Pandemia: é possível ser feliz durante este difícil período?
Mais de um ano após o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, muitas coisas mudaram, desde as medidas de segurança recomendadas para evitar a contaminação, até a maneira como enxergamos esse período.O que parecia ser uma temporada breve, agora não tem data certa para acabar, e a complexidade da situação já tem afetado a saúde mental e física de muitas pessoas.
Ser feliz durante esse período tão conturbado parece uma tarefa cada vez mais difícil, mas que é essencial para garantir a saúde e a qualidade de vida. Sentimentos de desesperança e tristeza presentes de forma constante podem trazer ou potencializar o desgaste da saúde mental, além de prejudicarem a motivação para o cumprimento da rotina, que para a maioria das pessoas continuou em um ritmo muito parecido com o de antes da pandemia.
Segundo a pesquisa “Is It Possible to Be Happy during the COVID-19 Lockdown? A Longitudinal Study of the Role of Emotional Regulation Strategies and Pleasant Activities in Happiness”, o poder de adaptação do ser humano permite o sentimento de felicidade nos contextos mais complexos. O levantamento, publicado na “International Journal of Environmental Research and Public Health”, analisou o papel desempenhado por duas estratégias de regulação emocional (reavaliação cognitiva e supressão expressiva) em 88 participantes residentes da Espanha, em dois períodos distintos: antes da pandemia da COVID-19 e durante o lockdown. A análise foi feita por meio de testes e perguntas.
Os resultados do estudo mostram que houve um ajuste no próprio organismo dos participantes, por meio de uma autorregulagem, para a felicidade afetiva e cognitiva em decorrência do envolvimento em atividades agradáveis durante a quarentena. Os pesquisadores afirmaram que a amostra de pessoas estudadas é pequena, e que são necessários mais estudos para compreender a questão totalmente. Apesar disso, os dados dão algumas pistas para entender as estratégias de regulação emocional do ser humano. Assim, fica claro que a felicidade é uma questão atrelada à sobrevivência, e possível mesmo em momentos como a pandemia.
Equilíbrio é a chave
Para Fabiano de Abreu, neurocientista e neuropsicólogo membro da Federação Européia de Neurociências, o equilíbrio é a chave para a felicidade, especialmente durante a pandemia. “A felicidade são picos, oscilações, e para que você possa ter oscilações, você precisa estar com seu organismo em homeostase", explica. Segundo o especialista, a homeostase é o equilíbrio do organismo, e a liberação de um neurotransmissor em especial, a dopamina, tem uma grande influência nesse processo. Sua presença é crucial para garantir a motivação para as tarefas diárias, desde as mais banais, como comer, até atividades complexas
A crise sanitária, além de todas as complicações causadas pela doença em si, cria uma situação que funciona como um gatilho direcionado, remetendo a momentos negativos. De acordo com o neurocientista, a instabilidade econômica, o medo e a ansiedade constantes da pandemia relembram fatos ruins, como dificuldade financeira e traumas antigos. Essas memórias negativas criam uma disfunção dos neurotransmissores, o que dificulta a homeostase no organismo e, consequentemente, a sensação de felicidade.
Principalmente durante o surto da doença, o contentamento muitas vezes vem acompanhado de um sentimento negativo: a culpa. Para driblar essa sensação tão ruim durante picos de alegria, é essencial exercitar a inteligência emocional, lembrando que ser feliz é uma questão de sobrevivência, um ponto que se torna especialmente importante durante uma pandemia.
Retorno ao passado distante
Muitas podem ser as estratégias para encontrar o equilíbrio — e consequentemente a felicidade — durante a pandemia e os momentos de isolamento. Vários hobbies ganharam destaque durante a quarentena, especialmente aqueles relacionados à arte e criatividade, que colaboram para criar momentos de reflexão e introspecção.
Entre as estratégias defendidas por Abreu para aumentar a chance de homeostase e melhorar a inteligência emocional está o retorno ao passado distante, com uma mudança de hábitos que diminuam ou cortem completamente o uso de tecnologias, internet e redes sociais. A inclusão de práticas relacionadas ao contato com a natureza, assim como atividades intelectuais no geral, colaboram para aumentar as conexões neurais e reforçar as sinapses do cérebro, importantes para garantir o equilíbrio da mente e do corpo.
Essa busca pelo retorno ao natural pode explicar a explosão de tendências relacionadas ao escapismo, como o cottagecore, que ficou muito popular entre as gerações mais jovens durante o afastamento social. O uso de produtos naturais, temáticas que remetem à florestas e canteiros de plantas, e até o desejo da companhia de uma animal de estimação, como cães e gatos, pode estar relacionado com o nosso instinto de buscar felicidade durante a pandemia.
Claro, é importante levar em consideração o contexto de cada pessoa, já que a tecnologia tem sido muito usada como maneira de manter as relações sociais durante o isolamento, momento em que muitas pessoas estão sofrendo de solidão. Ainda assim, é importante evitar passar a maior parte do dia conectado, procurando estabelecer um melhor contato com as pessoas que estão em volta, com os moradores da casa ou outras pessoas que estejam tomando os cuidados necessários para evitar o risco à saúde.
O futuro sem pandemia
Infelizmente, a pandemia, por conta da ansiedade e do medo recorrentes, abre caminho para o aparecimento ou piora de quadros relacionados à saúde mental, um dano que deve continuar presente mesmo após a volta à “vida normal”, sem a ameaça da doença. A crise sanitária da Covid-19 colaborou para destacar a fragilidade da saúde mental da população nos dias de hoje, e a mudança de hábitos, ainda durante esse período, é importante para diminuir os danos que aparecerão no futuro.