Moda

Água de Coco surge no patamar da moda além da praia e com resultados

Renato Thomaz, filho da criadora e vice-presidente, foi responsável por engatilhar um novo momento para Água de Coco e comemoram os resultados

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Foto: Igor Kalinouski

Em dezembro, a Água de Coco encerrou a temporada com um desfile-show que abria a comemoração de quatro décadas de história. Era a primeira coleção desfilada com a direção de estilo de vitorino campos, que entrou na marca há três anos para trabalhar em par com a fundadora, Liana Thomaz. Mais do que comemoração, era o resultado de um intenso trabalho de reposicionamento interno que começou a ser pensado no aniversário de 30 anos e se intensificou recentemente. em suma, a marca percebeu que não fazia mais sentido ser uma empresa 100% beachwear, mas de estilo de vida — daí o foco maior na linha de roupas, o fortalecimento das linhas masculina e de peças de décor. “Sentimos falta de ter, na direção, alguém que não fosse membro da família”, relembra Renato Thomaz, filho da criadora, vice-presidente e responsável por engatilhar essa mudança que trouxe a Água de Coco para o patamar de moda além da praia, comemorando os resultados. L’OFFICIEL começou o ano encontrando Liana e Vitorino nos escritórios paulistanos da marca para entender para onde vai essa nova correnteza.

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Liana e Vitorino - Foto: Igor Kalinouski

L’OFFICIEL A Água de Coco está completando 40 anos. Como é que isso aconteceu? 

LIANA THOMAZ Como é que continuou, na verdade. Acho que o segredo é porque eu vivo disso. Gosto de criação e gosto de ganhar dinheiro, do negócio. Sou uma pessoa de criação mas não tenho foco só nisso, geralmente não é assim com as marcas. E olha que no começo era pior, agora estou é calma. 

VITORINO CAMPOS É essa inquietação de Liana que move tudo, o conhecimento do business. 

LT Tenho clareza de que o negócio não funciona se não tiver como pagar as contas, pagar os funcionários do jeito certo. No mundo da moda, as pessoas não veem os negócios como empresa, mas como criatividade. Nada no mundo existe só com a parte criativa. Eu me casei muito nova, tive que me sustentar. Tinha filho para criar, então como faz? Tem que fazer. Foi um meio de vida que criei.

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Foto: Igor Kalinouski

L’O Como você caiu no mundo do beachwear? 

LT No começo, em 1984, eu saía de Fortaleza e comprava roupa no Rio de Janeiro para vender. Por lá, naquela época, já havia a Salinas, a Rygy. Em Fortaleza, não havia moda praia. Então vi um mercado aberto e fui. Antigamente, a moda praia tinha uma boa margem de lucro. Hoje, nem tanto. Tudo que se vai fazer está muito caro. As peças têm pouco tecido, mas às vezes você compra um aviamento que custa três vezes o preço da laicra. A moda praia era mais fácil, sem dúvida. Era o biquíni, a camisetinha, o cortininha. Hoje, tudo tem muito mais detalhe.

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Foto: Igor Kalinouski

L’O Era um mundo mais fácil. 

LT Mas muito mais. 

VC Nesse processo, é preciso a construção do produto mesmo, a estruturação de tudo. A moda praia entrou em um novo momento, de 2018, digamos, para cá. Hoje, a pessoa usa o biquíni como top, no dia a dia, debaixo de um blazer. E as próprias saídas de praia, as clientes da Água de Coco estão usando como roupa. Então estamos tentando repensar isso também. Temos que entender, dentro dessa mudança de comportamento e atualização do produto, como a empresa passa a trabalhar o desenvolvimento das coleções. 

LT E a moda praia tem uma coisa engraçada, pois as pessoas não costumam dar muita atenção. Mas todas as marcas maiores têm suas características reconhecíveis. Eu vejo coisas que são a cara da Lenny ou da Adriana Degreas, por exemplo, e não tenho vontade de fazer — pois não é minha cara. Então ninguém se copia. Lógico que se há um hit, todos fazem o seu. Mas cada um do seu jeito. Há um respeito muito grande entre nós, ninguém briga. Não sei se é porque eu sou meio out de tudo, mas sempre me dei bem com todos.

 

L’O Construir uma marca nos anos 1980 no Ceará, uma época em que o cenário da moda era basicamente o Rio de Janeiro e um pouquinho de São Paulo, não deve ter sido um movimento prático. 

LT Não foi prático e nem fácil, porque — isso até hoje — você sabe, há um preconceito. Com ser nordestino, com a própria moda praia ser considerada um assunto menor na moda. Mas nunca abaixei minha cabeça. Acho que é preciso ter respeito pelo trabalho que o outro faz, sabe? Goste dele ou não. Tantas pessoas da moda que eu jamais compraria uma roupa, que nem considero moda, mas estão ali fazendo o seu. E trabalhar no Brasil é muito difícil, né? A relação com os fornecedores, com o mercado. Pode ser um horror. 

VC Perdemos muitas fábricas nessa última década, muitos fornecedores. E temos enfrentado uma inflação alta, preços altos de matéria-prima, as coleções vão subindo cada vez mais. Então cada decisão precisa ser tomada com muito cuidado, um bolso a mais em uma camisa pode impactar muito o preço final. Por isso, tudo é discutido. Chegar a essa equalização para não impedir o produto de girar. E a Água de Coco consegue. Eu fico muito feliz quando vejo alguém usando uma coisa nossa. Hoje, o mercado tem tantas opções, milhões de marcas, o cliente realmente pode ir para onde quiser. Não é mais definido como era 20 anos atrás. Então, conseguir manter essa experiência do cliente é nosso primeiro foco. 

LT Toda reunião que começamos, o primeiro assunto é o cliente. 

VC Antes, as marcas apresentavam a coleção e o cliente consumia, mas não tinha voz. Hoje, a comunicação é direta. Eles falam com as lojas, com o Instagram da marca, até com o meu pessoal. Escutar e trazer esse cliente para perto da marca, essa nova relação, é muito sério para o negócio. Fizemos um trabalho muito grande nesses três anos, montando uma estrutura totalmente nova — para a produção, o marketing, o comercial, tudo. Esse alinhamento é essencial para uma marca com 30 pontos de venda, 400 pontos de multimarca, loja em Miami, venda na Europa e nas Américas… tem que haver alinhamento, pois o trem está caminhando sem parar e estamos fazendo tudo ao mesmo tempo.

 

L’O Como vocês fazem para uma marca de 40 anos, que veio de outra época de varejo e de mercado, conseguir capturar a atenção de um cliente que tem acesso a qualquer marca que quiser, da Dior à Shein? 

VC Eu acho que o segredo é que a Água de Coco sempre fez um produto de excelência. Minha grande alegria de chegar lá foi encontrar Liana como uma diretora que não estava querendo que a gente driblasse o produto para enganar as expectativas do cliente. Não estive lá em 1984 — nasci em 1987 —, mas tenho certeza que mesmo no início ela deve ter procurado a melhor laicra, as melhores maneiras de produzir. Mesmo sem a fábrica que tem hoje, toda a estrutura. 

LT Eu realmente sou muito inquieta.

L’O Com a cabeça pipocando para todos os lados, dizem. 

VC E aí você pode botar todos os lados, mesmo! Mas é aí que a gente ganha, na prática, quando o cliente entra no provador e veste a roupa. Daí não tem mais para onde correr. Pois as pessoas sentem quando o produto é desenvolvido, tem a energia do negócio. A gente faz prova de tudo, pode ser uma camisa elaborada ou o produto mais simples. O cliente percebe esse cuidado. É um jeito de puxar a atenção que é off-line, meio silencioso. É essa vontade de melhorar tudo o tempo todo. Liana mesmo, em dezembro, estava reformando loja e mudando vitrine. Essa coisa do varejo é incansável. Não é que você lança uma coleção e pode descansar para pensar na próxima. Nós já estamos com três no pescoço, em paralelo. 

LT E quando você faz uma coleção boa, bate suas metas… e no próximo ano, como faz? Porque a régua está subindo, e é muito.

 

L’O Você parece ser o tipo de pessoa que sobe o sarrafo desde sempre. 

LT O tempo inteiro, mesmo. E foi o que disse, estou me achando muito mais calma hoje. 

VC Calmíssima! Eu peguei ali uma fase, no começo, que era bem mais… agitada! Mas sabe o que me impressiona? É você ter uma marca de 40 anos e se manter nesse lugar de desejo, um desafio muito grande. Quantas empresas de moda conseguiram chegar aqui, vivendo o varejo, saindo de uma trabalho que era 100% offline e está, hoje, multicanal? 

LT Sabe que se eu fosse começar meu negócio hoje, eu não moraria em Fortaleza. Se, naquela época, tivesse começado em São Paulo, eu nem estaria mais aqui. Estava é morando em Mônaco. Aqui é onde tudo acontece, não tem jeito. Lá, mesmo com a nossa vantagem de ter um escritório pau listano e toda a nossa rede, que facilita muito, você ainda sente uma desconexão. Imagine naquela época.

 

L’O No começo da Água de Coco, você já mirou a venda no Sudeste ou era uma vontade de resolver no mercado local antes de sair?

LT Eu comecei mirando é no Brasil todo! Depois que casei, aluguei uma casa imensa, com piscina e tudo. E arrumei só a sala da frente, com os móveis, belíssima. O povo entrava e pensava que a gente era milionário. Mas nos fundos ficavam as máquinas de costura, os quartos só com o colchão no chão. Isso ninguém via. E sabe por quê? O povo não gosta de ninguém coitadinho. Nem em moda, nem em nada.

L’O Em que momento percebeu que a marca estava dando certo?

LT Na hora que pude comprar um carro melhor, um apartamento novo. A coisa é que investi muito na marca. Lembro das minhas amigas, todas ganhando muito bem na época sendo funcionárias do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste, falando “mas você morre de trabalhar e ainda está dirigindo um Gol?”. Tudo meu era investimento de volta, até hoje é meio assim. Eu sou uma pessoa que não tem grandes vaidades, mas com muito orgulho de fazer o que faço. Sei o trabalho que realizamos e sou feliz com isso.

 

L’O Você tem o perfil de gostar de chão de fábrica?

LT Pois te digo que nem tanto. Fiquei um tempo em fábrica porque era necessário, mas é como digo: eu não gosto de processo, e fábrica é exatamente um processo que precisa ser organizado. 

VC Eu fiquei curioso para saber quanto tempo depois do lançamento dos biquínis você sentiu que a marca pegou. 

LT Acho que depois dos desfiles no Rio de Janeiro, de abrir a loja do BarraShopping… uns dez anos. Eu comecei com atacado, não no varejo. Em Fortaleza, havia o Maraponga Mart Moda, que fazia umas feiras tipo Fenit. E meus estandes por lá, menino, você não tem noção do que era. Eu chamava arquiteto para fazer, comprava infláveis de piscina nos Estados Unidos para decorar. Todo mundo fazia o normal e o meu sempre chamava atenção porque sempre teve muito capricho. Mesmo no primeiro desfile que fizemos no Rio, mandei uma pessoa para Nova York só para comprar tulipas infláveis para a passarela. 

VC É uma coisa de não medir esforços para fazer a coisa acontecer. Queria entregar o melhor, fazer o melhor — e aí tudo realmente acontecia.

 

L’O Como foi a decisão de trazer o Vitorino para o time? 

LT Estávamos atrás de uma pessoa para me ajudar pois, apesar de gostar de criação, eu gosto só de dar os starts. Não aguentava mais fazer o processo, ter o time todo abaixo de mim, entende? 

VC E também porque Liana está de olho em todos os departamentos da empresa. Essa mudança foi importante, pois agora pode-se tirar dela esse melhor para todos os departamentos, essa troca que ela tem comigo, com o comercial, com as compras. É muito mais proveitoso do que ter ela só no estilo. Claro que a prioridade é nossa, até porque as ideias dela são fundamentais, é a fundadora e a diretora de criação. Mas, nesses últimos três anos, além de mim, tivemos outras contratações importantíssimas, revimos toda a fábrica e os escritórios. Criamos todo um departamento de estilo em São Paulo. E tivemos grandes desafios, com pontos muito importantes: o crescimento da linha masculina, da linha feminina de roupa, da moda praia lisa — pois nossa venda era concentrada na estampa. 

LT Mesmo esse assunto, eu cheguei e disse: “Não vamos mais fazer biquíni estampado”. Sei ser bem radical com as coisas. Me chamaram de doida, de maluca, que o povo ama nossas estampas… Daí veio o desfile. E somos corajosos mesmo, né? Um desfile todo daquele não botar nem uma estampa? Corria o risco de ninguém entender nada. E deu certo. A gente tem noção das coisas, não é um devaneio. 

VC Estamos mergulhados nessas mudanças há três anos. Logo que cheguei, o Renato queria já fazer um desfile — eu achei melhor não, tínhamos tantos pontos internos a resolver. Foi muito importante essa paciência, essa calma, para realizar do jeito certo. 

LT E ainda tem muita coisa, pois o nosso planejamento estratégico era de seis anos — ainda estamos na metade. Faltam mais três anos de luta, para chegar a outro patamar.  

VC E voltando, daí chegamos a isso. Começamos a colocar a moda praia lisa dentro da coleção, e começou a vender muito bem. Antes, 90% da venda era de moda praia estampada. Hoje, é 50/50. Então você pega isso que já está acontecendo no varejo e aplica no desfile como uma estratégia para crescer ainda mais. 

LT O pessoal realmente não via a Água de Coco como uma opção de peças de praia não estampadas. Mesmo se soubessem que tinha o liso, nem iam olhar. 

VC É preciso entender as coisas que Liana fala, pois não dá para levar ao pé da letra. Não era sobre abolir o estampado, mas a coleção precisava passar uma percepção de que há o liso na loja. Ela é um poço de ideias afiadas. Daí a ideia explode e você precisa pegar, interpretar e trazer para o lado menos radical. Com o masculino foi a mesma coisa. Hoje, a roupa representa 50% das vendas. 

LT Cada dia que passa, estamos querendo fazer mais roupas que tenham a nossa cara. Esse jérsei que estamos fazendo, que mostramos no desfile, vamos entrar forte nisso. É algo que não tem no mercado, uma roupa bem modelada, que não é fácil de costurar. Quem é de tecido plano não consegue fazer tão bem. Mas nós temos maquinário de praia, temos expertise, temos como fazer. Conseguimos absorver essas novidades rapidamente. As bolsas do desfile, montamos uma fábrica pequena para fazer — e já está crescendo. 

VC O desfile serviu para marcar essa roupa misturada com a praia. Era o biquíni com o blazer, a saída com o top, o top com calça jeans. Quisemos que o cliente entendesse que nossa roupa vem acontecendo e funcionando muito bem. É roupa para misturar com a moda praia. 

LT O mundo mudou. A vida toda, ninguém fazia moda praia — só as especializadas. Hoje, todo mundo faz. Toda marca de moda tem um biquíni no meio da coleção, no meio do desfile. Foi uma onda muito boa para todo mundo, mas com um fator ruim para a moda praia brasileira. Pois antigamente ninguém comprava beachwear internacional. Agora essas marcas todas vieram para o Brasil, pesquisaram como é que se faz, tiraram os bundões frouxos dos biquínis e estão fazendo as calcinhas como fazemos por aqui. E todo mundo compra.

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Foto: Igor Kalinouski

L’O Essa relação entre vocês já existia antes?

VC Não, ninguém se conhecia. Eles me ligaram, eu estava trabalhando na Cori, e sentamos para conversar. Eu queria fazer moda praia, algo que nunca tinha feito. Estava nesse desejo de uma coisa mais solar. Na Animale, eu trabalhava aquela mulher muito poderosa. Na Cori, uma mulher mais séria, mais fechada. A laicra, o beachwear, era algo novo para mim. E adoro um desafio. lt E ainda está aprendendo, né? 

VC Ainda estou estudando. Mas, nesses anos, revimos todas as modelagens, refizemos tudo. Quando vejo um cortininha bem feito, só falto chorar. É o que mexe com meu coração.

 

L’O Como é para você abrir mão e colocar na marca alguém que já tem um nome forte de mercado, como Vitorino?

LT Zero problema, de verdade. Não tenho problema de ego, tenho a segurança do que estamos fazendo. 

VC Foi uma sinergia que aconteceu de verdade. Tenho certeza que, se não tivesse dado certo, ela já teria me dispensado nos primeiros meses. 

LT A gente se complementa. Ele sabe no que eu sou boa, eu sei no que ele é bom. É nisso que o trabalho dá certo. 

L’O Vocês são meio parecidos, né? 

VC Mais ou menos. A gente discute, um escuta o outro. Gosto que a gente não concorde em tudo, amo esse lugar em que a troca é de verdade, em que se opina de fato. Ela vai, sim, falar que está horrível, se for o caso, mandar fazer de novo. Entendemos o que o outro está querendo e funcionamos bem juntos. Tem coisas que eu discordo, mas acontece porque ela valida. Outras, ela discorda mas dou meu jeito de bater o pé. Mas, no fundo, Liana é minha melhor cliente. Na prova de roupa do desfile, ela estava lá em frente ao espelho escolhendo blazer, calça… fazendo pedido mesmo. Então ver Liana ali, entendendo a importância e o desejo das peças que também são os do cliente, pelo feeling… Vivemos nesse desfile um momento de moda que tem vida.

 

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