Hommes

Iagor Peres preenche espaços não tão vazios

Integrante da nova geração de artistas brasileiros, o carioca Iagor Peres desperta a atenção dos espectadores com o seu trabalho cheio de interpretações e de contestações

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Foto: Iagor Peres/ Edição: Carla Fialdini

É, na maioria das vezes, o invisível que move o artista Iagor Peres. Olhar para o que não se enxerga facilmente, para os detalhes que não se entregam, para o que está escondido entre uma coisa e outra funcionam como combustíveis para o artista construir um universo plástico surpreendente e curioso. Ganhador do 6o Prêmio Artes Tomie Ohtake, em 2018, e do Prêmio FOCO ArtRio, em 2022, Iagor tem chamado a atenção de curadores e de galeristas com uma obra cheia de materialidade, nascida da observação dos processos de transformação e carregada de questões que podem ir da ancestralidade à própria composição do material.

Criada a partir de experiências alquímicas no fogão de casa ao derreter elementos em banho-maria, a série “pelematerial” lembra uma pele seca e pode ser exibida ora pendurada, como em açougues, ora sobre estruturas de ferro. A partir desses objetos, Iagor questiona o conceito de raça, uma invenção, segundo ele, do capitalismo. Como se fossem extensões de si mesmo, as peles são também uma maneira de pensar sobre como se dá a produção e a associação de valor dos corpos humanos. A raça, lembra o artista, “despersonifica o indivíduo e a ‘pelematerial’ é uma representação disso”.

Foto: Iagor Peres/ Edição: Carla Fialdini

O corpo é sempre um ponto de partida, seja na produção das peles, seja em performances nas quais o artista cria para si um revestimento de concreto, misto de escultura e ação dolorosa, ou, ainda, no manejo do ferro fundido moldado para dar origem a esculturas enormes em que a materialidade também salta aos olhos. “Apesar de trabalhar com coisas bem físicas, o que me move não é tão plástico, são as ideias, coisas que a gente não consegue ver”, avisa. “Um dos caminhos que me fazem chegar às peles e a essas peças que estou produzindo agora é pensar a materialidade das coisas que habitam nos intervalos, que costuram as relações entre nós e os ambientes. Pensar esse tipo de relação, de dinâmicas de movimentação de tempo, como o corpo se movimenta a partir de determinadas entidades, e pensar a formatividade das coisas, como as coisas acontecem e como esses processos geram vida e transformação que acabam sendo o próprio trabalho, é o que me interessa.”

Foto: Iagor Peres/ Edição: Carla Fialdini

Nascido no Rio de Janeiro, em 1995, Iagor nem sempre esteve embrenhado no mundo das artes visuais, mas soube desde cedo que parte de seu interesse estava em compreender o próprio corpo e o seu dinamismo no espaço, em destrinchar as estruturas e em trabalhar coletivamente. “A minha entrada nas artes vem pela trajetória do corpo, começo com a dança e o teatro, e passo muito tempo desenvolvendo isso, participando de grupos, fazendo aulas”, conta. O teatro e a dança o levaram ao vídeo, espécie de acesso às artes plásticas. Estudante de Sociologia, ele sentia-se engessado por um contexto que não conectava as práticas artísticas com a disciplina cursada na Universidade Federal Fluminense (UFF). “Queria estudar teatro psicossocial, do absurdo, mas não tinha muita intersecção com o curso de artes. Comecei, então, a pegar matéria de artes, que tem uma grade mais solta, e fui seguindo. Passei um tempo fazendo esse curso.” Foi quando uma mudança para Recife e a aproximação com o coletivo CARNI – Coletivo de Arte Negra e Indígena, em 2015, transformou a sua vida.

Aos 20 anos, ele passou a se envolver cada vez mais em trabalhos em grupo, ganhou prêmios que o levaram a residências – na Colômbia, com o Tomie Ohtake, e em Salvador, com ArtRio, e agora, depois de seis anos, está de volta ao Rio de Janeiro. “Esse tempo acabou agora e a passagem por Recife foi efervescente, tive trocas extensas e profundas, que ajudaram a refletir a minha pesquisa como ela é. O meu trabalho acontece nesses encontros.” A próxima série, que será apresentada numa mostra solo, marcada para maio, na Quadra Galeria (São Paulo), é uma exploração de texturas, formas e artefatos pensados a partir de fenômenos naturais. A aglutinação e os processos que fazem “as coisas ficarem juntas” compõem parte da pesquisa. “Essa coletânea é uma forma de pensar um pouco esse processo de aglutinação trazendo uns paralelos com a formatividade das estalactites, o tempo de formação disso e o resultado estético das texturas”, explica o artista, que gosta de pensar a matéria para além do que se vê, para provocar no observador dúvidas e perguntas sobre a origem e a composição dos objetos.

Foto: Iagor Peres/ Edição: Carla Fialdini

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