Moda

Sandy Powell revisita suas inspirações e obras que marcaram o cinema

Em exposição retrospectiva de 40 anos de carreira, a figurinista Sandy Powell revisita suas inspirações e obras que marcaram o cinema

adult female person woman clothing costume formal wear dress face coat
Sandy Powell com o figurino de Wittgenstein, filme de Derek Jarman - Foto: Kim Myers / Divulgação.

Você nem deve imaginar, mas Sandy Powell é uma das estilistas mais presentes na sua vida. Seus looks não apareceram na sua frente nas revistas, nos desfiles nem nos blogs de moda. Na verdade, caíram no seu colo quando menos esperava ou mal prestava atenção e, mesmo assim, roubaram suspiros e até foram referências para os seus looks. Essa é a magia da arte de Sandy Powell, uma das maiores e mais influentes figurinistas de cinema da atualidade. Parceira regular de diretores como Martin Scorsese e Todd Haynes, a britânica é aclamada por sua contribuição inigualável na sétima arte. Leva consigo três estatuetas de 15 indicações ao Oscar por Shakespeare Apaixonado, O Aviador e A Jovem Rainha Vitória, filme que também lhe rendeu um dos três prêmios das suas 16 indicações ao Bafta, além de Velvet Goldmine e A Favorita.

building indoors museum adult bride female person woman clothing dress
Figurinos de A Outra, filme de Justin Chadwick. Em segundo plano os figurinos de A Favorita, de Yorgos Lanthimos. Ao fundo, um dos vestidos de Orlando, filme de Sally Potter - Foto: Colin Douglas Gray / Divulgação.

O reconhecimento dessas instituições de cinema não é surpresa nenhuma quando deparamos com o conjunto da obra desses mais de 40 anos de carreira que estão agora sendo celebrados na exposição Sandy Powell’s Dressing the Part: Costume Design for Film, no museu da Scad Fash Museum of Fashion + Film, em Atlanta, onde tivemos a oportunidade de conversar com exclusividade com Sandy Powell. 

Mais do que uma retrospectiva, essa também é a primeira vez que a figurinista tem a sua obra exposta em um museu. “É como ver a minha vida passando na minha frente. Cada filme traz memórias, de onde eu estava no mundo, o que estava fazendo, o que acontecia em vários momentos”, comenta Sandy. Ela não poderia ser mais autêntica, com seus cabelos vermelhos e óculos azuis e vestindo um terninho listrado p&b propositalmente manchado de tinta preta em contraste com uma camisa amarela e um lenço preto com petit poá para finalizar o look. Isso tudo completado com o sorriso, a rapidez de pensamento e o senso de humor britânico característico.

dress fashion formal wear gown adult bride female person woman costume
Figurinos da personagem rainha Elizabeth I em Shakespeare Apaixonado, de John Madden - Foto: Colin Douglas Gray / Divulgação.

Com a curadoria do diretor criativo brasileiro Rafael Gomes, a exposição conta com quase 125 peças de roupas e acessórios expostas de uma forma bastante cinematográfica, separadas por filme, em caixas retangulares iluminadas, que remetem à ideia de uma tela de cinema. Enquanto muitas das peças vieram do acervo pessoal da figurinista, outras foram resultado de um grande trabalho de busca até lojas de aluguel de figurino e usadas para os mais variados eventos. Outras que foram trazidas diretamente dos estúdios vieram com algumas surpresas, como o terno usado por Leonardo DiCaprio em O Aviador, que tinha no bolso um isqueiro e uma cópia da folha de chamada da gravação.

Caminhando pelos corredores, o visitante passa por figurinos que deixaram a sua marca na história do cinema, como o vestido de Cinderela usado por Lily James, o casaco de pele usado por Cate Blanchett em Carol e o vestido azul usado por Kirsten Dunst em Entrevista com o Vampiro. Sandy conta que há algo inexplicável que acontece no trabalho do figurinista com o ator na construção de um personagem. “A gente chama de momento eureka. Você vai testando um monte de coisas diferentes e de repente dá um estalo. Funciona. Vai soar extremamente piegas, mas é nessa hora que o personagem aparece ali na sua frente. Aí está ela ou ele. Todo mundo na volta percebe que isso aconteceu.”

dress lady person formal wear fashion adult bride female woman gown
Figurinos da personagem rainha Elizabeth I em Shakespeare Apaixonado, de John Madden - Foto: Colin Douglas Gray / Divulgação.

Para os atores, o figurino é o último passo para se conectarem aos seus personagens, uma vez que, além do próprio visual, as roupas, os sapatos e os acessórios impactam a postura e os movimentos. “Por isso, a coisa mais importante que você deve fazer ao trabalhar com atores é criar um ambiente em que eles confiem em você logo de cara. Você deve fazer o seu melhor em comunicar que está ali para ajudá-los a chegar aonde querem com os seus personagens, não apenas por uma questão estética”, reflete. Ao contrário do ator, que pensa no seu personagem isoladamente, Sandy explica que sua visão sobre a cena é muito mais ampla, pois deve levar em consideração não só o que todos estão vestindo, mas também a paleta de cores decidida pelo diretor, a cenografia. “Então, preciso também ter um bom poder de persuasão para convencê-los que algo vai funcionar, porque há esses diversos elementos à volta.”

É impossível prever quanto tempo demora até chegar à escolha certa para cada personagem. Às vezes é uma batalha longa, na qual se testa de tudo um pouco. “Porém, se você tem sorte, pode até acontecer na primeira prova com o ator. E, quando é assim, a dificuldade na verdade é de realmente saber e confiar que esse é o look certo e não cair na tentação de ‘e se’”, explica. Saber a hora de parar foi talvez uma das grandes lições que aprendeu no decorrer de sua vida. “Entender quando o figurino está pronto e que não precisamos mais testar outras coisas.”

blouse clothing coat person velvet fashion
Figurino de Caravaggio, de Derek Jarman, o primeiro assinado por Sandy Powell - Foto: Colin Douglas Gray / Divulgação.

A eterna busca pela perfeição é um dos grandes males de quem trabalha com cinema, e Sandy não foge à regra. Na indústria, há uma piada recorrente que as produções são finalizadas por falta de tempo ou dinheiro e não porque o trabalho está pronto. No entanto, em vez de fazê-la refletir sobre o que poderia fazer diferente, revisitar grande parte de sua obra a deixou bastante impressionada. Se tem algo que ela quer fazer melhor, acredita que a oportunidade sempre se apresenta em novos projetos e destaca ainda uma coisa que sempre fala aos seus colegas. “A gente agoniza pensando que poderia ter feito isso ou aquilo. Mas a verdade é que ninguém sabe qual era a outra opção. Ninguém tem ideia, você é a única pessoa que sabe. Então você tem que deixar estar. Pare, encerre. Let it be.”

 

A verdade é que fazer um filme é uma tarefa tão monumental que já considera uma conquista conseguir completar o projeto. “Este é o maior desafio: finalizar a tarefa. Get the job done [cumprir o serviço].” Sandy explica o cinema como um quebra-cabeça complicado, e os grandes filmes são aqueles nos quais os elementos, as peças, se encaixam perfeitamente. O figurino faz parte de um todo, por isso ela considera que o verdadeiro resultado do seu trabalho é o que fica gravado em cena e com movimento.

 

Com isso em mente, a exposição destinou áreas para projeções de clipes de filmes, bem como as ilustrações dos figurinos expostos ali, permitindo o contraponto entre os detalhes das próprias peças, o efeito que esse trabalho teve na imagem e o conceito criado pela figurinista. Contudo, Sandy confessa: “Eu sempre faço as ilustrações depois que o look já foi decidido”. O motivo é lidar com as expectativas. 

“É IMPORTANTE sujar AS MÃOS E entender COMO AS COISAS SÃO construídas. VOCÊ NÃO TEM QUE SER O MELHOR costureiro. MAS TEM QUE entender COMO FUNCIONAM OS TECIDOS, A construção das roupas, AS COSTURAS, PARA QUE ISSO FAÇA COM QUE VOCÊ SEJA O melhor em desenvolver O SEU FIGURINO.”
SANDY POWELL

“Dificilmente você vai conseguir reproduzir exatamente o que a pessoa interpreta do desenho.” Mesmo que esboce algumas referências em papéis que estão a sua volta como guardanapos, a ilustração do figurino final só é feita e apresentada depois que está praticamente pronta.

Durante sua vida, Sandy sempre gostou do “mundo de contar histórias”, mas seu amor pela moda a fez buscar algo em que pudesse fazer os dois. E a exposição mostra que, para cada filme e personagem que passou por ela, o vestuário também tinha a sua narrativa. Das roupas pintadas à mão dando o efeito de desenho animado em Mary Poppins – O Retorno, os enfeites de tecido colados para parecer um bordado caro de A Favorita, ao trabalho em metal da roupa de Elizabeth I em Shakespeare Apaixonado, é visível o seu compromisso em encontrar as mais variadas soluções para a necessidade de cada personagem ou cena.

 

A retrospectiva de sua carreira também a faz refletir sobre como se apaixonou pelo cinema. E é difícil apontar exatamente se foi Mary Poppins, o primeiro filme que assistiu aos 4 anos, ou se foi Morte em Veneza, de Luchino Visconti, a produção pela qual ela se apaixonou aos 14 anos e a que assistiu sete vezes. “Mas eu não pensava nessa época que eu iria trabalhar com figurinos. Eu apenas amava o cinema.” De fato, a sétima arte não era a única coisa que fazia seu olho brilhar. A moda também esteve presente. Desde a sua infância, passava horas fazendo as próprias roupas ou criando looks para as suas bonecas.

 

A brincadeira acabou evoluindo para uma curiosidade de entender como os tecidos e as costuras funcionavam, e por consequência a preparando com habilidades que usa até hoje. “A maior parte desses figurinos eu posso dizer o que eu fiz com as minhas mãos. Eu fiz esse bordado, ou costurei tal parte de um casaco. Acho que é importante sujar as mãos e entender como as coisas são construídas. Você não tem que ser o melhor costureiro. Mas tem que entender como funcionam os tecidos, a construção das roupas, as costuras, para que isso faça com que você seja o melhor em desenvolver o seu figurino.”

Sobre os próximos passos, a lendária figurinista deixa claro que está pronta para trabalhar com Wes Anderson, o dia que a amiga e colega Milena Canonero quiser uma folga, mas que também não gostaria de recriar o que já foi feito. “Me anima pensar nessas novas pessoas que estão entrando na indústria. Se algum desses jovens estiver aberto, adorarei trabalhar com ele.” A exposição Sandy Powell’s Dressing the Part: Costume Design for Film está aberta até 16 de março de 2025.

clothing coat person adult female woman mannequin footwear shoe
Figurino de Como Falar com Garotas em Festas, de John Cameron Mitchell - Foto: Colin Douglas Gray / Divulgação.

Tags

Posts recomendados