Cruzeiro: aproveite o verão no Ártico
Um cruzeiro a bordo de um navio-butique de expedição no Círculo Polar Ártico, sobre águas azuis e geladas, revela a beleza arrebatadora das paisagens glaciais com suas geleiras, icebergs, praias, ursos-polares, baleias, morsas, renas e aves. Todos imersos em um cenário único, remoto e inesquecível.
Entre o branco da neve, o azul do oceano glacial e o Sol da Meia-Noite. Entre o extremo norte dos continentes – americano, asiático e europeu – há uma extensão de aproximadamente 14,88 milhões de quilômetros quadrados com belezas naturais intocadas. Esse é o Ártico, uma das regiões mais geladas do planeta, com temperaturas que podem alcançar 40°C negativos, mas em 2020 bateu recorde de calor com 21,7°C. Um cenário perfeito, rico e ideal para expedições.
Em pleno verão, a intensidade do frio diminui e a vegetação toma o seu lugar. Explorar a parte mais ao norte da Terra torna-se uma viagem épica a caminho do Sol da Meia-Noite. É que em abril, durante cinco meses (até o fim de agosto), o sol brilha o tempo todo, 24 horas por dia. Já em novembro, começa o fenômeno oposto: o sol se põe e só volta a nascer no fim de janeiro. É a chamada Noite Polar, que mergulha a cidade em dois meses e meio de escuridão (pela sua localização no extremo norte, a Terra e o sol ficam desalinhados durante esse período). Então no verão, seguir os passos de cientistas, juntar-se aos exploradores polares, em companhia do sol que não se põe e descortina a beleza das paisagens naturais, a viagem ganha uma dose extra de singularidade.
A bordo de um navio ultrassofisticado e moderno, como o da empresa britânica Swan Hellenic Cruises, a viagem se torna mais do que perfeita, confortável e prazerosa. Navegar em um hotel-butique, entre imponentes icebergs, enquanto milhares de aves marinhas e baleias acompanham a viagem por águas calmas e geladas é uma experiência única. O círculo polar tem geleiras impressionantes, fiordes montanhosos e uma enorme diversidade de espécies marinhas e muitos hábitats únicos, não encontrados em quase nenhum outro lugar do mundo.
As cores da imensidão: 11 dias no Ártico
O roteiro começa em Tromsø, a porta de entrada do Ártico, de onde saíram várias expedições árticas notáveis, como as lideradas pelo explorador norueguês Roald Amundsen (1872-1928), uma das maiores figuras no campo da exploração polar, o primeiro a chegar ao Polo Sul, a fazer uma viagem de navio pela Passagem Noroeste e um dos primeiros a cruzar o Ártico por via aérea.
Aliás, chegar um dia antes de embarcar é uma excelente opção. Com o barco ainda ancorado, dá para fazer um turismo mais urbano. A cidade é bem pequena e muito charmosa, cheia de casas coloridas de madeira. Gaivotas planam no céu, entre rasantes na vastidão do Ártico. A rua principal faz a festa dos turistas, com lojas de artesanatos e bares com música ao vivo que ajudam a esquentar o corpo em meio ao frio, ainda que no verão. Com uma grande universidade, vida noturna animada e um calendário cultural agitado, Tromsø é uma explosão de cores em meio à imensidão do azul e branco da região. Lá, também é possível apreciar tanto o Sol da Meia-Noite durante o verão quanto a aurora boreal nas noites de inverno.
Do outro lado da ponte que liga o continente à ilha de Tromsø, uma construção moderna se destaca contra a montanha, completamente diferente de tudo que a cerca. É a Catedral do Ártico (Ishavskatedralen), projetada pelo norueguês Jan Inge Hovig, em 1965. Chegar lá é quase como num filme: o caminho é feito a pé pela ponte, sob o sol e sobre o mar. Recitais e concertos de música erudita são sagrados, ocorrem semanalmente, dando um sopro de vida aos ouvidos. E, no verão, a cidade ganha um toque a mais com o sol no alto até tarde. É um belo start para a viagem na qual tudo é, em grande parte, silencioso e em tons de branco, cinza e azul.
Nas águas geladas do Ártico, o calor do Swan Hellenic
O roteiro da viagem circulou o arquipélago Svalbard, território ártico norueguês, um dos lugares mais inóspitos e remotos do mundo, banhado por quatro mares: o oceano Glacial Ártico a norte, o mar de Barents a leste, o mar da Noruega e o mar da Groenlândia a oeste. A maior ilha do arquipélago é Spitsbergen, que pode ser acessada em 3 horas de voo a partir de Oslo.
A Swan Hellenic é especializada em cruzeiros de expedição de interesse histórico-cultural e tem mais de sete décadas de experiência em destinos de exploração, tanto para o Ártico quanto para a Antártida, rota que já tem início agora em novembro. A empresa leva a sério o lema “see what others don’t”, ou “veja o que os outros não veem” e faz uma curadoria de passeios totalmente fora do comum para seus passageiros viverem descobertas únicas. Os navios da companhia têm design escandinavo, decoração interna moderna e em tons neutros, além de uma profunda preocupação sustentável, alta tecnologia, conforto e total segurança, com estabilizadores modernos que tornam a travessia suave quando o mar está revolto. É como planar sobre as águas geladas do Ártico, em uma embarcação de mais de 10 toneladas.
Após 70 anos do primeiro cruzeiro, o Swan Hellenic retornou às águas do Ártico com novos navios. Na viagem inaugural pela região, o navio SH Vega foi por 11 dias o lar de 152 passageiros, distribuídos em 76 cabines. Para atender as demandas dos passageiros com todo capricho, o SH Vega conta com 120 tripulantes a bordo. Enquanto do lado de fora o frio domina, no ambiente do cruzeiro a prioridade é servir uma experiência exclusiva e de alto padrão. Lareira no quarto, varandas com vista para o mar, alta gastronomia, tudo é feito para proporcionar um cenário relaxante, que permita a imersão total com o ambiente, mas sem deixar de lado o conforto.
Assim como nas cores do Ártico, o navio também se impõe em tons de azul e branco, e praticamente se funde à natureza, quase como parte da paisagem. Seja entre os glaciais, seja navegando, quase um iceberg no meio do oceano, a grandeza não se sobrepõe ao clima intimista e ameniza a visão, em uma união quase perfeita. No navio, a prioridade é viver experiências exclusivas e de alto padrão. Entrar nas cabines já é uma sensação maravilhosa, elas são amplas, repletas de armários, mas muito acolhedoras. Adentrar seu quarto quentinho, uma varanda para chamar de sua, e em cima da cama, de presente, uma jaqueta, uma parca e uma mochila impermeável, já dá o tom do que esperar dos dias que se seguem.
Conhecendo o navio
O Observation Lodge é uma área social onde quase tudo acontece – os hóspedes se reúnem no bar para tomar um drinque e ouvir o piano, e é onde as palestras são realizadas. O Club Lounge, que fica no lado oposto, no mesmo andar, é um pouco mais intimista, uma lareira central confere um charme extra ao espaço, e por lá é servido todos os dias no fim da tarde o tradicional “Afternoon Tea”. Aliás, a gastronomia é um dos pontos fortes da viagem. O almoço é riquíssimo, pode ser servido “a la carte” ou buffet, e quando o dia permite, no deck ao ar livre. No cardápio, churrasco, hambúrguer, saladas, e, claro, muita cerveja gelada. O jantar sempre “a la carte” conta com um cardápio sofisticado, harmonizado com excelentes vinhos e champanhe.
Durante as horas vagas, o hóspede é convidado para relaxar na sauna, jacuzzi, ou mesmo se jogar na pequena mas superequipada academia, em uma biblioteca e um laboratório de expedição que completam as experiências a bordo. Os ambientes parecem, de fato, serem pensados para expandir as sensações.
No primeiro dia da expedição, o capitão do barco apresenta toda a equipe e explica o trajeto, em especial a segurança. Por ser uma viagem feita no mar, onde o tempo pode influenciar nos acontecimentos e na segurança, em especial, ao desembarcar, cada parte é pensada para garantir a excelência. Na viagem pelo Ártico, a relação entre a natureza e o humano é íntima e singular, em que cada momento é de troca mútua e, por isso, o cuidado deve ser mantido na mesma proporção em todos os passos. Para chegar aos locais de exploração, é preciso seguir um rígido protocolo, desembarca-se sempre pelo Base Camp, onde cada cabine possui seu próprio armário para deixar guardados casacos mais pesados e suas botas. Os viajantes são separados por grupos e embarcados no Zodíac, um bote inflável, superágil e seguro conduzido por um guia. Na volta de todas as expedições, o viajante é sempre recebido, assim que entra na embarcação, com chocolate quente, vinho, uísque ou chá, delícias de boas-vindas que aquecem o corpo e a alma. Ao fim da tarde, uma apresentação relembra o que foi visto durante a expedição e o que poderá acontecer nos próximos dias. É o momento de integração e des- contração, quase como um “happy hour” com todos os viajantes e os guias, no lounge do navio, com o Ártico como pano de fundo.
Pelo mar
E então no silêncio das águas profundas, Vega segue rasgando o mar, entrando nas profundezas do Círculo Polar Ártico em direção ao arquipélago de Svalbard. Em Alkefjellet, um dos penhascos mais espetaculares de Svalbard, conheci o abrigo de verão de mais de 60 mil aves da espécie Brunnich Guillemots. Eles voavam frenéticos de forma caótica de um lado para o outro, era uma bagunça ordenada de milhares de pássaros que coloriam o céu, curiosos, pareciam se divertir com nossa presença, mas ao mesmo tempo atentos às pequenas raposas famintas que cercavam seus ninhos à procura dos ovos. À medida que ia me distanciando da costa, a viagem ganhava um novo visual. Estava finalmente no reino dos ursos-polares, então a expedição passava a ter, nesse momento, uma dose extra de adrenalina. O hotspot da vida selvagem no Ártico também presenteia com morsas, renas, focas, baleias e raposas entre as várias espécies de aves e mamíferos marinhos. Em Longyearbyen, a cidade mais setentrional do planeta e capital do arquipélago, nesta época, a paisagem é pontuada por grandes áreas desprovidas de neve e gelo, ao lado de vastas tundras e praias expostas. Uma das expedições nos levou a rodear a Austfonna, uma calota de gelo no sul da ilha de Nordaustlandetna, impressionante e muito imponente. É o terceiro maior glacial do mundo, com cerca de 150 quilômetros de comprimento. No verão, o gelo derrete e a água desliza entre as valas como se fossem braços de rios caindo no mar em forma de cachoeiras. Lindo de ver. Outra surpresa que a Swan Hellenic proporcionou foi um trekking com direito, no final, a um happy hour no bar mais setentrional do mundo, uma antiga cabana construída em 1927 por caçadores de ursos e ra- posas, em Liefdefiorden. A tradição diz que quem passa por lá tem que deixar uma garrafa para os futuros exploradores.
E as expedições seguiram durante toda a viagem, com dois desembarques previstos por dia. Visitamos a península de Poolepynten, onde passeei por uma longa e estreita praia repleta de troncos até o final dela, e pude me aproximar de uma colônia de walrus, morsas que cochilavam preguiçosas entrelaçadas umas às outras. Desembarquei também em Gnalodden Beach, onde conheci a casa de Wanny Woldstad (1893-1959), uma mulher à frente de seu tempo. Ela foi a primeira taxista em Tromsø, na década de 1930 que, desafiando a tudo e a todos, se mudou para uma pequena cabana, tornando-se a primeira caçadora do Ártico.
Entre uma exploração e outra, o dia a dia dentro do navio nunca é rotina. Do frio para uma sauna aconchegante ou para um spa relaxante, cada momento é único. A expectativa do desconhecido e a possibilidade de compartilhar com outros ao redor, faz com que cada momento seja novo, diferente e muito interessante, pois nesse tipo de expedição, a experiência é sempre única e exclusiva. O que eu vejo, não é o que o outro vê. Então, partilhar as vivências faz parte do encantamento, são trocas mútuas do que está sendo realizado, fecha um ciclo individual, mas também coletivo. É impressionante como a vontade de sair a cada dia e explorar a região é proporcional à felicidade de voltar ao navio e partilhar as vivências. Todos os dias são marcados pela sensação de sentar e deixar o mundo passar diante das belezas que nem os homens conseguem explicar. Os decks de observação do navio permitem uma vista deslumbrante do oceano, onde desconhecidos viram amigos e a sensação de se sentir pleno e parte de toda a imensidão toma conta da gente
Quem comanda é a natureza
Navegar é preciso, mas devemos estar abertos a imprevistos e mudanças nos planos em cima da hora. Um desembarque pode deixar de acontecer, um passeio pode ser cancelado ou a própria experiência pode ser diferente da planejada. Quando isso acontece, as atividades externas são substituídas por palestras incríveis e histórias fascinantes, com especialistas do Swan Hellenic, em sua maioria professores, historiadores ou biólogos. É o caso de Antony Linman, guia da expedição, aventureiro e explorador britânico, e Sara Catella, guia polar com certificado PTGA, membro do Sea Women Expeditions, que estão sempre prontos para compartilhar seus conhecimentos com os passageiros.
Os ursos-polares
E se na Antártica os pinguins são os protagonistas, no Ártico quem rouba a cena são os raros, fenomenais e belíssimos ur- sos-polares, listados como “vulneráveis” na Lista Vermelha das espécies ameaçadas da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais).
Caso alguma pegada seja vista em algum dia que a programação seja em terra firme, o desembarque é cancelado. Para fazer trekking ou conhecer a região, é preciso quase pedir permissão ao urso-polar, que, frequentemente, mesmo de longe, se faz presente. A dicotomia, quase cômica, é o misto entre a vontade de ver e não ver os incríveis ursos-polares árticos. Como são muito perigosos, para que a expedição ocorra com segurança, uma equipe de guias realiza rondas antes do desembarque. Vale tudo para garantir a segurança: os guias usam armas, binóculos de alto alcance e conhecimento de pontos estratégicos.
No Ártico, os ursos-polares são considerados símbolo de resistência do ambiente, já que são facilmente adaptáveis e sobrevivem tanto na terra quanto no mar. Mas dos 25 mil ursos existentes hoje, devido a caçadas ilegais, ao degelo do Ártico, que compromete hábitos de caça, e outros fatores, seu número infelizmente vem decaindo muito.
Champanhe ao mar
Em um dos últimos dias, quando retornava para o navio, meu bote se deparou com outro Zodiac que estava bem escondido entre icebergs, dentro deles alguns tripulantes nos aguardavam com uma deliciosa garrafa de champanhe, perfeita para fechar o dia de expedição. Com uma taça na mão, no meio do Ártico, entre geleiras, brindei à vida. Foi muito emocionante olhar o cenário em volta e lembrar de tudo que vivi por lá. Silêncio. Vento. Respiração. Não há sensação igual. Estar rodeada por geleiras de milhões e milhões de anos. Abraçada pelo vento gelado, é quase uma meditação. Depois de alguns dias é possível distinguir os mínimos sons, cheiros, texturas, tudo aflora de uma maneira única. Rompendo as águas geladas, cada dia mais afastada da civilização, o silêncio se torna absurdo, imerso na vastidão, fora do barco dá para ouvir cada molécula de seu corpo, da mente e até do coração funcionando, apurando os sentidos e reverberando num todo. É incrível estar realmente presente, ali. Sim, é possível viajar para os lugares mais inóspitos de forma confortável e segura, e sim, viajar pelo Ártico foi uma das viagens mais especiais e transformadoras da minha vida. É como uma experiência espiritual, uma conexão astral entre a natureza e o ser humano. Enquanto o Swan Hellenic é uma porta de entrada convidativa, que deixa aquele gostinho de quero mais, o Ártico é aquele lugar que não sai da memória.