Ponto G ao Ponto com: tecnologia cria a nova revolução sexual
Em rede, Wi-Fi ou realidade virtual, a tecnologia inventa todo um alfabeto de sensações, possibilidades, trocas: para a nova revolução sexual, leia mais abaixo!
Um quarto de hotel, lençóis amassados, um sex-toy ao redor da banheira. Numa noite de dia dos namorados num hotel em Paris, casais se revezam para sentar na cama do quarto 206 para uma experiência sexual de outro tipo: um fone de ouvido permite acompanhar as atividades sexuais de um casal.
Quarto 206 é uma obra de arte erótica imaginada pela DJ Giulietta Canzani Mora, conhecida como Piu Piu, com a atriz e diretora de pornô alternativo Olympe de G. Essa experiência sonora imersiva opera em realidade aumentada: em parceria com a Audible, serviço de audiolivros de alta qualidade da Amazon, opera por meio da chamada binaural, que recria a espacialidade auditiva de cada vibração. O resultado? Uma precisão sem precedentes, que documenta cada respiração, deslize, atrito com tanta proximidade quanto uma experiência corporal.
Para Piu Piu, esse tipo de experiência nos permite recuperar sensações e emoções perdidas numa paisagem sexual atual limitada à visão. “A pornografia nos acostumou a sermos estimulados de maneira ultraformatada,de tal modo que nossos desejos são quase pré-registrados, sem surpresas, achatados...
Esses avanços tecnológicos fazem com que nos reconectemos com uma sensualidade mais complexa”, diz. Graças a um painel de ofertas, objetos e aplicativos maior do que nunca, não é mais o ponto G que descobrimos, mas todo um alfabeto sensorial e carnal. No caso do Quarto 206, a audição se torna um estimulador que permite traçar uma cartografia sexual do nosso corpo e nos conhecermos como nunca antes.
Passar pela tecnologia para retornar à fonte de sua intimidade é tudo menos antiético para a geração dos millenials, que integrou seu desejo por novas ferramentas à vida de maneira fluida. Desde a popularização dos vibro-massageadores pela série Sex & The City – que, sem vergonha, representa heroínas preferindo ficar em casa com seu estimulante clitoriano do que ir a um encontro –; ou dos sex-toys de luxo desenhados pela estilista Nathalie Rykiel, que conferem nobreza aos consolos e fazem com que os tabus acerca da masturbação caiam; ou ainda dos produtos derivados do filme Cinquenta Tons de Cinza, que democratizam a cultura bondage, eis que as zonas erógenas e as fantasias perdem as rédeas...
“TODOS NÓS NOS TORNAMOS CIBORGUES VIVENDO NA INTERSECÇÃO ENTRE A IMAGINAÇÃO E A REALIDADE MATERIAL, NUM MUNDO PÓS-GÊNERO.” Donna Haraway
Hoje, o acesso à internet e aos smartphones contribuiu largamente para essa mudança na relação com o prazer. Como demonstram diversos estudos realizados pelo Instituto Kinsey, organização de pesquisa em sexologia da Universidade de Indiana, assim como o crescente campo de porn studies no meio universitário anglo-saxão, nosso telefone ocupa de fato um lugar crucial em nossas práticas sexuais. Ele teria se fetichizado, vindo a carregar uma carga erótica, como acesso a encontros online, sites pornográficos, sexo sem compromisso e notificações tentadoras e gratificantes ao longo do dia. “O smartphone se tornou um lugar de novas oportunidades, de encontros, assim como de estímulo pessoal – um lugar para buscar novas soluções para se conhecer e entender melhor uns aos outros”, diz a pesquisadora Amanda Gesselman, do Instituto Kinsey.
No topo das ferramentas 3.0 que simulam relações sexuais, a realidade virtual domina o mercado atual. As máscaras oferecidas pelo serviço Holo Girls VR, por exemplo, colocam cada espectador na pele de uma atriz ou ator pornô. E, graças a uma visão em POV (point of view ou ponto de vista, como se a câmera estivesse filmando o que vemos), dá a impressão de ter uma relação sexual com um parceiro.
Em alguns casos, a experiência é levada ainda mais longe. O Red Light Center VR, por exemplo, funciona como o jogo The Sims: cada um se aventura com seu avatar num mundo alternativo, digital e ultrassexualizado, onde tudo é permitido. Assim, num ambiente estruturado, sem vergonha nem tabu, é possível experimentar personagens, dramatizações ou práticas bem distantes do que faríamos na vida real. Além de uma busca por sensações pessoais, a tecnologia torna possível conhecer melhor o parceiro, reconectar-se com o outro ou manter um relacionamento de longa distância, por exemplo. Assim, os dois brinquedos Kiiroo Onyx e Pearl – um vibrador para elas e uma fleshlight (uma espécie de vagina portátil) para eles –, conectados juntos transmitem os movimentos até mesmo do outro lado do mundo com, se desejar, uma plataforma de videoconferência. Quanto aos vibradores BlueMotion, eles se conectam via Bluetooth e se oferecem para gravar playlists de sensações e vibrações.
E onde ficam as emoções nisso tudo? Se a tecnologia desperta consciências e possibilidades, ela também abre a exploração de uma emotividade maior. The Touch é um anel conectado ao ser amado que permite que você sinta o batimento cardíaco dele. O Little Bird é um brinquedo sexual conectado a um aplicativo de leituras eróticas que acompanha nossa excitação e oferece opções relacionadas às emoções e palpitações sentidas.
“O sexo, menos mecânico, torna-se uma espécie de busca existencial”, diz Piu Piu sobre esses avanços. Para a teórica de gênero Donna Haraway, que estuda a conexão entre feminilidade, sexualidade e tecnologia, este último componente seria essencial para todo ser humano. A distinção entre verdadeiro e falso, autêntico e digital não existiria mais. Tudo o que vemos, sentimos, trocamos – mensagens de texto, sexting, nudes – é profundamente híbrido. “Todos nós nos tornamos ciborgues vivendo na intersecção entre a imaginação e a realidade material, num mundo pós-gênero”, escreveu ela no ensaio Manifesto ciborgue (1984). “Cabe a cada mulher aprender a codificar sua própria sexualidade.”
Foto de capa: Jan Zhukov/Unsplash