Moda

Róisín Pierce: uma reverência à tradição e ao artesanato

A amarração do tempo! Numa técnica bem construída e sutilmente entrelaçada, a designer Róisín Pierce tece com destreza uma análise sobre os direitos das mulheres irlandesas e uma reverência à tradição e ao artesanato

clothing apparel lace person human
Foto: KENZIA BENGEL DE VAULX

São 4 horas da tarde em Dublin, e Róisín Pierce está com enxaqueca. Ainda assim, essa designer de 25 anos aparece na tela do Zoom sorrindo, com o cabelo vermelho-escuro enquadrando seu rosto em um fundo todo branco. Ela acessa o computador de seu estúdio “estilo cozinha” em casa, com um monte de manequins sem cabeça encostados na parede. É difícil dizer, apertando os olhos através da tela pequena, mas cada um deles está envolto em criações etéreas e artesanais da artista.

As roupas de Róisín têm uma qualidade angelical, de outro mundo, não apenas porque ela trabalha essencialmente com tecido branco. A forma e a textura de cada item, assim que ele repousa no corpo da usuária, é surpreendente em sua destreza. Algumas peças quase parecem como se chantilly fresco tivesse sido amarrado e desenhado em formas entrelaçadas em volta do corpo. Outras têm muito smocking [uma técnica de bordado], e ficam firmes apesar de delicadamente fabricadas, como se fossem armaduras crocantes.

Sua técnica – amarrar tiras de tecido, um processo que ela considera “bastante difícil” – nasceu do desejo de produzir roupas sem desperdiçar nada. Retalhos montados uns nos outros criam uma roupa perfeitamente encorpada. “Isso pode levar a tanta exploração sustentável... Mas não se trata apenas de sustentabilidade; isso me beneficia como designer”, observa. A estilista explica que, na prática, o tecido pode nem sempre ficar bom no corpo, mas a complexidade do método explora além das silhuetas padrão da moda. “Tenho salas cheias de amostras nesta casa... Coleções antigas que eu poderia ficar observando mas não quero, porque prefiro ver o que sou capaz de fazer sem olhar para o que fiz no passado”, ela diz, explicando que suas inovações técnicas muitas vezes colocam sua imaginação para funcionar – em vez de produzir uma peça única, ela quer fazer dez. “É muito bom quando vejo alguma coisa da primeira coleção, [e noto] algo um pouco semelhante na coleção nova, mas é totalmente outra elaboração. Existem semelhanças, mas só eu posso reconhecê-las.”

Muito do trabalho de Róisín está profundamente ligado à sua herança irlandesa, tanto na produção como na inspiração. Mná I Bhláth (“Mulheres em Flor”), sua primeira coleção, deriva da história do movimento feminino na Irlanda, incluindo as Lavanderias das Madalenas – instituições secretas da Igreja católica em que mulheres “perdidas” eram confinadas e forçadas ao parto – e a revogação, em 2018, da 8a Emenda à Constituição Irlandesa, que baniu de fato os direitos das mulheres ao aborto legal e seguro. Róisín explica que, para essa coleção, usou como ponto de partida o smocking e o bordado – “A broderie anglaise.

Róisín Pierce

Era muito parecido com uma roupa de batizado”, diz. Em 2019, a coleção lhe rendeu o primeiro prêmio Métiers d’Arts, da Chanel, no Festival Hyères, o que também permitiu a Róisín colaborar com os ateliês da casa francesa numa extensão de itens florais, intitulada Bláthanna Fiáin (“Flores do Campo”).

Em novembro de 2021, chegou a Two for Joy (“Duas pela Alegria”). “Era uma coleção muito mais radiante, sobre memórias muito boas da minha infância”, revela. O uso de cetim, num momento em que ela ainda se prendia à paleta branca, sua marca registrada, deu às peças um “tom áureo, mágico”. Nessa coleção, Róisín pontilhou peças com florezinhas de algodão, dispostas em camadas sobre organza e sobre a pele descoberta. O efeito é mais suave e mais descontraído que seu trabalho anterior.

Nas suas explorações de fabricação, especificamente ligada ao artesanato irlandês, a estilista viu uma oportunidade não apenas de revisitar a história, mas também de proteger sua tradição e seu trabalho. “O artesanato está morrendo”, explica. “Eu tinha um projeto planejado perto do norte, e uma porção de mulheres com quem eu tinha imaginado trabalhar morreu na pandemia. Então, tomei uma iniciativa para passar a ensinar a renda irlandesa aos jovens. É um curso pequeno, mas é só para manter aquilo vivo... Quero que pessoas mais jovens possam dar continuidade a esse ofício.”

Enquanto muitos designers acabam cedendo à atração gravitacional do mundo da moda, transferindo-se para centros como Londres e Paris, Róisín mantém-se firme em permanecer em Dublin – perto dos artesãos com quem ela colabora regularmente. “É um pouco estratégico de minha parte, porque é meio que um espaço de respiro”, ela explica. “As pessoas me escrevem perguntando: ‘Posso ir aí ver a coleção?’. E eu: ‘Não, na verdade não pode; você não vai entrar’, o que eu acho que é muito bom para o meu trabalho, porque, na minha marca, o design vem sempre primeiro.” Esse é o processo em que Róisín quer se envolver.

Atualmente, Róisín está criando a quarta coleção para a marca que leva seu nome, em meio a malabarismos para lidar com o estresse de lançá-la nos holofotes da moda global. Isso significa fazer as coisas meio “ao contrário”. No passado, suas fontes de inspiração, ela revela, “eram coisas que eu pesquisava no meu tempo livre. Eu nem teria pensado em algo como ‘Oh, coleção!’. Costumava ser algo que eu queria aprender um pouco”. Se suas primeiras coleções eram feitas sob demanda e criadas ano a ano, agora Róisín tem de encarar o aumento de escala da produção de peças tecnicamente complicadas e muito detalhadas.

“Eu costumava dizer que a marca é para as pessoas mais interessadas na arte do mundo do design, são elas que apreciam isso.” Mas os designs escultóricos e texturizados passaram a atrair uma variedade maior de clientes – incluindo grandes varejistas como a Nordstrom, talvez não o típico destino de compras do público de arte. “[Do que] eu mais sentia orgulho com as encomendas da Nordstrom era que não se tratava de uma coleção diluída”, diz. “O que  eu mostrei como parte da minha coleção final foi o que eles compraram e que era possível ir para as prateleiras. Fiquei muito feliz de não ter sido algo como: ‘Oh, vamos fazer só camisetas’.” O ponto alto, para Róisín, foi quando lhe enviaram uma foto de sua peça na loja. “Eu nem sabia que já estava exposta.”

Agora, ela está voltada para o cobiçado prêmio LVMH, que sempre quis conquistar. “Vendo as fotos da sala com o pessoal do LVMH, alguns [dos outros designers] parecem ter ficado meio nervosos. Mas em todas elas você pode me ver sorrindo, porque eu pensava que era exatamente onde eu queria estar.” À medida que Róisín continua explorando exatamente o que sua marca vai ser, não importam os prêmios, os elogios nem as lojas de departamentos, isso sempre vai vir do processo da perfeição. “Apenas vou me esforçar para tentar obter o melhor que pode ser feito”, afirma. “Não é ‘Oh, isso toma muito tempo?’, nem ‘Isso desperdiça recursos?’. Trata-se de obter o melhor possível, é disso que estou atrás.”

clothing apparel person human dress female
dress clothing female person woman wedding gown fashion wedding gown robe

Tags

Posts recomendados