Botsuana se afirma como um destino ideal para os que buscam aventura
Botsuana se afirma como um destino ideal para os que buscam aventura e uma conexão profunda com a natureza em seu estado mais puro
A viagem começou em São Paulo. Parti para Johannesburgo – cidade da África do Sul historicamente lembrada pelas nu - merosas minas de ouro que estiveram em funcionamento até o fim da década de 1970 – e de lá segui para Maun, centro administrativo de Ngamiland e capital do turismo em Botsuana. Foi a partir desse trecho que cheguei à margem sul do Delta do Okavango, uma das maiores planícies úmidas do mundo e cuja água, que não desemboca para o mar, se divide por caminhos estreitos e se estende até o Deserto de Kalahari. A importância dessas ligações geograficamente intrincadas, vindas dos territórios vizinhos de Angola e da Namíbia, é entendida quando são enumeradas as espécies de animais que dependem delas para sobreviver, dos hipopótamos aos elefantes.
Iniciei minha aventura a bordo de um dos pequenos aviões da frota da Wilderness; com eles durante minha estadia, fui conduzida de uma ilha para a outra, de um paraíso para o próximo, aos lugares mais inimagináveis e indescritíveis do planeta.
Cintos afivelados e voando baixo, aos poucos foi se revelando toda a belíssima vegetação e os primeiros animais; conforme a pista de pouso se aproxima, pude ver bem de perto manadas de elefantes descansando sob as árvores, zebras bebendo água em um lago, em um primeiro safári, apresentado de uma perspectiva diferente, ampla e mais completa. Minutos em que me vi perdida nas imagens que esse continente tem a mostrar, coração a mil, queria apenas congelar o momento até que o leve solavanco da aterrissagem me despertou, na minha frente a pista de pouso, cercada por floresta e savana. Desembarquei do avião e fui conduzida até o jipe para o lodge, onde o ranger, meu guia, me aguardava para me levar ao acampamento.
Já pelo caminho, começou o primeiro passeio, chamado por eles de game drive. Mas, antes, recebi de meu guia instruções iniciais para aproveitar o safári com segurança. Se elas são seguidas à risca, os animais vão se sentir à vontade, sem se importar com nossa presença.
Ao norte de Botsuana, na fronteira com a Namíbia, na região de Linyanti, que também dá nome ao rio vizinho às instalações, encontra-se o Willderness King’s Pool, aninhado em um bosque de árvores de jackalberry – ou ébano africano. Conta-se que o lodge recebeu esse nome em homenagem ao rei Carlos XVI Gustavo da Suécia, que se hospedou na região com sua esposa, a rainha Silvia, durante a lua de mel. As oito espaçosas suítes receberam móveis elegantes de traços contemporâneos, com detalhes em cobre e em azul-petróleo, alinhados aos objetos confeccionados por artesãos botsuanos. Toda a estrutura foi construída sobre deques, perfeitos para a segurança e maravilhosos para a observação. A área de convivência é bem espaçosa e aconchegante, possui biblioteca, bar, restaurante, piscina e um terraço com vista para o rio.
Logo depois de me instalar, no fim da tarde, uma fogueira foi acesa nesse terraço. Foi quando o sol se pôs vermelho no horizonte e vários hipopótamos começaram a se movimentar, ao lado dos crocodilos, como se estivessem me dando as boas-vindas.
Nos lodges da Wilderness, o luxo discreto complementa sem competir com o ambiente natural, oferecendo uma experiência sofisticada e autêntica, sem interferir na majestosa paisagem selvagem. Todo o conjunto tem a madeira como estrutura, do piso aos pilares, e utiliza a palha e a lona como revestimento. Importante destacar que a escolha pela madeira tem a ver com a manutenção do espaço. A Wilderness não utiliza, por exemplo, o cimento na construção, apenas matérias-primas que não danificam o ambiente e que possam ser removidas rapidamente a qualquer momento. Isto é o que os torna tão especiais: tudo planejado para preservar a natureza intocada e o ecossistema ao seu redor. Falando nisso, a iluminação é garantida por painéis solares alimentados pelo clima ensolarado de Botsuana. Feliz após pisar em solo africano, depois do jantar, fui me recolher cedo, ansiosa pelos próximos dias. Todas as suítes do King’s Pool estão voltadas para o Rio Linyanti, e dessa perspectiva é possível acompanhar a movimentação dos animais que atravessam por ali em busca de água. Na primeira noite, madrugada adentro, dois hipopótamos vocalizaram bem alto enquanto se refrescavam bem em frente ao meu quarto. Protegida e feliz, esses sons foram para mim como uma canção de ninar. Não dá para negar que no início, a primeira noite, há um pouco de apreensão, pois todos os sons do ambiente são diferentes, mas com o desenrolar dos dias você entende que esse é um comportamento natural e perfeito da selva.
Algo que é comum em todos os Lodges é a rotina, que geralmente começa entre 5 horas e 5h30. Um guia bate à porta, faz o wake up call e volta meia hora depois para levar você até o restaurante, para tomar um breve café da manhã antes de partir para o safári. Como ainda está escuro, os guias que escoltam os hóspedes podem estar ou não armados, uma vez que as passarelas que conectam os dormitórios às áreas comuns não têm cercas. Mas, durante o dia, quando está claro, posso caminhar de um ponto a outro, desde que fique atenta; afinal, o lodge está no meio de uma reserva, e por lá os animais circulam livremente.
Em torno das 6 horas segui para o game drive. Para deixar a experiência mais confortável, nas épocas mais frias do ano, a Wilderness mantém os carros equipados com um poncho, mantas e uma bolsa de água quente para cada hóspede, um luxo cheio de cuidados. Os veículos são abertos, mas todos com cobertura, o que permite sentir um vento delicioso e refrescante do qual sinto falta até hoje. Sentada no carro, câmera na mão, de olhos e coração bem abertos, preparada para o que a paisagem podia me oferecer, esperando sempre o inesperado, de repente o rei surgiu no meio da estrada. De pronto, para minha surpresa, encontrei logo em minha primeira hora um majestoso leão rugindo em alto e bom som. Esse comportamento, explicou o ranger, dizia que ele estava “mandando um recado” para os outros, um aviso de que aquele era o seu território. Então ele bramiu mais forte, repetiu seu rugido rouco umas três vezes e começou a se espreguiçar, como se estivesse se preparando para repousar. Nesse momento meu coração congelou. Isso é a África.
Parte da agenda oferecida pelo King’s Pool, a visita ao “Hide”, esconderijo, foi um capítulo à parte. Estávamos percorrendo uma área de carro, e o ranger diminuiu a velocidade, indicando um túnel subterrâneo em frente a um lago. Descemos alguns degraus e chegamos a esse espaço parecido com um bunker, cortado por uma janela sem vidros. Apontada na altura dos olhos, a abertura revelou a margem do lago onde manadas de elefantes e de zebras se refrescavam. De frente para a mesa posta, próxima do vão, havia um balcão divinamente arrumado com nosso almoço, saladas, carnes, vegetais e frutas e doces, um verdadeiro banquete. Como estava a pouco mais de 1 metro de distância de todos os animais, fiz em silêncio uma das refeições mais maravilhosas de minha vida, imersa só pelo barulho das trombas que brincavam na água. Finalizando o almoço, voltei à minha batalha com minha câmera, entre capturar ou estar no momento.
Com uma população estimada em mais de 140 mil elefantes, o país guarda em torno de 25% dos indivíduos que existem no mundo. Isso dá a entender por que as organizações dedicadas à conservação da vida animal se tornaram cada vez mais estratégicas para a região, como é o caso da Wilderness, que ajuda a proteger cerca de 2,5 milhões de hectares de áreas selvagens exclusivas e que tem como meta dobrar esse número até 2030. Criada em Botsuana, no ano de 1983, a empresa conta atualmente com mais de 60 lodges distribuídos em oito países da África.
NÃO HÁ céu IGUAL AO DA ÁFRICA. (...) No fim da tarde, UM arco-íris ARDENTE SE FORMA; COMEÇA AMARELO, VAI FICANDO VERMELHO, ASSUME-SE EM ROXO E explode EM TONS DE LARANJA. Mudam em segundos SEUS TONS, E NUNCA SÃO IGUAIS.
De malas prontas, aproveitando o entardecer antes de seguir para o Camp Mokete, me ocorreu que não há céu igual ao da África. O sol nasce como se fosse uma bola de fogo, desproporcionalmente grande, algo que é espantoso. No fim da tarde, um arco-íris ardente se forma; começa amarelo, vai ficando vermelho, assume-se em roxo e explode em tons de laranja. Mudam em segundos seus tons, e nunca são iguais. A mudança corre manchando tudo, o horizonte, o reflexo no vidro dos carros, até então ficar preto com a noite. Primeiro vem o Cruzeiro do Sul – a gente se concentra e faz pedidos de boa-sorte – e, após alguns minutos, o céu se transforma e fica coalhado de estrelas.
No dia seguinte, a bordo do helicóptero que me levou para Mokete, em Mababe Depression, aberto a apenas quatro meses, tive uma experiência incrível. Como o chão do aparelho era de vidro, o meu campo de visão foi estendido consideravelmente. Adicionado a isso, a altura do voo foi um pouco mais baixa, e isso trouxe a sensação de estar muito próxima das girafas que esticavam seu pescoço para comer as folhas do topo das árvores e das manadas de búfalos que corriam em disparada pela planície. Nessa época em que fui, o clima estava seco, então o galope deles levantou uma quantidade enorme de poeira, deixando um rastro atrás do grupo. Parte de um projeto inovador, o Lodge está na concessão de Mababe, uma área protegida de cerca de 50 mil hectares localizada na margem leste do Delta do Okavango, e na Moremi Game Reserve, ao sul do Chobe National Park. Contendo pântanos, bosques, gramíneas e água, o local atrai todo tipo de vida selvagem.
O Delta do Okavango é formado pelas águas angolanas que fluem para Botsuana, criando uma vasta área alagada em meio ao Deserto de Kalahari. Esse fenômeno é único, pois essas águas nunca chegam ao oceano; em vez disso, se espalham e evaporam ou são absorvidas pelo solo nas regiões de depressão. Esse ciclo cria um ecossistema extremamente fértil e diverso em uma área que, de outra forma, seria árida, sustentando, dessa forma, uma vida selvagem rica e variada.
Tal qual no Wilderness King’s Pool, o Wilderness Mokete tem estrutura de madeira e painéis solares. A diferença, nesse caso, está no layout das nove tendas, que possuem lonas nas paredes e teto retrátil para a observação noturna. Não dá para ser mais especial. Com móveis de cores suaves e acabamentos de fibras naturais, os quartos contam com refrigerador de ar, uma pequena sala de estar e varanda, além de piscina privativa. Ao chegar, meu primeiro game drive foi até uma pradaria. O espetáculo ao longe era de uma grandiosidade ímpar, formado por uma fileira de aproximadamente 3 mil búfalos, segundo calculou o guia, que estavam voltando ao ponto de pernoite após terem feito uma longa caminhada até um lago para beber água. Em fila indiana, organizados, eles desfilaram. Um dos momentos mais inesquecíveis foi quando fotografava os búfalos, uma hiena que estava em um grupo longe se aproximou de mim, aos poucos foi me olhando e em poucos minutos lá estava ela ao meu lado, eu abaixava, ela se abaixava, eu ia para um lado, e ela se aproximava e me seguia, eu levantava e ela partia, em um pequeno balé. Nós nos comunicamos com respeito e admiração. Acho que esta é uma das coisas de que mais gosto nesse continente, para onde volto sempre que possível: há uma energia muito forte, uma conexão que se estabelece, uma energia única. O tempo por lá passa diferente, quem dita seu compasso é a natureza; nós seguimos, agradecemos e somos presenteados. Durante nossos passeios, sempre acontece uma parada, uma pausa, e em um local seguro um pequeno piquenique é montado. Hora perfeita para esticar as pernas, jogar conversa fora, comer algumas frutas secas ou pequenos e deliciosos sanduíches, e, claro, no fim da tarde, um gim tônica. Já no game drive matinal, de vez em quando até uma pequena dose de licor de Amarula no café é permitida. Feito a partir dos frutos das árvores de marula, típicas na região, o aperitivo conquista a todos e virou quase uma tradição. Nossos anfitriões contaram que quando os pés estão carregados é normal ver macacos e elefantes se esbaldando ao redor dos troncos para comer as castanhas até entrarem em estado de embriaguez, já que a polpa fermenta muito rápido.
Com algo de nostálgico no ar, sabendo que aquela seria a última parada da rota, entrei no helicóptero que me levaria ao Wilderness Tubu Tree, recém-reformado, construído no Okavango Delta. Erguido ao lado de planícies inundadas, o conjunto reúne exclusivas oito tendas suspensas ligadas por passarelas elevadas de madeira. As áreas comuns incluem um grande salão com sofás de couro, varanda coberta equipada com telescópios, sala de jantar, bar e lounge e uma piscina embaixo de uma gigante árvore de marula. Em uma leitura sofisticada do que pode ser uma casa na árvore, as suítes têm móveis clássicos de madeira e peças de design contemporâneo, banheiro e uma varanda separada por portas de correr, que têm que estar sempre bem fechadas, pois as visitas de curiosos babuínos são constantes. Tendo a preservação desses ambientes como meta, o layout dos lodges da Wilderness segue a linha da arquitetura imersiva – quase uma ciência exata, por assim dizer –, oferecendo aos hóspedes experiências únicas em cada metro quadrado, dentro ou fora do lodge. Conta-se aí a companhia de famílias de babuínos que desfilavam entre os quartos e em frente à piscina, passavam rapidamente, faziam pequenas paradas, nos observavam e continuavam a procurar alimento. Perto do camp, leões se movimentavam nas cercanias, a pouco mais de 1 quilômetro de distância. Era comum os escutarmos rugindo durante a noite, tão forte que pareciam estar próximos a nós.
E as piscinas, não posso me esquecer delas, onde podemos descansar após uma manhã movimentada, nos refrescar após o almoço e até mesmo cochilar no fim da tarde, com vistas que espelham os céus, que refletem também o pôr do sol.
A filosofia da Wilderness também se baseia ainda no conceito de que seus complexos celebram as expressões regionais, tendo em toda a decoração de seu lodges alguma peça fabricada no entorno, objetos produzidos por entidades e por artesãos locais independentes. Outro ponto relevante é que mais de 90% das equipes que trabalham na organização vêm dos vilarejos do entorno ou próximo, de modo que os saberes, a história de vida e o conhecimento desses profissionais são compartilhados com os hóspedes. Em três oportunidades, pude me aproximar de sua cultura. Primeiro naveguei em uma mokoro, uma espécie de canoa de fibra de vidro e que antigamente era de madeira, impulsionada e conduzida por varas que alcançam o fundo do rio, onde tive a sensação de que flutuava pela grama. Naveguei quieta, o que me proporcionou a possibilidade de chegar muito perto dos animais. Nas margens, antílopes, elefantes e pássaros – muitos deles, por sinal, vistos por outra perspectiva, deslizando em um silêncio repleto de vida. Tive também a oportunidade de participar do boma, um jantar organizado em volta da fogueira com pratos típicos da culinária botsuanesa, servidos em mesas dispostas no chão arenoso, cobertas por toalhas coloridas. Antes de jantar, mais uma surpresa: fui presenteada pelos meus anfitriões com uma apresentação de dança e canto, enquanto os animais ecoavam seus sons noturnos, com a lua, as estrelas, candelabros e o estalo da madeira como testemunha desse fim de dia tão especial. No último dia, eu me despedi dessa jornada transformadora ao redor de um baobá gigantesco, de aproximadamente mil anos. Mais uma surpresa memorável organizada pelo time da Wilderness. No continente, essa planta representa a sabedoria, a ancestralidade e a vida. Sempre foi minha árvore preferida. O ritual chamou atenção porque eu vinha encontrando muitas delas durante meus dias em Botsuana, de todos os tamanhos, nas formas mais variadas, algumas em grupos de três e outras descansando solitárias. Mas esse baobá pareceu tão poderoso – enquanto a tarde caía, iluminado pelas lamparinas ao redor da mesa de aperitivos, tirei minhas botas e pisei no solo africano, descalça, e fui aos poucos sendo o centro de uma comunhão com o entorno, envolta por uma felicidade inexplicável. Uma emoção me deixou em silêncio por algum tempo, e meu coração realmente bateu em um compasso diferente. E tudo foi entendido.