Descubra o restaurante El Chato em Bogotá
Na cozinha de Álvaro Clavijo, o punk rock encontra a gastronomia. Entre ingredientes inesperados e um ritmo acelerado, o El Chato se reinventa sem perder a essência
Quando visitei Bogotá em 2019, fui atraído pelo El Chato como quem segue um cheiro bom na rua. Um bistrô moderno, atmosfera vibrante e um cardápio ousado que me marcou profundamente. Agora, em 2024, a cidade me trouxe de volta ao restaurante de Álvaro Clavijo, um chef que não se limita a cozinhar. No térreo, o El Chato funciona com um menu a la carte, ideal para quem quer uma experiência mais casual. Mas o melhor mesmo é subir as escadas e sentar de frente para a cozinha aberta. Dali, é possível observar o ritmo frenético da equipe e sentir a energia do lugar enquanto se embarca no menu degustação, a forma mais intensa de viver o restaurante.
Sempre de polo Fred Perry, jeans preto e boné, Clavijo pilota sua Triumph pela cidade e monta as próprias playlists de rock e punk que embalam a experiência dos seus restaurantes. Mas será que essa identidade se reflete na comida? Foi o que me perguntei enquanto me sentava novamente à mesa. O menu degustação tem um ritmo acelerado, sem tempos mortos. A primeira nota foi um caldo inesperado de nopal (um tipo de cacto típico do México e de outras regiões áridas das Américas) e camomila, leve e herbal, preparando o paladar. Em seguida, uma arepa crocante servida com caranguejo, acompanhada de daikon, um rabanete japonês de sabor suave e levemente picante, manjericão e ervilha, que trazem frescor e equilíbrio.
A truta defumada chegou delicada, mas com sabor intenso, acompanhada de chaupiza, um pequeno peixe de rio comum nos Andes, e cubio, um tubérculo ancestral com notas terrosas e adocicadas. Logo depois, a lula apareceu ao lado de apionabo, um vegetal de sabor terroso e levemente anisado, e tomate de árvore, que trouxe acidez e doçura ao prato. O coração de boi, cortado em fatias finas, chegou acompanhado de yacón, um tubérculo suculento e levemente adocicado, e garum de cogumelos, um molho fermentado de sabor intenso que trouxe camadas de profundidade. O camarão veio na sequência, servido com chontaduro, uma fruta amazônica de textura amanteigada e sabor entre a batata-doce e a castanha, além de carantanta, um crocante feito de milho, e coco, fechando um prato de contrastes tropicais.
O tamal de caracol foi um dos momentos mais marcantes. A massa de milho envolvia os caracóis delicadamente cozidos e um molho pusandao, tradicional da culinária afro-colombiana, rico em especiarias e com um toque defumado. Na sequência, um prato de peixe xerelete com koji de tomate, um fermentado que adiciona umami, beterraba e morango, criando uma combinação agridoce e intrigante. O pão de bono chegou quente, feito com gordura de cardo e gergelim, preparando o paladar para a língua de vitela, servida com abobrinha, agrião, pimenta e a surpreendente hormiga culona, uma formiga gigante colombiana, crocante e de sabor amendoado, uma iguaria local rara.
Para encerrar, um desfile de sobremesas inusitadas. A curuba, fruta cítrica e perfumada, combinada com cholupa, um tipo de maracujá suave, e limão negro, seco e fermentado, trazendo notas defumadas e ácidas. O funcho apareceu com mambe, um pó feito de folhas de coca torradas, e kumis, um leite fermentado, criando um jogo entre frescor e acidez. O namelaka de baunilha defumada e feijão trouxe uma textura cremosa e um sabor terroso inesperado. E, por fim, o rambutão, uma fruta tropical suculenta e doce, encerrando a experiência com leveza.
Voltar ao El Chato foi perceber como um restaurante se transforma sem perder sua essência. A comida continua afiada, sem a obsessão pela perfeição. Existe uma fluidez ali, uma despreocupação aparente que, na verdade, esconde um domínio do ofício. Clavijo é um chef que prefere a estrada livre ao caminho previsível, que escolhe uma moto em vez de um carro de luxo, que embala sua cozinha ao som de punk rock. Sua comida não segue tendências: ela tem ritmo, tem peso, tem identidade. O restaurante é a sua trilha sonora.