Semana de moda de Moscou quer se colocar como alternativa na moda
Em plena Praça Vermelha, a semana de moda de Moscou quer se colocar como alternativa à moda produzida fora do roteiro usual
A indústria da moda tem o seu script tradicional quando tratamos sobre divisão de poderes e seus cenários. Os quatro maiores players — Paris, Milão, Nova York e Londres — seguem firmes, há décadas, como os hubs inquestionáveis de criação, enquanto alguns lados B recebem momentos de brilho, como Tóquio e, mais recentemente, Copenhague. Em paralelo, outras capitais fazem seus esforços para fomentar um mercado interno que talvez ganhe um mínimo de atenção do mercado globalizado — caso do Brasil.
Com esta divisão em mente, a Rússia resolveu abraçar um movimento combativo na sua fashion week local. Semanas de moda na capital russa não são novidade, já tendo acontecido em outros formatos. Contudo na nova encarnação da Moscow Fashion Week, que teve sua segunda edição em março, o mood adotado é o “nós contra eles”. Fomentado pelo evento-irmão BRICS+ Fashion Summit, reunido em dezembro de 2023, a ideia ali é de ser uma plataforma de união e showcase de mercados emergentes de moda. Com mais de 120 desfiles, o line-up reuniu criativos da Índia, China, Egito, Etiópia, Costa Rica, Tunísia, Turquia e África do Sul, além do Brasil, representado pela paulistana Ão, de Marina Dalgalarrondo e, naturalmente, os locais.
Geopolíticas à parte, mas nem tanto, o cenário da moda russa tem encarado uma realidade matizada. Desde o acaloramento do conflito do país com a Ucrânia, há dois anos, e as consequentes sanções retaliativas américo-europeias, a Rússia viu grandes marcas globais, da Zara à Chanel, se retirando do mercado regional. Ainda hoje, as lojas de luxo seguem de portas fechadas e prateleiras vazias em Moscou — restam apenas os logos nas fachadas. Esse vácuo, porém, deu força inesperada à circulação interna. Os números oficiais divulgados pelo Fashion Fund, entidade que organiza a semana de moda, dão conta de um crescimento anual de 15% nas operações das marcas locais.
Apesar do tamanho do país (praticamente o dobro do Brasil), a potência da moda russa dificilmente vai além das fronteiras. Em contrapartida, a quantidade de iniciativas é igualmente imensa — foram mais de mil marcas inscritas para a seleção dos desfiles, por exemplo. A maioria dos representantes é de Moscou e São Petersburgo, as duas maiores capitais, mas o evento abraçou etiquetas de quase 50 cidades.
Em visita à fashion week para tentar entender melhor qual é a da moda russa, L’OFFICIEL conversou pelos bastidores e showrooms (com ajuda da nova tecnologia de tradução simultânea de voz via IA da Samsung e seu Galaxy S24 Ultra) com estilistas indies, do alto luxo e do streetwear. E encontrou um cenário entusiasmado de produção e, malgrado a alta dependência de matérias-primas estrangeiras, de alta qualidade de manufatura, mesmo entre marcas iniciantes.
Apesar de infusionados pelas estéticas globais da moda, os criadores russos têm suas particularidades em comum. Uma certa austeridade solene sempre paira no ar, mesmo entre os mais bem-humorados. Efeitos talvez de uma capital em que impera um cerimonialismo, das artes aos militares — os desfiles aconteceram em plena Praça Vermelha, ao lado do Kremlin, no (também histórico) edifício Manége. Mas também não deixam de lado as tradições estéticas de um país tão imenso e heterogêneo em suas diversas regiões e repúblicas. Não há motivos que justifiquem o mundo não olhar para eles.
DISOBEDIENCE
Entre o stretwear e o dark performático, com discurso não conformista, a marca de Moscou começou em 2019 e apresentou combinações de silhuetas alongadas e bombers oversized.
SERGEY SYSOEV
Veterano na ativa desde o fim da década de 1990, Sergey tem um pé na alfaiataria, mas chama a atenção pelo uso intenso de estampas.
ZUHAT
A marca se orgulha em defender um “recato contemporâneo”, cobrindo todo o corpo, exceto mãos e rosto. Os vestidos máxi em camadas sobrepostas são baseados nos trajes das mulheres do Daguestão, república do sudoeste russo com forte influência islâmica.
KOTOVA
Tatiana Kotova, de Cheliabinsk, olhou para uma obra de Kandinsky para guiar a coleção de verão — o ponto forte da marca são as construções volumosas em sedas e viscoses, através de plissados e drapês.
GAPANOVICH
Um jogo da era soviética foi a inspiração de Aleksandra Gapanovich, que costuma mirar tradições de culturas regionais do interior russo para suas criações — incluindo aí uma atenção especial a filigranas e tricôs manuais.
ZAZA
De São Petersburgo, Alexandra Koryakina-Nikolaeva se aplica nas experimentações com cores e formas. Especialmente romântica nesta estação, mesclou uma alfaiataria contemporânea com as maxiflores tridimensionais que são sua marca registrad
ABZAEVA
Conceitual, Nadezda Abzaeva é dedicada em preservar os códigos da cultura nomádica da Buriácia, república da região siberiana. Em preto e cinza, as construções e amarrações refletem sobre as crenças religiosas dos xamãs da Ilha Olkhon, no Lago Baikal.
IMK
Novinha, fundada em 2021, a IMK se aplica no all-black minimalista contemporâneo, sem concessões. Entre jumpsuits justos e alfaiatarias boxy, a designer de Moscou desfilou na passarela uma série de trenchs e ombros arquitetônicos.