Néli Pereira percorre sabores "Brasil Adentro"
Envolvida pela cultura popular brasileira, Néli Pereira dita suas regras e cria coquetéis revolucionários inspirados em raízes profundas e cheias de significados
Catuaba, priprioca, carqueja, jurubeba, boldo, cipó-cravo, juca, andiroba, puxuri são alguns das centenas de ingredientes ancestrais brasileiros que a jornalista, pesquisadora, escritora e mixologista Néli Pereira defende de copo e alma durante sua jornada multifacetada. Curitibana nata e paulistana de coração, foi em Londres que buscou um mestrado em estudos culturais sobre a América Latina. Assim deu o pontapé para um propósito sem fim: desenvolver pesquisas sobre a identidade cultural brasileira. “Meu amor pelo Brasil tem muito a ver com a espontaneidade da cultura popular. O país é concreto e palpável ao mesmo tempo. O que mais me apaixona é me reconhecer nas menores e mais lindas coisas dessa terra. Seja por onde você vá, os encantamentos são infinitos. É a maior paixão da minha vida”, repete várias vezes Néli com os olhos brilhando.
No seu Espaço Zebra, escondido no bairro do Bixiga em São Paulo, ela age e reage como uma feiticeira das bebidas: estuda, testa, macera, infusiona e mistura frutas e especiarias para levantar bem alto seu copo e gritar uma arte de beber genuinamente brasileira. Sem nenhum ou qualquer pudor, muito pelo contrário, e com um orgulho contagiante, ela brinda com “saúde”. Essa magia acontece ao redor do ateliê do artista Renato Larini, seu marido e eterno apoiador. Néli é completamente fascinada e defende seu território com convicção e seriedade no meio de muitos barmans comercialmente influenciados e invasões globalizadas. Sem trégua, Néli Pereira se inspira nas raízes mais profundas e saberes das benzedeiras, dos terreiros e das florestas para criar coquetéis revolucionários.
Sempre curiosa, ela acredita que a coquetelaria brasileira está ainda atrás da gastronomia em muitos níveis, principalmente no quesito do reconhecimento. “Como mulher tive várias dificuldades de aceitação no início, mas hoje estou no meu balcão e dito minhas próprias regras. O bar é um ambiente ainda muito machista com assédios frequentes, mas caminhamos a passos lentos para esse ambiente se tornar mais amigável e saudável para todos”, diz Néli. Provar uma das receitas dela é se apropriar das inúmeras riquezas e purezas brasileiras com brogodó, admiração, afeto e muito respeito. Entre diversas viagens e projetos criativos pelo país, a jornalista e comunicadora nunca deixa de abrir sua tela do Instagram para um encontro semanal ao vivo. No Domingo do Balcão ela provoca, brinca, questiona e conta belas histórias. Por aí interage com um público sedento por brasilidades. “Elas são encantamentos que sobrevivem apesar de tudo: as barracas de rua, as festas populares, os ingredientes, os cheiros, os arredores dos mercados e várias outras manifestações orgânicas. São como faíscas que fazem a gente lembrar do porquê esse é um lugar pelo qual vale a pena a gente lutar”, grita Néli.
Enquanto os chefs de cozinha falam do conceito “da terra ao prato”, a empresária está convencida de que esse caminho seguirá inundando os copos pelo mundo afora. Ou melhor, no Brasil adentro. Figura carismática e engajada, a protagonista da mixologia brasileira acabou de publicar seu primeiro livro. Da botica ao boteco é fruto de anos de reflexão e de uma pesquisa inédita que nunca tem fim. Na sua deliciosa obra, ela faz um brinde à riqueza do país e apresenta as raízes medicinais e alquímicas da coquetelaria, passando adiante belos recados dos guardiões da cultura popular. Enquanto isso, Néli sonha com um país mais encantado com suas diversidades e segue sua rota em um Brasil sedento que poderia certamente remediar a muitos Brasis.
Carqueja Spritz
- 70 ml de vermute seco infusionado com carqueja
- 20 ml de Aperol
- 50 ml de água com gás
Para o vermute infusionado, coloque 200 ml de vermute seco em um pote de conserva hermético, previamente higienizado, e adicione 10 g de carqueja seca ou 20 g de carqueja fresca. Deixe macerando por 4 dias. Coea mistura. Engarrafe. Validade indeterminada.
Misture com cuidado todos os ingredientes em uma taça com gelo. Sirva com um ramo de carqueja seco.
“ESSE FOI O PRIMEIRO coquetel QUE criei COM A CARQUEJA. SABIA QUE AS PESSOAS IAM TORCER O NARIZ PARA O amargor, ENTÃO DECIDI adicioná-la EM UM DRINQUE INSPIRADO EM OUTRO BEM POPULAR: O Aperol Spritz. O dulçor DO APEROL QUEBRA BEM O AMARGOR DA carqueja SEM CAMUFLÁ-LO, E O resultado É UM COQUETEL equilibrado e REFRESCANTE.”
Olhai os lírios
60 ml de gim infusionado com flor de lírio-do-brejo
20 ml de licor de flor de sabugueiro
15 ml de vermute bianco
Para a infusão, use uma flor de lírio-do-brejo para cada 200 ml de gim. Deixe macerando em um pote hermético, ao abrigo da luz, por 5 dias
Coe. Engarrafe.
Bata todos os ingredientes em uma coqueteleira com gelo, coe e sirva em uma taça coupé previamente gelada. Decore com uma flor de lírio-do-brejo.