Moda

Projeto Ponto Firme: I.A. e responsabilidade social

Manual próprio! Com inteligência artificial em uma mão e responsabilidade social na outra, o projeto Ponto Firme dá novos passos e leva sua apoteose visual novamente a Paris.

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Fotos: leca Novo/Divulgação

“As gatas arrasam.” É assim que Gustavo Silvestre define, sem disfarçar o orgulho ao mostrar as preciosidades manuais da coleção do seu projeto Ponto Firme, desfilada no Copan em maio. Nas araras do ateliê, no Centro de São Paulo, roupas à base de crochê coberto com intrincadas texturas tridimensionais, feitas com paetês em formas variadas, refletem o melhor e mais autêntico que a moda brasileira pode produzir hoje — misturando a nossa verve criativa, de uma harmonia pop quase carnavalesca, com sensualidade e uma criatividade feroz no feito à mão.

As gatas, nesse caso, são o grupo de cerca de dez mulheres abraçadas pelo Ponto Firme no último ano. Idealizado em 2015, o projeto começou com oficinas de capacitação de crochê — expertise de Gustavo — com homens dentro do sistema carcerário paulistano. De lá para cá, essas aulas fizeram o estilista criar um ecossistema de criativos ao seu redor — com egressos, criadores periféricos e pessoas em vulnerabilidade social — que começou a fazer os seus desfiles há poucos anos. Este último time feminino, reunindo travestis e mulheres latinas imigrantes (muitas delas, mães solo) que pegaram em agulhas pela primeira vez ali dentro, dão um novo passo para esse grande coletivo criativo: não só na imagem de moda, mais encorpada, mas numa vontade de gerar rendas maiores e independência financeira para essas mulheres por meio do trabalho manual, e com peças prontas para um lado comercial, além das criações sob medida.

“Elas têm uma habilidade absurda, é lindo. O primeiro curso misturava upcycling com crochê, depois fui aumentando o nível e colocando os paetês na história. E desde dezembro seguimos testando e provocando essa criatividade natural delas”, conta. “Fizemos figurinos para Daniela Mercury, no Carnaval, e dali a história aumentou, fazendo reverência a essa arte manual.” 

Em contraste com o seu amor pelo handmade, Gustavo tem mergulhado no mundo selvagem das imagens criadas por inteligência artificial — e entregou essas referências para a suas trainees. “Essa coleção é a mais manual que fizemos e, ao mesmo tempo, a mais tecnológica. Estou muito ligado nessas imagens geradas por IA, que têm um mood muito próprio. Obviamente que no lado ético, há muito o que discutir. Mas como inspiração... ela entrega possibilidades imensas, abre ideias que provocam uma vontade de trazer para o mundo real esses absurdos. É nesse sentido que usamos: as loucuras da IA, traduzidas na ponta da agulha.”

O processo, de encher os olhos, é valioso. “É uma pesquisa doida. É pura alta-costura, segue a mesma lógica dos ateliês, feita à nossa maneira, com muita colaboração criativa delas, que tramam tudo em casa e trazem de volta”, conta. “Esses tecidos nunca existiram, em lugar algum. Quando você vê crochês assim, normalmente os paetês entram como decoração no final, com a peça pronta. Esse processo de já fazer a trama, à mão, junto com os paetês, não é feito. E dá possibilidades imensas de cor e textura, cada combinação abre outros mil caminhos.”

O próximo passo, enquanto briga pela valorização desse trabalho no quintal de casa, é colaborar novamente com o desfile do francês Kevin Germanier, na semana de moda em Paris — dobradinha de criação que começou no ano passado. “Ele entendeu imediatamente o valor do que fizemos aqui, ficou desesperado quando mostrei esta nova coleção. É um trabalho que tem pesquisa, tem evolução. Algo que nunca foi feito, mesmo, nesse nível. E dentro da realidade brasileira, né? Na realidade do Centro de São Paulo. Tiramos leite de pedra.”

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