Gastronomia

Uma semana gastronômica em Paris

Percorremos a capital da França em busca de restaurantes diversos que deixarão qualquer gourmet feliz. 

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O melhor spaguetti al pomodoro, do Niko Romito no Bvlgari Paris (Foto: Charles Piriou)

Era uma segunda-feira gelada de inverno quando decidi reencontrar uma amiga querida. Buscava um restaurante pequeno e acolhedor, o tipo de lugar que convida a longas conversas. Foi assim que descobri o recém-inaugurado Almanach Montmartre, um bistrô intimista localizado nos arredores do icônico bairro parisiense. Logo na entrada, fui recebido pelo próprio dono, o chef Léo Giorgis, que além de comandar a cozinha, também faz questão de servir as mesas. No salão, poucas mesas aconchegantes e uma trilha sonora envolvente criavam um clima gostoso. Atrás do balcão, o único cozinheiro da casa se movimentava agilmente, preparando os ingredientes da noite. O conceito do Almanach é claro: bistronomia. Para começar, provei uma delicada tartelette de cogumelos salteados, acompanhada de cebola confitada e queijo Reblochon. Segui na mesma linha e escolhi os raviolis da floresta, recheados com cogumelos, prato que ressalta o terroir francês. Para finalizar, um clássico reinventado: crème brûlée ao jasmim, equilibrando dulçor e perfume na medida certa. Ao longo da noite, o salão foi ganhando vida. Entre habitués do bairro e curiosos atraídos pela novidade, percebia-se um clima quase familiar. As porções são enxutas, mas cheias de sabor, e o custo-benefício torna a experiência ainda mais convidativa.

Léo Giorgis do Almanach Montmartre (Foto: Elisa Reddet)

No dia seguinte, caminhei até o bairro do Marais – um dos meus cantos favoritos em Paris – para finalmente honrar um convite feito há muitos meses. O destino era o Guefen, restaurante do chef israelense Ohad Amzalleg, um nome que vem ganhando atenção na cena gastronômica. Ao chegar, me deparei com um espaço intimista, quase escondido, onde uma grande mesa comunitária ocupava o centro do salão. A atmosfera era calorosa, e enquanto esperava minha convidada chegar, observei o menu degustação de sete pratos que estava por vir. Tudo girava em torno de peixes e vegetais – uma proposta que me encanta. Segundo o chef, o Guefen é o único restaurante a oferecer uma gastronomia kasher no estilo fine dining em Paris. O pequeno salão foi se enchendo aos poucos e, logo, o murmúrio em hebraico se misturava ao ambiente. O jantar começou, e um desfile de pratos cuidadosamente montados tomou conta. Entre os memoráveis, a massa fresca com ragu de atum e tomates fermentados ao molho XO e o filé de corvina servido com velouté de tupinambor e demi-glace de legumes. O menu degustação, além de acessível para os padrões da alta gastronomia parisiense, entrega uma experiência singular. Não é à toa que o Guefen já figura em vários guias respeitados – uma jóia discreta que merece ser descoberta.

O chef Ohad Amzalleg no Guefen (Foto: Reprodução)

Depois de uma noite bem dormida e uma manhã dedicada aos exercícios, precisava escolher um lugar especial para um almoço com uma amiga, grande apreciadora e conhecedora da gastronomia. O destino foi o restaurante de Omar Dhiab, localizado no coração da cidade. O caminho até lá foi um presente: um dia lindo de inverno ensolarado, daqueles que fazem Paris brilhar de uma forma única. Cheguei pontualmente às 12h30, no exato momento da abertura do restaurante. Na porta, algumas pessoas já aguardavam ansiosas – um pequeno tumulto parisiense, que, curiosamente, também dá nome ao menu da casa. Fui recebido com extrema cortesia e, enquanto caminhava até minha mesa, avistei uma das figuras políticas mais ilustres da França – sem citar nomes, mas já um indício promissor da reputação do lugar. O almoço começou com deliciosos amuse-bouches, preparando o paladar para uma sequência de pratos que, mais do que técnica, demonstravam uma sensibilidade ímpar. A primeira proeza foi o ouriço-do-mar ao natural com lentilhas coral perfumadas ao cominho, um contraste surpreendente entre o iodo profundo do mar e a riqueza terrosa das especiarias. Em seguida, uma releitura que me conquistou de imediato: o croque-monsieur reinventado. O prato principal foi o cervo de caça francesa com condimentos ácidos, defumados e herbáceos, um jogo que revela o domínio do chef. Para encerrar, uma sobremesa que trouxe intensidade: chocolate peruano com pimenta caiena e confit de limão. Nos sentimos acolhidos dentro desse pequeno salão aveludado, onde cada detalhe reflete o talento e a precisão do chef estrelado. E há boas notícias no horizonte: em maio, Omar Dhiab abrirá um novo espaço, mais casual, chamado Elbi. Já estou ansioso para descobrir essa próxima etapa de sua trajetória.

O chef Omar Dhiab (Foto: Virginie Garnier)

De volta a Saint-Germain-des-Prés, bairro onde estou hospedado, decidi jantar em um endereço recém-chegado à cena parisiense: o L’Atelier d’André. A noite estava fria e tranquila, e o restaurante seguiu o clima — poucas mesas ocupadas, um ambiente quase introspectivo. O projeto nasce da visão gastronômica do empresário Jérémy Quélin, do chef Yohann Clotz e da curadora de arte Joséphine Fossey. Há a opção de menu degustação, mas o à la carte é bem estruturado, dividido entre vegetal, terra e mar. A carta de vinhos é interessante e a cozinha segura bem seu protagonismo: os cogumelos de Paris com ovo confitado na soja têm um equilíbrio impecável, e as vieiras com topinambour e zaatar surpreendem pela delicadeza. Um detalhe que chama atenção é a aposta do chef nas sobremesas à base de queijo, um movimento que parece ganhar força. O destaque é o "œuf toqué", um trompe-l’œil de reblochon e alho selvagem que brinca com a expectativa e entrega um final salgado, mas reconfortante. No fim das contas, o L’Atelier d’André propõe um jogo de contrastes bem amarrados: uma casa nova com ares de tradição, um espaço íntimo que ainda precisa encontrar seu público, e uma cozinha que navega entre a rusticidade e a precisão técnica. Vale acompanhar os próximos capítulos.

Jérémy Quélin, do chef Yohann Clotz no L'Atelier d'André (Foto: EatIs Marseille)

Acordei feliz, apesar da mudança brusca no tempo, e segui em busca de um tipo de calor que só os brasileiros sabem dar. Fui até o Nosso, restaurante da chef Alessandra Montagne, uma casa que sempre me acolheu de braços abertos. Fazia tempo que não passava por lá, e a curiosidade sobre as novidades do menu me guiava. Cheguei às 13h30, a pedido da própria chef, e encontrei o restaurante em sua melhor forma: lotado, vibrante, impossível de conseguir um lugar para sentar. Um sucesso absoluto. Ao lado, o Tempero, versão mais casual da casa, fervilhava no mesmo ritmo. O Nosso está em um bairro pouco óbvio, afastado dos cartões-postais de Paris, mas vale a visita—seja para provar a cozinha autoral de Alessandra, seja para dar um pulinho na Bibliothèque François Mitterrand, um ícone arquitetônico. Agora, o que interessa: o menu. O início é um abraço no paladar, um amuse-bouche que carrega memórias e identidade—pão de queijo coberto de caviar e coxinha. Em seguida, um ravióli de beterraba, delicado e exuberante ao mesmo tempo, tingindo o prato de vermelho como uma aquarela. Depois, um caldinho de feijão, quente, denso, capaz de atravessar o oceano e me levar de volta para o Brasil em um gole. Mas o melhor ainda estava por vir: robalo perfeitamente cozido, beurre blanc, kiwi e caviar. Uma combinação inesperada, mas que funciona de forma quase mágica—o frescor ácido da fruta brincando com a untuosidade do molho e as pequenas explosões salgadas do caviar. Para fechar, uma sobremesa que transforma o milho e a pipoca em algo surpreendente, um doce que fala sobre origem, simplicidade e técnica, tudo ao mesmo tempo. Alessandra Montagne cozinha com alma. Cada prato traz um pedaço de sua história, uma fusão de lembranças e boa técnica. E no final, saí de lá com a certeza de que o Nosso continua sendo exatamente isso: um lugar para chamar de casa.

Alessandra Montagne do Nosso (Foto: Reprodução/Instagram)

Quase finalizo minha semana gastronômica em Paris com um endereço absolutamente extraordinário. Table Bruno Verjus, carrega um título de peso: melhor restaurante da França segundo o renomado ranking The World 's 50 Best Restaurants. Mas rótulos à parte, o que acontece dentro dessas paredes vai muito além de premiações. Bruno Verjus não é apenas um chef autodidata. Ele é um contador de histórias, um mestre da prosa gustativa. Seu menu, chamado "Couleur du Jour" é um enredo construído com arte e alma. A experiência começa com beleza e textura: vegetais crocantes. Logo chegam as mignardises salgadas, pequenos começos que já me transportam para o mar. Uma delas, uma ostra inesquecível, de uma pureza e frescor que só posso descrever como um mergulho sensorial nas águas frias da Bretanha. Então, um dos atos do espetáculo: o emblemático "Homard mi-cru, mi-cuit", um prato que evolui há anos e alcançou sua melhor forma. A lagosta é envolta por um bisque fenomenal, de uma untuosidade que abraça a boca e um equilíbrio que só a maturidade culinária permite. Poderia ter parado ali e já seria uma das melhores refeições da minha vida. Mas seguimos. Um velouté de legumes, delicado e etéreo, que acolheria qualquer viajante perdido no tempo. Voltamos ao oceano, agora com um peixe de pesca de linha servida com mucilagem de aipo-rábano. E por fim, a apoteose: a famosa torta de chocolate com caviar, talvez a sobremesa mais reverenciada da casa, premiada, celebrada, desejada. Mas o que me conforta de verdade é o clafoutis de pêra, tão singelo e tão perfeito. E como se ainda faltasse algo, ele entrega poesia. Literalmente. Bruno Verjus escreve versos para seus convidados, como se cada refeição fosse um capítulo de um livro inacabado, um ciclo que não se rompe, apenas se transforma. E eu saio dali exatamente assim: nutrido, emocionado, sem palavras melhores do que as dele para descrever sua arte.

O chef autoditada Bruno Verjus (Foto: The Cultivate Guide)

Meu último dia da semana gastronômica em Paris foi memorável. Tinha um almoço de negócios e escolhi o cenário perfeito: La Fontaine Gaillon, um endereço emblemático que carrega história e elegância. Em frente, a Fonte Gaillon, monumento que remonta a 1707, quando foi construída por ordem de Luís XIV para abastecer a cidade com água potável. Um vestígio de outro tempo, que hoje empresta sua aura clássica a este canto discreto do 2º arrondissement. No verão, o restaurante se abre em um cenário mágico, com seu terraço ensolarado. No inverno, o charme se desloca para dentro, onde um salão elegante no térreo recebe os clientes com calor e refinamento, enquanto o primeiro andar abriga salas privativas ideais para encontros mais reservados. A atmosfera era puramente corporativa. Cheguei com um toque casual, mas ternos e gravatas ditavam o tom. O menu, assinado por Marie-Victorine Manoa, equilibra clássicos atemporais e uma abordagem delicada e sofisticada. Optei por um pithivier de aipo, batata e trufa, uma versão vegetal do tradicional prato francês. O cardápio percorre os pilares da gastronomia francesa com toques contemporâneos. La Fontaine Gaillon é um equilíbrio entre o passado e o presente, entre o rigor da cozinha clássica e a leveza de uma nova geração de chefs. Um endereço que mantém viva a essência de Paris: elegante, atemporal e sempre em movimento.

Marie-Victorine Manoa na Fontaine Gaillon (Foto: Reprodução/Instagram)

Última parada da semana antes de voar para meu próximo destino : o Hotel Bvlgari, situado no prestigiado triângulo dourado. Ali, encontra-se II Ristorante do renomado chef Niko Romito, responsável pela gastronomia de todos os hotéis da marca ao redor do mundo. Antes de me sentar à mesa, desfrutei do bar, um dos mais agradáveis da cidade. Optei por coquetéis sem álcool, que estavam divinos. O serviço começou ali, impecável: atento, caloroso, dinâmico, verdadeiramente perfeito. Ao adentrar o restaurante, cuja decoração é atípica, confiei plenamente no maître para selecionar os clássicos do chef. Iniciei com um delicioso bouillon, seguido por um vitello tonnato extraordinário. A vitela à milanesa estava incrivelmente crocante, e finalizei com meu prato favorito da vida: spaghetti al pomodoro. Desta vez, fui levado ao extremo da delicadeza e da fineza do sabor. A massa estava no ponto perfeito, e o molho absurdamente potente. Terminei com uma colherada profunda de um tiramisù dos deuses, encerrando a noite de forma feliz. Minha experiência ali reflete a filosofia do maestro Niko Romito: uma busca incessante pela pureza e essência dos sabores, aliada a uma apresentação elegante e minimalista. Cada prato é uma demonstração de técnica perfeita e respeito pelos ingredientes, proporcionando uma jornada que celebra a tradição italiana com absoluta modernidade. Paris, ti amo.

Niko Romito no Bvlgari Paris (Foto: Albin Durand)

Serviço

Almanach Montmartre
35, rue Ramey 
@almanach__montmartre

Guefen
9, rue du Vertbois
@guefen_paris

Omar Dhiab
23, rue Hérold
@restaurantomardhiab1

L’Atelier d’André
36, rue Saint-André des Arts
@atelier_dandre_restaurant

Nosso
22, promenade Claude Lévi-Strauss
@nosso.paris

Table Bruno Verjus
3, rue de Prague
@bruno_verjus

La Fontaine Gaillon
1, rue de la Michodière
@lafontainegaillonparis

Niko Romito - Hotel Bvlgari
30, avenue Georges V
@bvlgarihotelparis

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