Ricardo Stuckert em redescobertas brasileiras
Há duas décadas registrando todos os passos do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o fotógrafo Ricardo Stuckert tem planos que vão muito além do poder
Fotografia é uma tradição familiar, que atravessa gerações. Depois da Primeira Guerra Mundial, o bisavô do clã Stuckert – fotógrafo e artista –, embarcou de Lausanne, na Suíça, em direção à América do Sul, mas sem destino definido. Na parada inicial, encantou-se com a Paraíba, e por lá ficou. Eduardo Stuckert ensinou os cliques aos filhos, depois aos netos. Entre os que se dedicaram à profissão, são 33 fotógrafos que carregam o sobrenome do ancestral, sendo três deles dedicados a chefes de Estado: Roberto Stuckert, que acompanhava o general João Batista Figueiredo, que governou entre 1979 e 1985, Roberto Stuckert Filho, encarregado de registrar os passos de Dilma Rousseff e Ricardo Stuckert, que cumpre a tarefa de eternizar as imagens de Lula desde o seu primeiro mandato, em 2003. “O meu pai foi fotógrafo do último presidente militar, eu, do primeiro presidente operário, e o meu irmão, da primeira presidenta. São três momentos-chave da história do Brasil”, enumera Ricardo. Aos 53 anos, dos quais 20 deles dedicados a Lula, Stuckert aprendeu o ofício com o pai. Tímido e camuflado no instrumento de trabalho, nunca imaginou que um dia fosse sair de trás das lentes para se tornar alvo de seus companheiros de labuta. No dia da posse do terceiro mandato de Lula, ele percorreu o trajeto até o Palácio do Planalto a pé, seguindo o ritmo do rolls-royce. Elegante, em um terno azul-escuro, Stuckert chamou a atenção pela performance e pela constante troca de equipamentos – ele revezou as fotos numa câmera, num celular e num drone (e ele, que é canhoto, desenvolveu habilidades com as duas mãos para ser mais rápido). Em tempos de fama instantânea, ele viralizou. No dia seguinte do feito, virou meme e foi comparado ao personagem do ator norte-americano Keanu Reeves, do longa-metragem “John Wick”, em referência aos filmes de ação protagonizados pelo astro de Hollywood.
O seu nome ficou na lista dos dez assuntos mais comentados do Twitter, e Ricardo Stuckert entrou na onda: postou em sua rede social uma foto ao lado de Reeves. Em alta, seu outfit inspirou foliões durante o Carnaval. O look tramado com alfaiataria impecável e arrematado com uma câmera fotográfica pendurada no pescoço foi a fantasia que fez mais sucesso nos blocos deste ano, nos quatro cantos do País. Com bom humor, Ricardo repostou todas as imagens em que foi marcado nas redes sociais. A reprodução do estilo “Stuckinha” (como ele é chamado pelos mais íntimos) homenageou o único brasileiro que subiu a rampa do Planalto três vezes ao lado do presidente Lula.
Stuckert já cobriu oito posses presidenciais, mas foi a deste ano que ele mais se emocionou. O resultado desse sentimento será transformado num filme que ele já está produzindo, e que deve ser chamar “Dia 1”. Já com o roteiro na cabeça, o fotojornalista orientou equipes de filmagem para mostrar cinco personagens diferentes, de cinco regiões do Brasil, saindo de suas casas até a capital para a posse do presidente Lula. “Vamos ver essas pessoas indo à posse de ônibus e até de canoa, e conhecer o olhar delas nesse dia primeiro, em Brasília”, conta ele, que é amigo e responsável pela imagem do Presidente da República – do enquadramento ao conteúdo postado nas mídias sociais. O filme será lançado ainda em 2023.
Depois de assinar a direção de fotografia de “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa (indicado o melhor documentário no Oscar 2020), ele também está envolvido num segundo longa, em andamento. Como se o tempo lhe fosse dobrado, Ricardo assumiu o cargo de Secretário do Audiovisual da Secretaria Nacional de Comunicação, a Secom, sob a coordenadoria do deputado federal Paulo Pimenta (PT). “O trabalho que estou fazendo na secretaria é o mesmo que já vem sendo feito desde 2002. Porém, naquela época não tínhamos redes sociais. Agora, nós temos.”
Ele conta que a ideia é dar transparência à agenda do presidente Lula, aos programas do governo, além de aumentar a acessibilidade da população às informações do dia a dia do presidente e divulgar o conteúdo de maneira rápida e instantânea. “A era dos sigilos acabou. Queremos o povo participando de tudo, afinal, o povo é o protagonista”, avisa. “Muitas pessoas me perguntam se faço fotografia ou ideologia. Eu faço fotografia, mas as minhas ideias estão ali, a minha visão de mundo está ali. As fotos devem falar por si. Tanto no cotidiano com o Lula como com os indígenas, procuro passar aquilo que vejo e acredito”, explica o fotógrafo com 33 anos de carreira e com passagens por importantes jornais e revistas.
Foi em 1997 que ele começou a fotografar a Amazônia e teve contato com os povos originários. A jornada resultou no livro “Povos Originários – Guerreiros do Tempo”, lançado em 2022 pela editora Tordesilhas. Ele capturou a beleza e a alma dos nativos do Brasil em imagens impactantes e grandiosas. “Esse foi um trabalho muito importante para mim. Cada aldeia que visitei foi um aprendizado. O modo de viver do indígena é fantástico. Eles gostam da simplicidade e daquilo que a floresta oferece. Têm orgulho de manter a cultura preservada. Ensinam a importância de morar em comunidade, de respeitar e de preservar a natureza.”
A obra retrata os ashaninka, yawanawá, kalapalo, kayapó, ianomâmi, pataxó, kaxinawá, xukurukariri, korubo e povos isolados, mas Stuckert destaca que existem 304 etnias. “Já tivemos cerca de três milhões de indígenas em terras brasileiras e hoje eles não passam de 890 mil. O trabalho que comecei há mais de 20 anos não tem data para terminar. Sou intenso no que faço”, afirma. O segundo livro sobre a temática está nos planos do fotógrafo, que conta histórias através de imagens icônicas e potentes.
“O POVO IANOMÂMI SOFRE uma DAS MAIORES TRAGÉDIAS do NOSSO PAÍS. Os INDÍGENAS TÊM ENFRENTADO MUITAS DIFICULDADES PARA CUIDAR e PRESERVAR os SEUS TERRITÓRIOS – e AGORA SOFREM com PROBLEMAS COMO a DESNUTRIÇÃO CRÔNICA, a MALÁRIA e a FALTA de ATENDIMENTO MÉDICO. É INCONCEBÍVEL”
Ainda sobre essa narrativa, Ricardo Stuckert faz questão de enfatizar a recente crise humanitária dos ianomâmi, em Roraima, causada, principalmente, pelo garimpo ilegal. “Nunca tinha visto algo assim, tão desumano. Saí da visita presidencial aos locais afetados sentindo-me muito mal”, revela. É verdade que muita coisa mudou desde 1997, quando ele começou a registrar os indígenas. No entanto, Stuckert ressalta que o respeito pelo meio ambiente e por tudo o que nele habita continua lá. “Os indígenas são verdadeiros guardiões. A Amazônia é um lugar sagrado. Abriga a maior floresta tropical e a maior bacia hidrográfica do mundo. Ela precisa e deve ser cuidada por todos nós. Precisamos, sobretudo, protegê-la e também aos povos que vivem nela. Indígenas, ribeirinhos, seringueiros.”
Nas duas décadas compartilhadas com o presidente Lula, ele afirma que aprendeu ensinamentos que o fizeram ressignificar as próprias imagens capturadas. “Acredito que a função social da fotografia é justamente promover uma reflexão sobre temas importantes para a sociedade. Hoje sei que ela é uma ferramenta de comunicação e de denúncia”, finaliza.
“MUITAS PESSOAS me PERGUNTAM se FAÇO FOTOGRAFIA ou IDEOLOGIA. EU FAÇO FOTOGRAFIA, MAS as MINHAS IDEIAS ESTÃO ALI, a MINHA VISÃO de MUNDO ESTÁ ALI”