Fafá de Belém: “Não quero ser uma senhorinha querendo ter 19 anos”
Fafá de Belém fala com exclusividade para a L’Officiel Brasil sobre o início de sua carreira, vida religiosa, amizades, paixões e muito mais!
Fafá de Belém é a dona de uma das gargalhadas mais icônicas do Brasil. Com um talento e voz inconfundíveis, a estrela alcança quarenta e nove anos de carreira com a energia e vitalidade de uma jovem mulher. Preparando-se para a “Varanda de Nazaré” – seu evento religioso que começa hoje (04/10) e reúne mais de 30 mil pessoas em uma procissão que reverencia o Círio de Nazaré – a cantora revela em entrevista exclusiva para a L’Officiel Brasil como foi o início de sua carreira e garante: “Dou uma grande gargalhada e digo: valeu a pena.”
No campo religioso, Fafá relembra qual a sensação de ser a única artista mundial a ser convidada para cantar para três diferentes papas e fala com carinho de seu encontro com Papa Francisco, ocasião em que se ajoelhou em oração e pediu que ela fosse escolhida mais uma vez.
E não pára por aí! Surpreendentemente, a cantora gosta de Rock “pesado”, ama viajar para “destinos malucos” e afirma não saber o que é “tendência”! E como uma boa representante da luta contra o etarismo, a estrela dispara: “Não quero ser uma senhorinha querendo ter dezenove anos”. Leia abaixo, o nosso bate-papo exclusivo com a Fafá de Belém:
De Belém para o mundo: a Maria de Fátima imaginava que ganharia tanta força e prestígio no meio artístico?
Eu nunca pensei em ser cantora. Nunca imaginei que o que eu mais gostava de fazer na vida poderia ser profissão. Nunca imaginei que carregar minha cidade no nome, com muito amor, e carregar comigo esse chão nortista me daria tantas alegrias. Se eu sofri bullying na vida, foi quando eu cheguei aqui no Sul Maravilha, absolutamente nortista: de rendas, com o pé descalço, saião, um cocar na cabeça, com um temperamento forte, uma gargalhada aberta e um batom vermelho sempre, que é uma marca das mulheres de Belém. Quando cheguei, sofri muito. Embora tenha vivido aqui na adolescência, no Rio, com a minha família, não era uma artista. Mas era muito difícil a aceitação para alguns e muito linda a aceitação por outros. Eu lembro, assim, de uma crônica do Artur da Távola [pseudônimo do Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros], saudando a minha chegada como uma “explosão da Amazônia que vinha na televisão”. Lembro as palavras carinhosas de Nilton Travesso, sempre me enfiando dentro da água para fazer os clipes do Fantástico. Lembro de tantas crônicas e de tantas pessoas que eu admirava, enaltecendo uma menina de Belém, do Pará, e enaltecendo a presença da Amazônia na cena. Mas também sofri muito bullying por não ser igual ao formato exigido: magra, esquelética, comportada e monocromática. Então, nunca imaginei que chegaria onde estou. E olho para trás com muito orgulho de toda a trajetória. Agradeço cada “não” que recebi e que de volta eu digo “o não é para você, porque eu sou isso”. Quando vejo hoje se falar em etarismo, em mulheres com corpo plus size, se respeitando, eu dou uma grande gargalhada e digo: valeu a pena.
Com 49 anos de carreira, o que ainda faz o seu coração acelerar?
Meu coração acelera com tudo que me apaixona. Com o novo, com o inusitado, com buscar novos caminhos, com ouvir pessoas desconhecidas, pessoas que eu não sabia que existiam, pessoas com pujança da juventude e pessoas com quem eu não descobri lá atrás e descubro hoje. O que faz meu coração pulsar é a vida, é a emoção e os seres verdadeiros. A verdade como uma meta de vida, como transparência, como roupa. A verdade da tua essência e a franqueza. O que me acelera o coração é o que é sincero. Nada que é fake dura muito tempo.
São mais de 30 álbuns gravados. Existe algum estilo musical com o qual você ainda gostaria de trabalhar?
Eu tenho um show de rock, que já fiz algumas apresentações que adoro. Rock pesado. Eu começo com Rockos Pocos, enveredo por Heavy Metal, depois vou pra Cássia Eller, Frejat, Erasmo Carlos, Ratos de Porão, Plebe Rude. É um álbum que eu quero gravar um dia. Uma hora dessas eu entro no estúdio e faço, já que é uma coisa que adoro, Rock & Roll. Rock pesado. Não gosto de Rock Mememé. Eu gosto de Iron Maiden, Black Sabbath, Jethro Tull,Plebe Rude. Essa é a minha praia.
Você é embaixadora da IPAM e defende, principalmente, a região amazônica. Como você se enxerga em meio a esta luta? Qual mensagem gostaria de deixar para as futuras gerações?
Com muita honra sou embaixadora do IPAM e sou também embaixadora da FAS Amazônica. Vejo muita gente querendo falar da Amazônia sem saber a diferença entre o horário que se toma um tacacá e a hora da tapioca. Para você saber de Amazônia tem que ouvir pensadores amazônicos, pessoas nascidas na Amazônia, pessoas com ancestralidade Amazônia. Nós não somos só animação para o baile dos outros. Nós não somos caricaturas, nem somos estereótipos. Nós somos gente, somos seres humanos. Deus nos deu a graça de nascer numa região muito particular, mas para que essa região sobreviva, nós não precisamos aprender nada de ninguém que venha de fora querer nos organizar. Quem vier é muito bem-vindo se souber nos ouvir e souber nos ajudar a resgatar tudo que nos foi tirado. Seremos respeitados como pensadores, pesquisadores, fotógrafos, literatos, poetas, músicos, artistas, artesãos, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, respeitados como pensamento e não só com o desenho na parede ou fantasia de carnaval dos outros.
Há 13 anos você está à frente da ‘Varanda do Círio de Nazaré’. Qual o seu principal motivador para um projeto tão lindo e como se relaciona com a religião?
Eu não sei caminhar sem fé. A fé extrapola tudo. A fé é o que me conduz. Religiões são muitas, crenças são muitas, mas a fé é o que conduz. A fé é a possibilidade da esperança, é de você andar na contramão com a certeza de que o seu caminho é aquele e que você quer fazer o diferencial, ou não, para defender a tua verdade. Por isso, nós temos uma procissão tão fabulosa e tão única. Debaixo do manto de Nossa Senhora de Nazaré, todos cabem. Nossa procissão, ela é inclusiva. Entre a procissão noturna e a diurna, nós temos, no meio da procissão, no trajeto, a Festa da Chiquita, que é uma grande festa LGBTQIAP+, que completa 50 anos no ano que vem, onde toda a diversidade está lá, representada, fazendo shows e hoje junta mais de 30 mil pessoas na participação.
Como nós temos muita gente no Círio, e isso demanda muito trabalho de muitas pessoas, comecei a pensar, há 15 anos atrás, de qual forma podíamos ter um projeto em que essas pessoas que trabalharam durante a quinzena do Círio pudessem ter um giro de trabalho. É essa a missão do Varanda de Nazaré. Hoje agregamos a ela o Varanda da Amazônia, um fórum para continuarmos a discussão, o Varandinha, onde as crianças discutem o que eles gostariam de receber deste mundo e de nós. É um projeto que quando eu partir para outro plano, sei que ele continuará, porque é um projeto que pertence ao povo do Pará. É um legado que deixo pras minhas netas, minha filha e pros nossos. Além desta família enorme que constrói a Varanda de Nazaré há 13 anos. Nós somos mais, somos muitos. E ainda bem que somos.
A convite do Vaticano, você foi a única artista no mundo, a cantar para três Papas diferentes. Conta pra gente, qual a sensação?
É uma sensação indescritível. Porque eu não sou uma carola, não fico o tempo todo levantando a bíblia ou um terço na mão. A minha oração é privada, a minha fé é infinita. E quando recebi o primeiro convite, para cantar para o João Paulo II, eu fiquei me perguntando: por que eu? Saí fora do ar, completamente. Na segunda vez, quando o Vaticano me convida pra cantar a Bento XVI, volto a me perguntar: por que eu? Ainda na Espanha, que é um lugar onde eu não tenho a força como artista como Brasil ou Portugal, lá estava eu, ao lado de Montserrat Caballé, levando comigo todo o meu povo, os três milhões de pessoas que acompanham o Círio. E aí, veio o Papa Francisco, e eu me ajoelho e digo: agora quero que seja eu! E Deus me atendeu, Nossa Senhora me segurou na mão. E nós levamos para as areias de Copacabana um pedaço da corda do Círio de Nazaré. A sensação é imensa, é como nos três dias de Círio: chega uma hora que eu não estou ali. É muita emoção. É muita energia. Em Belém, quando se anuncia o Círio, vai mudando a frequência vibracional. Em setembro começa a mudar o ar da cidade, o cheiro da maniçoba. Mas o amor, a expectativa de encontrar pessoas, de reencontrar pessoas, de perdoar, de ser perdoado, do abraço daquele amigo que não se vê há muito tempo e essa onda vibracional é muito forte. É a mesma sensação a cada Varanda de Nazaré. É a mesma sensação de cada Círio há 67 anos.
Durante a pandemia, você foi umas das artistas mais ativas e pioneiras no entretenimento nas redes sociais. Como é a sua relação com a internet, sempre teve essa afinidade?
Adoro a internet, fico sempre de olho nela. Comecei com o Orkut, depois passei para o Twitter. E eu adoro o Instagram. Quando veio a pandemia, tinha mais ou menos uns 90, 100 mil seguidores. E foi uma válvula de escape para a minha ansiedade, para a minha hiperatividade. Então minha filha se uniu ao sócio dela, o João, que já fazia minha mídia social e fomos criando projetos. Pequenos empreendedores deixavam coisas aqui na minha casa, sabonetes, padaria, café, queijos e eu anunciava nas lives, dava o endereço deles. Fomos criando uma corrente gigantesca de conversa, de afeto, de pessoas que nunca vi e talvez nunca veja, mas fomos nos dando as mãos. E aí vieram as lives, foram mais de 30 em 24 meses. E eu adorei fazer. E eu gosto da internet. Gosto da internet sincera. Mas temos que fazer uma corrente de, principalmente, muito amor. Porque hoje em dia o cancelamento da internet também é muito cruel. Alguém decide que a pessoa tem que ser cancelada e a pessoa é executada em praça pública, com as pessoas aplaudindo, vendo a pessoa sangrar, sem oferecer um copo d'água e disso eu não gosto. Então eu me meto, falo, às vezes apago o que eu digo, mas eu adoro.
Uma característica da Maria de Fátima que pouca gente conhece:
Adoro viajar sozinha. Adoro fugir para um lugar onde ninguém saiba quem eu sou. Adoro descobrir culturas e hábitos. Então viajo e escolho uns destinos malucos, umas praias, como Taiti, Tailândia, Alter do Chão ou Arembepe. Gosto de viajar comigo, adoro!
Como se relaciona com a idade?
Me relaciono muito bem. Nunca tive problemas com isso. Não faço botox, tento, na medida do possível, ter uma vida saudável, mas às vezes não dá. Não sou uma mulher magra, eu sou uma mulher de médio porte para o grande. E me afago. É muito julgamento externo, é muito dedo apontado e eu não gosto disso. Sou livre, a liberdade é o sentimento mais profundo e mais ancestral da minha existência. Não importa idade, peso, medida, eu quero estar bem. Mas não quero ser uma senhorinha querendo ter dezenove anos. Tenho 67 e amo ter 67. Não quero me repuxar e criar um rosto que eu não conheço.
Um amor arrebatador ou uma amizade para a vida inteira?
Amizades para a vida inteira! Amigos, muitos amigos. E amores arrebatadores também. Que são as paixões. Mas eu sempre fiz a opção dos amigos. E as paixões aconteceram pelo caminho, sempre, com muita descrição.
Uma pessoa famosa que já se foi, mas que você gostaria de ter mais um momento com ela:
Bibi Ferreira.
Um truque de beleza que usa desde muito nova:
Ginástica facial. A própria gargalhada já movimenta tantos músculos que é um exercício grande que eu faço diariamente há muitos anos, e muitas vezes por dia. Mas é bom manter a pele com pouca coisa. Não uso maquiagem no dia a dia. Mantenho a pele hidratada e bebo muita água.
Gosta de aderir às tendências, ou prefere vestir o que se sente bem?
Eu tive que criar um modelo para vestir o meu corpo aos 12 anos. Inspirado em mulheres poderosas, com peito grande, com cintura fina, colchão. Fui para a Sofia Loren, nela me inspirei a desenhar minhas roupas e minha mãe costurava. Sou filha de costureira. Minha mãe tinha uma mão para costura. Além disso, também bordava, costurava, cozinhava e era uma mulher que tinha uma inteligência interessante, um olhar muito crítico e muito engraçada. Eu desenhava e a minha mãe fazia. Gosto do que visto e me cai bem. Mas, isso de usar qualquer coisa para estar na tendência, eu estou fora. Aliás, nem sei o que é tendência. Às vezes, percebo que tem uma cor que está sendo muito usada. Mas tendência? Eu não sei direito o que é isso.
Um desejo ainda não realizado:
Fazer um musical infantil. Esse ainda não fiz, quero muito fazer. Seja no cinema, ou nos palcos. Contar um pouco da Amazônia para as crianças.
Um artista da nova geração com quem tem muita vontade de trabalhar:
Luísa Sonza e Ludmilla. São duas mulheres que admiro muito dessa novíssima geração.