Chelsea Jeans Lamm: jovem designer trabalha imagens exuberantes
Em Munique, a jovem designer Chelsea Jean Lamm trabalha imagens exuberantes que partem de um processo artístico secular
Em Munique, a jovem designer Chelsea Jean Lamm trabalha imagens exuberantes que partem de um processo artístico secular. Confira a entrevista!
De um ateliê na Bavária rodeado de natureza têm saído criações de moda que podem intrigar os olhares. Roupas que parecem geradas por processos hi-tech ou até via inteligência artificial, mas, vistas de perto, mostram-se grandes composições imagéticas frutos de um fazer antigo da arte: a collage.
O trabalho é resultado do mundo interior de Chelsea Jean Lamm, alemã de 25 anos com raízes vindas da África do Sul e da Escócia e que já passou pelo ateliê de Iris van Herpen antes de iniciar sua própria marca. As colagens manuais vêm da irmã mais velha, a artista Ashley Elizabeth Lamm, que constrói entidades femininas fantásticas por meio do acúmulo de papéis com imagens retiradas de revistas e livros antigos — de texturas abstratas a ícones da cultura pop. Digitalizadas, as obras tornam-se fonte para a miríade de estampas e os movimentos das roupas do ateliê, construídas com corte a laser e elaboradas técnicas manuais. Com pouquíssimo tempo de estrada, Chelsea tem se esforçado em construir uma história de moda com pegada sustentável e feminista — e já chegou por aqui, vestindo a atriz Maisa e a influenciadora Livia. Direto de Munique, ela conversou com L’OFFICIEL.
L’OFFICIEL Minha primeira curiosidade é o que trouxe você até aqui. Como foi essa construção estética como criadora?
CHELSEA JEAN LAMM Olhando para trás, é interessante refletir sobre minha jornada na moda, pois não era um sonho de infância. Nos meus anos de formação, o meu foco estava mais na liberação da criatividade por meio da arte e do desenho, que serviu tanto como fonte de inspiração quanto como meio de navegar pelas complexidades dos meus sentimentos. Quando criança, sempre vivia mais na minha imaginação do que muitas vezes na realidade, adorava fugir para o espaço seguro da minha própria fantasia e percebi que a criatividade é ferramenta para mergulhar fundo em um mundo que não pode ser expresso apenas por palavras. Ao me aproximar do final do ensino médio, enfrentei a decisão crucial de escolher uma carreira. Os meus interesses abrangiam várias disciplinas, incluindo arte, medicina, moda, história e direito. A moda, no entanto, teve um apelo único: ofereceu uma tela onde eu poderia entrelaçar meus interesses em uma rica tapeçaria. Vejo a moda como uma força dinâmica e em constante evolução, aliada a dimensões políticas, universais e emocionais que servem como poderosas ferramentas de comunicação. A minha aspiração era contribuir para a transformação da indústria: quis fazer parte da geração que conduz a moda em direção a um futuro mais sustentável, inclusivo, durável e ético.
L’O Fala-se muito hoje sobre a importância das origens pessoais, acha que o seu background multiétnico aparece de alguma forma nas suas criações?
CJL Acredito firmemente que minha formação única se reflete em minhas criações. Minhas três nacionalidades — sul-africana, escocesa e alemã — moldaram a minha identidade, então é natural que essa fusão encontre um caminho em meu trabalho. Nossa abordagem, baseada na arte da collage, é semelhante a embarcar em uma caça ao tesouro pelas páginas de livros e revistas esquecidos. Estamos em uma missão para descobrir gemas, permitindo que esses materiais negligência - dos deem vida a um meio artístico novo. É um processo que ressoa profundamente com a minha própria jornada de autodescoberta e identidade. Às vezes penso no fato de estar à procura do meu sentido de pertencimento e identidade dentro da moda, entendendo que sou composta por múltiplas inspirações e insights. Em muitas maneiras, a minha vida reflete a essência de uma grande colagem, continuamente expandindo e iluminando. É sobre coletar, reorganizar e reaproveitar, não apenas dentro da minha esfera profissional como designer, mas também na minha vida pessoal.
L’O Você tem pouco tempo de marca, mas já vem chamando atenção mesmo estando em Munique, fora dos principais centros da moda. A que fator atribuiria isso?
CJL Com a ascensão e o poder transformador das redes sociais, da internet e do processo de globalização, acredito que a localização física importe cada vez menos. O surgimento de novos talentos não está mais confinado às fronteiras das grandes capitais da moda; as oportunidades de reconhecimento são agora verdadeiramente globais. Embora seja verdade que estar baseado em um renomado fashion hub possa oferecer vantagens, acredito firmemente que a moda transcende a geografia. Para mim, pessoalmente, permanecer ligada às minhas raízes é essencial para preservar a autenticidade da minha arte. Sempre tive um espírito inquieto e a necessidade de explorar e buscar inspiração no mundo natural alimenta a minha criatividade. No entanto, não consigo me imaginar morando para sempre em um lugar só, meu olho precisa viajar muito, então tendo a abraçar as mudanças de todo o coração e com frequência.
L’O Esse trabalho em conjunto com a sua irmã, Ashley, era um plano desde o começo? Pretendem seguir assim pelo futuro?
CJL Trabalhamos juntas desde 2019 e tem sido uma experiência absolutamente incrível. Foi uma bela constatação de que compartilhávamos o mesmo sonho, que sempre existiu silenciosamente entre nós. Quando crianças, costumávamos desenhar juntas o tempo todo, confeccionando fantásticas criaturas de papel que nos traziam alegria sem fim. Tentávamos torná-las o mais hilárias possível — por exemplo, desenhando um crocodilo com bolsa rosa e botas de caubói gigantescas, enquanto podíamos trocar os papéis entre os corpos das criaturas. De certa forma, ainda nos conectamos em um nível profundo enquanto criamos, é um tipo de liberdade que nos une e uma linguagem tácita que ambas entendemos sem precisar explicar — faz parte da nossa irmandade única. Olhando para o futuro, estamos entusiasmadas em seguir juntas em vários projetos. No entanto, também estamos explorando coleções e obras de arte individuais. Nossos caminhos criativos podem ocasionalmente divergir, mas o vínculo e a compreensão que compartilhamos no nosso trabalho colaborativo permanecerão parte integrante da nossa jornada criativa.
L’O Seu trabalho transmite uma imagem altamente tecnológica, principalmente em um momento em que vemos tantas imagens geradas por inteligência artificial. Em contrapartida, parte de uma base artística — a collage — que é antiga e extremamente analógica. Essa dicotomia é intencional? Como chegaram a esse processo?
CJL Sim, a justaposição intencional da nossa estética tecnológica com a antiga e analógica forma de arte da colagem é um aspecto fundamental da nossa visão criativa. O nosso objetivo é enfatizar a importância de um ambiente harmonioso de coexistência entre a humanidade, a natureza e a tecnologia em um mundo em rápida evolução — especialmente com o aumento exponencial da inteligência artificial e das alterações climáticas. Quando começamos, queríamos encontrar um método para dar vida ao nosso fantástico mundo imagi - nativo e adorei a maneira como poderíamos criar uma esfera utópica, reaproveitando papéis descartados e usando colagem como nosso meio de fundação. Nossa inspiração vem de uma profunda apreciação pelos bestiários da Idade Média e as criaturas místicas e excêntricas retratadas por artistas como Hieronymus Bosch. Aquela capacidade de retratar seres fictícios de uma maneira mágica e encantadora influencia muito a minha percepção da moda hoje. Nossa abordagem, fundindo arte contemporânea com design de moda inovador, serve como um modelo de linguagem universal que ressoa com um público mais amplo. Dentro dos nossos designs, existem inúmeros elementos que os espectadores podem se identificar e descobrir, de insetos cintilantes e antiguidades prateadas até dinossauros, criaturas subaquáticas e até ícones da cultura pop como Meu pequeno pônei e E.T. Esta riqueza reflete a infinidade de inspirações que alimentam a nossa criatividade e imaginação. Como uma empresa liderada e pertencente a mulheres, minha irmã Ashley e eu estamos profundamente comprometidas em tecer princípios feministas em todos os aspectos do nosso trabalho. Confeccionamos cada peça com a intenção de capacitar os indivíduos a se expressarem livremente, independentemente das normas sociais de gênero. Acreditamos que as roupas devem ser um meio de autoexpressão e autocelebração para todos. É sobre empoderamento, inclusão, sustentabilidade e criação de designs que amplifiquem as vozes individuais, independentemente de gênero.
"É SOBRE empoderamento, INCLUSÃO, SUSTENTABILIDADE E CRIAÇÃO DE designs QUE AMPLIFIQUEM AS vozes INDIVIDUAIS, INDEPENDENTEMENTE de GÊNERO.”
L’O Na mesma linha de pensamento, apesar da carga de imagem contemporânea, as suas roupas são feitas à moda antiga. Pensa em entrar nesse campo de alta tecnologia, como a impressão 3D?
CJL Para inovar verdadeiramente, acredito na fusão da habilidade manual antiga com tecnologia de ponta. Há uma magia especial que ocorre quando esses dois mundos se cruzam. A tecnologia serve como ferramenta indispensável no meu processo criativo, permitindo-me dar vida às minhas visões de moda, enquanto algumas técnicas poderiam ser executadas exclusivamente à mão, seriam demoradas e não teriam a precisão que eu desejo. No entanto, reaproveitar materiais existentes e dar nova vida a bases antigas é uma prática que estou profundamente apaixonada. Muitas vezes me pego fantasiando sobre a jornada que esses livros e materiais estiveram — os lugares que visitaram, as casas em que residiram e as pessoas que se inspiraram pelo seu conteúdo. É uma história que nunca conhecerei, pois a vida deles foi rejuvenescida mais uma vez e, na maioria das vezes, continuo sem saber dos seus proprietários anteriores. É por isso que prefiro casar métodos tecnológicos — como corte a laser e impressão digital — com a costura manual tradicional, alcançando eficiência e habilidade nas minhas criações. A impressão 3D, em particular, é uma prática que também estou ansiosa para explorar mais.
FOTOS: Nina Zimolong
MÁSCARAS: Carina Shoshtary
MODELOS: Nondi Beattie (BOSS MODELS), Antonia Julies (KULT MODELS)
MAX PENNY (ICE MODELS)
BELEZA: Annika Carstens e Chelsey Abrahamse