleiras em janeiro de 2024. “A receptividade tem sido extremamente positiva, refletindo-se no sucesso de vendas e no crescente interesse pelo produto”, explica a sommelière da marca no País, Clara Mei.

De acordo com ela, os vinhos e o espumante sem álcool são preparados da mesma maneira que os tradicionais. O álcool é retirado depois que a bebida já está pronta, antes do processo de engarrafamento. “As técnicas para a retirada do álcool são apuradas e, por isso, poucas vinícolas têm o domínio deste processo, já que é algo relativamente recente no setor”, explica.

Durante o procedimento, leva-se em conta que o ponto de ebulição do álcool é 70°C, enquanto o da água ocorre quando o líquido atinge a temperatura de 100°C. “Com a intenção de preservar as suas características originais, é realizada a fervura a vácuo, que facilita o processo de ‘desalcoolização’. No caso da destilação a vácuo, é possível alterar de modo artificial a pressão sobre o líquido para que o vinho chegue ao ponto de ebulição a uma temperatura menor que 30°C.”

Em termos práticos, Clara explica que o álcool é extraído da bebida basicamente por meio da alteração da pressão, mas sem interferir em sua integridade, o que mantém as características originais com todas as camadas de sabores e de aromas. “Os vinhos ‘desalcoolizados’ não têm tanta complexidade como as outras opções com álcool. A ideia aqui é ter um vinho simples e bem-feito com notas equilibradas e sabor persistente”, reforça a expert.

Em Portugal, outra marca bem conhecida pelos brasileiros, a José Maria da Fonseca, foi a precursora na gama de vinhos “desalcoolizados”, com o lançamento do primeiro rótulo em 2009. Em 2020, veio a O%riginal, uma linha que premia o público adepto da redução do consumo de álcool, fabricada pela retirada do elemento etílico por método físico, o chamado “spinning cone”, que remove o álcool por meio de destilação a vácuo em baixa temperatura. Mas, atenção: o artifício mantém resquícios abaixo de 0,5% de álcool.

A O%riginal tem três rótulos: o tinto, com uvas Syrah e aromas de amoras e framboesas maduras, o rosé, também de Syrah e aro- mas de chá de especiarias, frutas vermelhas (mirtilo e groselha) e o branco, com uvas Moscatel, com aroma cítrico e floral e paladar suave, frutado e sabor que remete à flor de laranjeira.

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Fotos: Divulgação

Sul do Brasil

De olho nas demandas do mercado, a La Dorni, da cidade de Bandeirantes, no interior do Paraná, também criou uma linha de vinhos zero álcool. De acordo com Jonathan Martins, sommelier e sócio proprietário da marca, a vinícola sempre buscou inovação e se inspirou nas pessoas que querem os benefícios de substâncias presentes no vinho – como o resveratrol –, mas que evitam consumir álcool. “Para se obter o vinho sem álcool, não há como fugir do processo de fermentação da uva, que resulta na bebida com álcool. Caso contrário, o que se obtém é o suco. Costumo comparar o vinho sem álcool a uma orquestra – se tiramos o violino, segue sendo uma orquestra, mas sem um dos seus elementos”, explica.

Com base nesta lógica, pelos idos dos anos 2000, a vinícola iniciou parcerias com a Universidade Estadual de Maringá e com a Universidade Estadual de Londrina para desenvolver um sistema mantido em segredo. “Cada país faz a ‘desalcoolização’ de acordo com o seu público. No nosso caso, temos um perfil de consumidor que não gosta de acidez, com preferência por vinhos produzidos em regiões mais quentes, que são mais frutados.” Por isso, a marca investe em duas linhas: a dos chamados vinhos de mesa, o vinho doce, e outra com perfil varietal, com opções com as uvas Tannat e Tempranillo, que resultam em vinhos secos.

De acordo com Martins, nos últimos anos a receptividade do público ao vinho sem álcool está maior, especialmente com a preocupação com a qualidade de vida. “É importante frisar que o vinho sem álcool não veio para substituir, mas para incluir pessoas que não podem consumir o álcool, como gestantes, adeptos de algumas religiões, esportistas, entre outros.”

Sobrelier

A queda do consumo de bebidas alcoólicas inspirou o sommelier francês Benoît d’Onofrio a criar, digamos, uma nova profissão: a do “sobrelier”. É isso mesmo! Trata-se de alguém especializado na degustação e na harmonização de bebidas derivadas das suas originais etílicas.

O desmembramento da área de atuação surgiu depois da atuação de 12 anos como sommelier tradicional em diferentes restaurantes de Paris, a partir da sensibilização com o público que não pode beber vinho ou outras bebidas alcoólicas. “Surgiu em mim um forte desejo pessoal de formular uma oferta equilibrada ou mesmo igual para eles. Estou empenhado em satisfazer todas as sedes para que ninguém mais tenha que se sentir excluído ou menos considerado relativamente às suas preferências alimentares líquidas”, explica.

O trabalho do “sobrelier” tem sido facilitado pelo aumento da oferta de bebidas “desalcoolizadas” nos últimos três anos. No entanto, no que diz respeito aos vinhos, ele é direto. “Embora possa saudar a sua participação neste esforço de diversificação, não posso, contudo, afirmar que constituam uma alternativa satisfatória tanto pela sua qualidade organoléptica – muito diferente do produto copiado –, como pela sua falta de originalidade”, dispara. Na verdade, o profissional acredita que aí está o desafio deste mercado em expansão: descobrir cada vez mais alternativas que empurrem virtuosamente os limites dos nossos hábitos de consumo. “As minhas recomendações para bebidas não alcoólicas seriam, portanto, mais favoráveis às produções originais de Elsa Steullet (Atelier Particulier de Fermentation), Stéphanie Cohen (Ô de Fleurs) ou mesmo Cyril Villemonte (11:11)”, pontua.

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