Restaurante de Ivan Ralston volta ao olimpo com mais reconhecimento
Depois de dois anos de trabalho de campo, o restaurante de Ivan Ralston volta ao olimpo com cada vez mais reconhecimento
Depois de dois anos de trabalho de campo, o restaurante de Ivan Ralston volta ao olimpo com cada vez mais reconhecimento. Confira!
O tuju, também conhecido como bacurau-de-cauda-curta e curiango-de-costas-brancas, é um pássaro encontrado por todo o Brasil e na América do Sul. A abundância da espécie, aliás, permite uma bela analogia à profusão de ingredientes encontrados nos diferentes biomas de Norte a Sul do País. E é nessa riqueza de matéria-prima que está a essência do restaurante de Ivan Ralston, que acaba de ser reconhecido com duas estrelas Michelin, estrela verde e entrada meteórica na volta da premiação do guia ao Brasil. Formado em música, foi na canção “Passaredo”, de Chico Buarque, que Ivan encontrou o nome da sua casa, aberta em 2014, fechada durante a pandemia e que voltou à cena gastronômica em 2023. A letra permite ampla interpretação, mas a necessidade de conscientização sobre a biodiversidade é flagrante. E diz muito sobre a proposta do que é servido no logradouro do Jardim Paulistano. “Sempre buscamos trazer a conexão com os produtos, com a essência da terra”, explica o chef. Não é à toa que trabalhar com a sazonalidade dos produtos segue como pauta do restaurante.
Por ora, são quatro menus ao longo do ano. A primavera é brindada com o menu Umidade. O verão – brasileiro, é claro –, foi batizado de Chuva. Depois vêm o outono, com o Ventania e, por fim, o que entrou em cena recentemente, o Seca, que celebra o inverno. “A ideia é trazer ainda mais desdobramentos ao longo do ano, já que a variação na oferta de matérias-primas é intensa, vai além das estações”, revela.
A afeição de Ivan à riqueza e temporalidade dos ingredientes ganhou ainda mais intensidade após os dois anos de expedições pelo Brasil ao lado da investigadora Katherina Cordás, o nome à frente do Tuju Pesquisa. “Quando abrimos o Tuju, em 2014, já tínhamos uma cozinha laboratório, mas era mais focada em experiências culinárias. Agora, a imersão nos ingredientes e nos produtos ficou mais intensa.”
Nas andanças em território nacional, a ideia era óbvia. “Buscamos mapear a sazonalidade dos elementos que usamos, o que é fundamental para traçar o menu.” Teve cacau na Bahia, pesca em alto-mar em São Paulo (mais precisamente na região de Ilhabela), imersão no mundo da charcutaria e exploração do universo dos cogumelos em Santa Catarina, apenas para citar alguns dos percursos realizados nos últimos dois anos. Os cogumelos, aliás, deram o mote ao cardápio do outono e reforçam uma vertente conhecida da cozinha do Tuju – o diálogo recorrente com a culinária vegetariana. “Costumo dizer que na nossa cozinha não há hierarquia. O que manda é a qualidade do produto a ser trabalhado, seja um vegetal ou uma proteína”, reforça. Por isso, no menu de outono, os cogumelos silvestres, coletados nas florestas catarinenses, brilharam tanto – as mais de dez espécies, com texturas e sabores diversos, foram prato cheio para o exercício criativo do chef e de sua equipe. “Com o tempo e com a experiência, a gente aprende a trabalhar itens mais complexos do que a proteína animal.”
SEM AFETAÇÃO
O mergulho profundo na essência dos ingredientes revela outras facetas da mente irrequieta de Ivan. “Um cogumelo retirado de seu habitat é mais especial do que um caviar, cujo acesso é mais fácil e a presença nas experiências de fine dining cada vez mais recorrente.”
“PREFERIMOS SER SIMPLES e DIRETOS NA EXPLICAÇÃO DOS PRATOS e DEIXAR a COMIDA FALAR POR SI”
Em outra frente, o chef defende que cada elemento precisa ter uma funcionalidade no prato. “Uma flor, por exemplo, tem de aportar algum sabor. Quando se vai por um caminho do mero apelo estético, pode-se perder a funcionalidade e a conexão com o sabor”, diz.
Na mesma linha de excessos, Ivan dispara contra o exagero de storytelling em torno dos pratos e das vivências na alta gastronomia. “Há um estudo que fala que as narrativas podem promover uma ligação mais efetiva. Mas preferimos ser simples e diretos na explicação dos pratos e deixar a comida falar por si.” Na playlist, a opção pelo jazz também tem a ver com a vibe contemplativa do Tuju, que também experimenta um novo perfil de comensais na nova etapa. Se antes os turistas dominavam as mesas, agora são os paulistanos que formam a maior parte do público. “É uma mudança de paradigma, que nos deixa felizes por conta deste diálogo mais próximo com o nosso meio, com as pessoas daqui”, reflete.
A afeição à quebra de padrões e a aparente simplicidade das coisas talvez expliquem um pouco o zero deslumbramento de Ivan com os reconhecimentos que o Tuju recebe. “É bom ser legitimado por um guia como o Michelin, que é de grande precisão. Entretanto, o objetivo segue sendo focar na boa comida. O resto é consequência.”
“UMA FLOR, POR EXEMPLO, TEM de APORTAR ALGUM SABOR. QUANDO SE VAI POR UM CAMINHO do MERO APELO ESTÉTICO, PODE-SE PERDER a FUNCIONALIDADE e a CONEXÃO COM o SABOR"
Ao fim e ao cabo, para o chef que trocou a arte da música pela gastronomia, o que transcende é o diálogo entre as duas experiências e o seu poder de transformação. “As preparações idealizam acordes, que formam o que na música é a harmonia. A alimentação é a música do paladar. Tudo no mundo é vibração”, finaliza. @TUJU_SP