Cynthia Merhej em entrevista exclusiva à L’Officiel Brasil
Designer semifinalista do LVMH Prize fala sobre moda, identidade e trabalho
Moda, identidade e História já se relacionam ao longo do tempo e em vários momentos. Em alguns deles, designers conseguem traduzir o espírito da contemporaneidade em peças repletas de sentido. Este é o caso de Cynthia Merhej, estilista libanesa e semifinalista da 12ª edição do LVMH Prize, prêmio para jovens criadores lançado pelo grupo de luxo francês em 2014. Com 2.300 candidaturas do mundo todo, 20 etiquetas semifinalistas foram selecionadas e Renaissance Renaissance, marca sob direção criativa da jovem, está entre elas.
Formada pela Central Saint Martin, Cynthia Merhej vive entre Paris e Beirute e carrega a moda no DNA. A estilista pertence à terceira geração de criativos. Sua bisavó, Laurice Srouji, administrou seu próprio ateliê em Jaffa, Palestina, na década de 1920. Com estilo romântico e sensível às suas raízes, suas criações são tributos às mulheres que a criaram, e inspiradas por personalidades no cinema, na música, no teatro e de sua comunidade. São pilares de um guarda-roupa atemporal, livre e adequado à mulher moderna.
Em entrevista exclusiva à L’Officiel Brasil, a jovem designer contou um pouco sobre a experiência de ser um dos destaques do mercado de moda global e a condição feminina de trabalho no Líbano. “Fica ainda mais difícil quando você é uma mulher, e até três vezes mais quando é de um país árabe ou não ocidental”, disse ela. A designer ainda revelou quem são as brasileiras que gostaria de vestir com suas criações. Confira!
Você faz parte da terceira geração de designers de moda da sua família. Qual é a essência da criatividade feminina em meio ao contexto sociopolítico de um país como o Líbano?
Acredito que é muito importante, já que estamos no meio da reconstrução do nosso país depois desses últimos anos. A contribuição das mulheres para a nossa comunidade, cultura e sociedade é mais destacada do que nunca e desempenha um papel fundamental para que possamos reconstruí-la de forma mais saudável e forte.
Esta é a sua segunda vez como semifinalista no Prêmio LVMH. Em se tratando de estilo, o que mudou na moda de 2021 para hoje?
Em relação ao meu trabalho pessoal, ele vem evoluindo de estação para estação, mas estou sempre construindo sobre o que fiz em temporadas anteriores e crescendo. Acho que o que mais mudou é que sinto que as pessoas estão se tornando mais apreciativas de peças mais trabalhadas, em vez de apenas algo que pode ser usado uma vez e descartado. Acredito que as pessoas estão se tornando mais conscientes dos danos do consumo excessivo e do greenwashing [termo que se refere a uma organização que implementa propaganda enganosa sobre suas práticas ambientais] e isso é incrível. Há cerca de cinco anos, eu me sentia muito sozinha quando estava sendo pressionada pelas ideias de fazer menos, melhor e comprar menos. Agora, eu sinto que isso se tornou uma ideia muito mais comum, o que é tão bom de ver.
Como é a experiência de ser eleita uma das jovens estilistas de destaque no mercado de moda global?
É uma grande honra. Sou muito grata por essa experiência e esse reconhecimento, para ser honesta. Trabalhamos muito, muito, dia e noite, tentando fazer o impossível acontecer nas circunstâncias mais impossíveis. Então, realmente significa muito quando um líder tão grande na moda diz que acredita em você.
Hoje, você trabalha com sua mãe que também teve uma marca de moda nos anos da década de 1990. Existe algum estilista com quem deseja trabalhar?
Nossa! Há tantos designers incríveis que eu amo e admiro, mas eu diria que adoraria trabalhar com Marc Jacobs agora porque ele parece estar se divertindo muito no momento e eu adoraria brincar no estúdio dele! Parece um ambiente tão experimental e lúdico e seria tão legal fazer parte disso se eu pudesse de alguma forma.
Em algum momento, você já se sentiu oprimida por trabalhar com moda sendo uma designer jovem? Como foi a experiência?
Não sei se oprimida é a palavra que eu usaria. Acredito que há muitas barreiras para enfrentar na moda, e acho que fica ainda mais difícil quando você é uma mulher, e até três vezes mais quando você é de um país árabe ou não ocidental. Acho que o desafio é que, embora estar ciente dessa discriminação seja muito importante, você também tem que continuar e não deixar ninguém lhe dizer qual é o seu limite. Muitas pessoas farão julgamentos sobre você com base em suas próprias experiências e preconceitos, e você não pode deixar que isso o desanime - porque você nunca sabe quem é aquela pessoa que vai acreditar, ver o seu talento e lhe dar uma chance. Embora eu sinta que tenho que trabalhar cinco vezes mais para obter o mesmo resultado que alguns outros, tive muita sorte na minha carreira até agora de conhecer e ter o apoio de pessoas de todas as origens e que realmente acreditaram em mim e me ajudaram.
Sua marca Renaissance Renaissance preza pelo trabalho artesanal como ferramenta de empoderamento e fortalecimento criativo. Como o luxo se relaciona à identidade local?
É incrivelmente importante para a identidade libanesa. Nossa região é uma das civilizações mais antigas do mundo. O Líbano existe há 7, 5 mil anos (se não me engano) e, ao longo desse tempo, absorvemos muitas culturas, da romana à bizantina e à otomana. Também tivemos muitas pessoas incríveis - como armênios, palestinos, sírios e curdos - que se mudaram para o Líbano ao longo dessas décadas e trouxeram todas as suas habilidades artesanais, culminando em uma mistura incrível e rara de artesanato, cultura e herança.
Para você, uma tendência de moda pode se tornar um estilo atemporal?
Acredito que não porque a palavra tendência é o oposto de estilo. Para mim, estilo é sobre ter seu próprio ponto de vista e usar o que você gosta, independentemente do que os outros pensam. Não é sobre quanto dinheiro você tem. É possível ser muito estiloso com apenas algumas peças no armário. O verdadeiro estilo é muito corajoso. E a tendência é sobre usar o que todo mundo está usando para se misturar, e acho uma pena porque há tanta singularidade neste mundo e ela está sendo escondida!
Quais são as suas referências criativas quando falamos em moda do Brasil? Para você, o que mais define o estilo das brasileiras?
Na verdade, eu estava em São Paulo no Verão e, finalmente, pude ver a moda brasileira de perto - embora tenha sido apenas em uma cidade. Sei que há muito mais para ver! Sinto que a moda brasileira é definitivamente muito mais descontraída, divertida e colorida - assim como o incrível e diverso país como o Brasil! Fiquei realmente impressionada com muitos dos designers locais que vi, e como há um estilo tão definido que é diferente de qualquer outro lugar.
Você já vestiu Lady Gaga e a cantora Caroline Polachek. Qual é a brasileira que você gostaria de ver com uma criação sua hoje?
Tenho a sorte de ter conhecido muitas mulheres brasileiras ao longo dos anos, contando com algumas das minhas amigas mais próximas e queridas. Estou tão impressionada com a força das mulheres brasileiras, como elas não têm medo de falar o que pensam e realmente não têm medo. Ao mesmo tempo, elas são tão descontraídas, divertidas e muito brincalhonas com seu estilo. Seria incrível vestir alguém como Fernanda Montenegro e sua filha Fernanda Torres - vestir duas gerações!