Arte

Charlotte Gainsbourg dá as boas-vindas para casa de seu pai, Serge

Charlotte Gainsbourg concentrou esforços em abrir a casa de seu icônico pai, Serge, para o público. Agora, à porta, ela dá as boas-vindas

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Charlotte Gainsbourg ao lado do piano na sala de seu pai - Foto: Alexis Raimbault ; Pierre Terrasson; Jean-Baptiste Mondino.

A Casa Gainsbourg, a primeira instituição cultural dedicada a Serge Gainsbourg, inclui sua legendária residência na Rue de Verneuil, 5 bis, em Paris, e, bem próximo, no número 14, um museu, livraria e café/piano-bar. Serge Gainsbourg (nascido Lucien Ginsburg) morou naquele imóvel a partir de 1969. Primeiro, com Jane Birkin, por quase dez anos, a quem ele conheceu no set de filmagens de Slogan, e depois com sua parceira Bambou. É possível ter alguns vislumbres da casa nas páginas de revistas, então já conhecemos as paredes internas – pretas –, o piano Steinway na sala de estar, os andares em preto e branco e as magníficas obras de arte. Entrar nesse ambiente é como entrar em um lugar sagrado.

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Serge Gainsbourg, fotografado por Tony Frank em 1985.

Uma visita ao número 5 bis da Rue de Verneuil não se faz na companhia de um guia, mas com a voz gentil de Charlotte Gainsbourg, por meio de um sistema de áudio. Pôr os fones nos ouvidos significa de fato parar no tempo. Assim que a porta se abre, a jornada começa: “Venha, tenho as chaves, estou abrindo a porta para você...”. Parece que estamos lá sozinhos com ela. Charlotte partilha alguma de suas lembranças, como a de não ir ao cinema nem ao museu com seu pai, mas sim assistir aos melhores filmes americanos então ainda não lançados na França, que ele comprava em VHS em uma loja na Champs-Élysées. Ou de descobrir obras literárias como as do grupo La Pléiade na biblioteca pessoal dele. De tomar banho com sua mãe, Jane, que adorava formar uma enorme nuvem de talco para cobri-la. De ter pesadelos e mandar sua meia-irmã Kate Barry acordar a mãe, porque Charlotte tinha medo de incomodar os pais. De deixar seu pai acordá-la lentamente à tarde. De arrumar o interior da bolsa da mãe. De ver seus pais chegarem em casa vindos de um clube noturno enquanto ela estava indo para a escola. De policiais e motoristas de táxi que eram convidados a entrar e tomar um drinque.

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Parte externa da casa - Foto: Alexis Raimbault.

Desde a morte de Serge, em 1991, a casa permaneceu intacta, com suas janelas de guilhotina e o quintal de bambus. É possível observar cada peça atrás de um pilar negro. Descobrimos pés-direitos baixos, salas estreitas e ambientes à meia-luz. A sala de estar fica escondida, logo atrás da porta da frente. Há vários pianos, mas também uma mesa cheia de distintivos policiais (Serge adorava colecioná-los). Vemos um sofá e várias poltronas. Na mesa de centro, um telefone que era ultramoderno na época. Mas, acima de tudo, há objetos, fotos – entre elas uma grande gravura de Brigitte Bardot (com quem ele foi ver a casa pela primeira vez) –, discos de ouro e quadros por toda parte. Do outro lado do corredor fica a cozinha, toda em madeira, com uma geladeira pequena e transparente, parecida com aquelas encontradas em restaurantes. Garrafas de vinhos excelentes, especialmente da casta High Brion, a preferida de Serge; um pequeno aparelho de TV; e uma porta embutida que, por um bom tempo, abria para o quarto em que Charlotte dormia quando criança. O chão da casa é coberto por um carpete escuro estampado que passa por toda a escada e pelos dormitórios. No andar de cima está o quarto de Serge, que ele dividiu com Jane Birkin e depois com Bambou, e onde se encontra uma enorme tela muxarabi. No corredor, você passa por um quarto de vestir minimalista; pendurados lá estão uma jaqueta militar e um terno listrado. Acima deles, suas camisas de brim; abaixo estão os famosos sapatos oxford Repetto Zizi brancos de Serge, que ele usava sem meias, mesmo no inverno. Ao fundo fica o banheiro, com uma banheira e vidros de perfume no balcão. Em outra sala, ao lado, é onde Charlotte e Kate brincavam em uma pilha de roupas da mãe. Foi o único cômodo que não pôde ser restaurado. Quando Jane se mudou de lá, foi transformado em uma sala de bonecas antigas que, Charlotte confessa, a amedrontavam. Por fim, há a escrivaninha da biblioteca e sua enorme cadeira inglesa de dentista, de couro marrom. Essa sala está repleta de livros de anatomia, mas também de obras sobre pintura, que Gainsbourg estudou na Belas-Artes antes de se tornar um compositor-músico-performer-pintor-roteirista-diretor.

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O museu no n.14 da rue de Verneuil - Foto: Alexis Raimbault ; Pierre Terrasson; Jean-Baptiste Mondino.

A casa é cheia de histórias, livros, objetos e memórias, mas, sobretudo, de emoções. No dia em que Serge morreu, Charlotte o descobriu na cama, adormecido, uma perna para fora da cama, e ela se deitou ao lado dele. Ela se lembra de todos os fãs que vieram, gritando: “Vim dizer que estou indo embora” (uma alusão à canção homônima de Serge). Hoje, Charlotte encara a casa assim: “Para mim, virou um lugar de adoração, de peregrinação, de memória. Eu viro a chave. Fecho a porta atrás de mim. O tempo parou. Eu me permito uma viagem pela minha memória. Os cheiros permanecem. Eu mantenho a lembrança viva. Em silêncio”.

“PARA MIM, virou UM LUGAR DE adoração, DE PEREGRINAÇÃO, DE MEMÓRIA. EU viro A CHAVE. E ACHO A PORTA ATRÁS DE MIM. O tempo PAROU.”

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Cena da exposição; o café e piano-bar Le Gainsbarre - Foto: Alexis Raimbault ; Pierre Terrasson; Jean-Baptiste Mondino.

Um pouco adiante na Rue de Verneuil, no número 14, fica o museu – um longo corredor com, de um lado, uma parede cheia de cartas, partituras, recortes de jornais e revistas, suvenires, roupas e, também, obras importantes, como a escultura de Claude Lalanne que aparece na capa do disco homônimo de Serge L’homme à tête de chou (“O homem com cabeça de repolho”); o manuscrito original da Marselhesa, de Rouget de Lisle; e a gravura La chasse aux papillons (“A caça às borboletas”), de Salvador Dalí. Do outro lado, vídeos narram períodos-chave da vida de Serge – sua origem como filho de imigrantes judeus russos; sua infância em Paris; seus estudos de pintura; seus períodos com Brigitte Bardot, Jane Birkin e Bambou; seus filhos; suas composições, como Le poinçonneur des lilas e La javanaise; seus filmes, como Je t’aime moi non plus (lançado no Brasil como Paixão selvagem), de 1976, com Jane Birkin e Joe D’Alessandro, e Charlotte for Ever, de 1986; seus shows; seus programas de TV…

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Corredor que exibe objetos efêmeros e obras da coleção de Serge - Foto: Alexis Raimbault ; Pierre Terrasson; Jean-Baptiste Mondino.

Quando termina o tour pelo museu, por meio de uma escada escondida que leva ao porão, descobre-se um café e piano-bar, o Gainsbarre, que oferece um menu de almoço inspirado no serviço de quarto de hotéis e nas salas de chá inglesas e um menu de coquetéis que inclui alguns dos drinques preferidos de Gainsbourg, como o Gibson, o Terrible e o famoso 102. O piano-bar lembra o início da carreira do músico no Madame Arthur, no bairro parisiense de Pigalle; no Club de la Forêt, em Le Touquet; e no Milord l’Arsouille, no Palais-Royal. A apresentação começa às 20h, com três pianistas: Philippe Ours, Ciarri Winter e Florent Garcimore. 

Para alguns, o tempo despendido na Casa Gainsbourg será de recordações; para outros, de descoberta. Mas uma coisa é certa: vai ser impossível ficar indiferente.

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Coleção de arte e fotografias na sala de estar - Foto: Alexis Raimbault ; Pierre Terrasson; Jean-Baptiste Mondino.

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