Cultura

Cris Falcão - O som do poder feminino na indústria da música

Diretora LATAM da Ingrooves Music Group, Cris Falcão, conta como a música, a moda e a revolução digital dão o tom no seu dia a dia

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Foto: Glin + Mira / Vestido DIMY, jaqueta D-GAIA

Cris Falcão cresceu em uma família musical. A mãe dava aula de violão na década de 1980 então, as rodas de música e de viola em reuniões familiares eram muito comuns. Isso deu a ela um repertório muito grande de música brasileira, entre outras. Ao longo da adolescência, era apaixonada pelo rock e fã de Guns N’Roses. “Um pouco mais nova, o meu sonho era ser a Nikka Costa. Ficava na frente do vinil, mirando aquela artista, achando que eu poderia cantar como ela um dia”, lembra. Mas seu dom era... na administração de tudo isso. “A música entrou na minha vida profissional em 2004, depois de uma história no mercado financeiro. Acho que foi o universo conspirando e tinha que acontecer. Foi uma situação muito nova para mim e um grande aprendizado entrar no segmento pelo lado dos autores e editores, aprendendo um pouco sobre esse papel tão importante da gestão e valorização do criador.” Considerada uma das maiores especialistas do país em gestão de direitos autorais, ela realmente tem bastante experiência na área. De fato, reconhece ser apaixonada por esse setor.

L’OFFICIEL: Como o mercado musical mudou com a evolução digital?

CRIS FALCÃO: Entrei no mercado da música nesse lugar, em uma editora, que é a organização responsável pelos direitos patrimoniais dos compositores. Sempre tive um olhar atento e gosto muito do conhecimento que traz toda a questão da lei do direito autoral no Brasil. Tem um mantra que eu gosto bastante: “O direito autoral vem a reboque da tecnologia”. A evolução no digital é muito rápida: novas ferramentas, novos meios de consumo e divulgação e isso obviamente tem um processo de regularização depois. Ainda é algo sensível para a cadeia, no caso dos compositores, que ainda são impactados na monetização digital, mas tem várias frentes sendo discutidas mundialmente para realmente melhorar a remuneração do compositor e dos titulares de uma maneira geral nesse ambiente.

L’O: Como atua na Ingrooves?

CF: A Ingrooves faz parte do grupo Universal e é uma agregadora com foco no setor independente, o nosso modelo de negócio é B2B. Nós atuamos mais com selos (produtores fonográficos) agregando valor com tecnologia de ponta e atendimento humanizado. Temos algumas exceções em que assinamos artistas independentes, mas com estruturas maiores, artistas que já tem um corpo de equipe de agenciamento de mídias sociais, e assim, com um time forte, somamos forças buscando os melhores resultados.

L’O: Qual o segredo para prosperar no music business, hoje? O TikTok tem grande parte nisso?

CF: Acho que prosperar no music business hoje é realmente encontrar o seu lugar, encontrar o seu espaço. É um mercado altamente competitivo. Nós falamos de muitos lançamentos por dia, globalmente. Nós não podemos pensar só no que viraliza. O TikTok tem essa força da viralização e conversa com a geração mais nova. Mas eu acredito que um conteúdo que tem uma identidade própria e segue a verdade do artista, tem mais chance de ser sustentável a médio ou longo prazo. Além do mais, deve-se acompanhar todas as possíveis ferramentas que o mercado digital traz hoje. Ter um hit é maravilhoso, mas, mais importante do que uma música com milhares de plays, é ter um projeto que faça sentido dentro dos valores artísticos para conquistar uma audiência real. Por isso que eu sempre coloco para os artistas a importância de olhar para o que ele realmente acredita, o tipo de sonoridade que ele atua, o tipo de música que ele quer cantar, fazer, falar, enfim, porque do contrário fica mais difícil de convencer. E por fim, educação e conhecimento são a chave para a prosperidade.

Foto: Glin + Mira / Camisa DIMY calça LILY SARTI

"Acredito que ocupar um cargo de liderança é desafiador em qualquer segmento. No meu, você tem que estar sempre olhando para o dia a dia da música com amor e dedicação...", Cris Falcão

L’O: Como você acha que a inteligência artificial pode impactar na indústria musical global?

CF: Acho que toda tecnologia vai sempre impactar a indústria. Fazer música por meio da inteligência artificial já acontece, mas ainda tem muito a ser esclarecido, compreendido e regulado. Eu sempre penso na criação a partir do talento do criador. A inteligência artificial pode trazer uma sonoridade ou uma música impecável, mas eu não consigo isolar o fato de, lá na origem da história, ter tido um ser humano criativo para trazer esse conteúdo e gerar uma base de dados de referência. Então, no meu caso, ainda prefiro direcionar meu foco na indústria pensando nesses seres humanos. Mas no futuro posso mudar de opinião, quem sabe?

L’O: Como feminismo, equidade e inclusão fazem parte do seu dia a dia e impactam no mundo musical? É grande a luta por um protagonismo feminino nos negócios?

CF: Feminismo, equidade e inclusão fazem parte, sim, do meu dia a dia. A gente tem uma luta grande pelo protagonismo feminino na indústria, que ainda é altamente machista e predominantemente ocupada por homens em cargos executivos, mas eu acho que vem um processo de mudança ao longo dos anos. Eu acho que não adianta a gente só falar isso, fazer um post no Instagram para dizer “eu atuo em prol dessa causa”. Você tem que realmente fazer acontecer. Então, um dos projetos que eu capitaneei foi que a minha equipe no Brasil fosse 100% constituída por mulheres. E isso é um desafio muito grande porque não pode ser só sobre o gênero e sim sobre diversidade, mulheres diversas. E na verdade, desejo que as que estão na minha equipe ou na indústria sejam vistas e cheguem em posições de destaque pelo lado profissional, pela capacitação, por tudo o que elas sabem, e não apenas por serem mulheres.

L’O: Você esteve no Billboard Latin Music Week em Miami, participando do talk sobre “as cinco maneiras de ganhar dinheiro com a sua música”. Quais são elas?

CF: Foi muito interessante participar desse painel. Na verdade, são cinco profissionais de segmentos diferentes, então, por isso, cinco formas de como fazer dinheiro na música. Mas ali a gente tratou um pouco da perspectiva a partir do lugar de atuação de cada um. Desde a parte autoral, passando pelo mercado digital e shows, debatemos sobre as diversas possibilidades de remuneração. Do meu lado, como distribuidora, eu falo um pouco da importância de não focar em números e entrar em uma paranoia de charts, buscando resultado em cima disso, porque cada trabalho é único e tem que ter realmente uma identidade, uma consistência, como eu já falei, ter uma verdade artística e conquistar uma audiência real e orgânica, por isso o meu conselho de não seguir apenas os números. Siga a sua verdade e os números vão seguir você.

L’O: Quais os desafios de ocupar um cargo de liderança no setor da música?

CF: Acredito que ocupar um cargo de liderança é desafiador em qualquer segmento. No meu, você tem que estar sempre olhando para o dia a dia da música com amor e dedicação, mas sem es- quecer que tem que trazer resultado como em qualquer negócio.

L’O: Como concilia sua rotina com a maternidade, você é mãe da Carol e do João, certo?

CF: Eu criei meus filhos para o mundo. Eu sempre lidei de uma forma muito tranquila com a maternidade. Quando você cria menos pressão sobre você mesma para ser a mãe perfeita, as coisas fluem naturalmente. Não pude participar de tudo, não ia a todas as reuniões de escola. Ia nas que eu podia, quando eu podia e eu sempre acreditei que quantidade não é qualidade. Então, se eu tinha menos tempo para dispor e estar com eles, que esse tempo fosse o melhor possível, menos cobrança, mais amor e mais parceria com os meus filhos. Foi como sempre lidei e lidarei com a maravilhosa experiência da maternidade.

L’O: Como a moda faz parte da sua vida e como ela é influenciada pela música?

CF: Eu adoro moda e acompanhar tudo o que está acontecendo. Sou uma pessoa bem básica, bem monocromática no meu dia a dia, mas acompanho tudo que rola de novidade no Brasil e no mundo. Eu gosto muito de ver a intersecção entre a moda e a música, como vários artistas influenciam o consumo e criam tendências. E a moda também influencia muitos artistas a criarem seus conteúdos pautados no que está acontecendo, é uma retroalimentação contínua entre moda e música.

L’O: Como cuida da saúde física e mental?

CF: Meu tempo livre é para aproveitar com a família e com os amigos. Viajo sempre que posso e é uma das minhas paixões, além da música. Para minha saúde mental, uso recursos de meditação, exercícios de respiração quando eu tenho um momento mais tenso ou de ansiedade no dia a dia. Nós estamos na era do imediatismo, tudo muito cobrado, tudo tem que ser respondido imediatamente, todos com o celular na mão tendo acesso ao seu trabalho, à sua vida pessoal, às mídias sociais. Isso faz com que você esteja ali 100% ligado. Então, me preocupo em parar, respirar e acalmar. É fundamental para uma vida equilibrada. Para a saúde física, eu treino todos os dias, que é mais um recurso terapêutico, assim como a música. Treinar é o meu momento de foco no meu corpo, no meu organismo e assim sigo equilibrando corpo e mente.

L’O: Como se imagina em 10 anos? Acha que o etarismo é presente nesse mercado?

CF: Dez anos é muito tempo. Sendo sincera, não sei, mas eu acredito que eu vou estar aqui fazendo a mesma coisa, porque eu sou muito apaixonada pelo que eu faço. Sou uma entusiasta desse mercado. Ainda quero ver o Brasil chegando no top five do ranking IFPI. Não consigo me ver em 10 anos fora do universo musical, talvez com um pouco menos de autocobrança, fazendo as coisas de uma forma mais calma, até pelo fato da maturidade, já que a cada ano ficamos mais maduros e mais tranquilos. E sim, o etarismo é muito presente no mercado musical, como em todos os mercados. É uma sociedade etarista, que cobra as mulheres principalmente por uma questão de padrão visual. É um tabu falar sobre menopausa, sobre envelhecimento... e é uma coisa que deveria ser natural. Acho que já tem alguns movimentos de influenciadoras mulheres que estão se posicionando sobre o assunto e acredito que isso vai ajudar como um todo para que possamos passar por isso de uma forma mais leve, porque afinal de contas não interessa a idade que você tem, se você realmente está bem com você mesma e sendo feliz, isso é o que importa.

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