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Jonathan Ferr em entrevista exclusiva para a L'Officiel Hommes

Astro futurista! O jovem pianista Jonathan Ferr é precursor do urban jazz no Brasil, gênero musical que mistura pop, elementos do hip-hop, R&B e música eletrônica.

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J onathan veste Leandro Castro e GF (Foto: Renan Oliveira)

Quando se pensa em nomes potentes da atual geração da música brasileira, logo vem à cabeça gente como Anitta, Pabllo e Gloria Groove, representantes do neofunk, ou do cantor Silva, que trouxe um ar moderno para as melodias que falam sobre o amor, numa vibe com cara de poesia cantada, como “Você, 8o”, música do álbum Cinco, lançado em 2020. Ainda nesse contexto, vale citar a cantora performática Letícia Novaes, que apostou as fichas no disco “Letrux em Noite de Climão”, com apresentações recheadas de reflexões sobre as desilusões amorosas em um mundo indie, e Tiago Iorc, autor do single “Masculinidade”, cuja proposta é desconstruir as atitudes e os anseios que a palavra significa para o homem. Se no suingue genuinamente brasuca a set list bomba sem muito critério, na vertente do elegante jazz – ritmo que, em solo nacional, ganhou a sonoridade da bossa-nova cinquentista de João Gilberto, Zimbo Trio, Luiz Eça, Hélio Delmiro, Victor Assis Brasil, Raul de Souza e Hermeto Pascoal –, vez ou outra surge alguém bacana para ser ouvido. É o caso de Jonathan Ferr, pianista, cantor, compositor e artista multimídia, que realiza um trabalho autoral paginado por uma estética atemporal. Jonathan traz em sua identidade o afrofuturismo, um movimento que mescla tradições africanas com ficção científica e fantasia para rever o passado negro e criar novas narrativas. “É como imaginar o futuro a partir de uma perspectiva negra. Uma tecnologia de sobrevivência preta”, diz Ferr, que defende a importância de trazer questões sociais e políticas para o seu line-up.

Nascido no subúrbio do Rio de Janeiro, em Madureira, filho de pai metalúrgico e de mãe vendedora, aos 9 anos ele já colocava para tocar os discos de vinil e dedilhava o teclado de brinquedo. Teclado que, mais tarde, virou instrumento de estudo e desdobrou-se em aulas de piano que rolavam numa escola do bairro. Mas o sonho não durou muito. Na primeira crise financeira, o rapaz teve que abandonar o curso para ajudar nas contas da casa. Foi quando ele passou a vender produtos de limpeza e jornais nas ruas cariocas. Mas nem pense que ele desistiu. Jonathan foi atrás de uma bolsa de estudos e conheceu mentores importantes da cena musical. Aos 18 anos, mergulhou no jazz escutando e investigando artistas como John e Alice Coltrane, Sun Ra e Miles Davis, fazendo do estilo o seu objeto de pesquisa e de construção de identidade. Hoje, aos 34 anos, Ferr é considerado o precursor do “urban jazz” no Brasil, gênero que linka o pop aos elementos do hip-hop, do R&B e da música eletrônica, trazendo uma atmosfera lúdica alinhada ao figurino colorido que desafia as classificações de gênero e de estética.

Para a L’Officiel Hommes, o artista falou com exclusividade sobre a carreira e os projetos que vêm por aí.

L’OFFICIEL HOMMES: Como tudo começou?
JONATHAN FERR: Antes de tudo, lembro-me dos meus pais reunidos na sala para assistir ao programa “Pianíssimo”, apresentado aos sábados, na Rede Viva, pelo pianista e solista Pedro Mattar, na década de 1990. Os meus cinco irmãos dormiam mais cedo e eu ficava com os meus pais apreciando aquele momento musical. O formato do programa atendia aos pedidos do público que, ge- ralmente, pedia músicas populares do jazz como Frank Sinatra, Tom Jobim, Duke Ellington. De maneira silenciosa e inconsciente, acredito que isso foi uma forma de mostrar o caminho que eu poderia percorrer dentro da música – e, graças aos gênios da área aos quais tive acesso e à minha empresária e produtora, Tânia Artur, pude construir uma carreira que me permite exibir repertórios diversos e autorais. É muito emocionante trazer esta memória à tona, pois ela foi, inclusive, suprimida da terapia.

L’OFF: Dentro da reflexão do texto, encontramos na nova MPB nomes relevantes como Anitta, Tiago Iorc e Letrux. Por que temos dificuldade em listar nomes da cena do jazz, principalmente na ala mais contemporânea?
JF: O jazz tem um conjunto de estigmas alegóricos empregados que, no Brasil, foi apresentado com distanciamento do imaginário popular. Essa tônica deixou o jazz em uma posição menos acessível. Muita gente enxerga o estilo como uma música complexa e segmentada, para uma elite específica da sociedade brasileira. Para entender o jazz, o cara precisa ter mil vinis em casa, com o mínimo de pesquisa, trazendo uma pseudossofisticação que não existe para o segmento. Como bandeira do meu trabalho, procuro democratizar a minha música e o jazz, pois tem o perfil de mexer com a subjetividade do ouvinte em qualquer lugar e situação. A música atinge cada um de uma maneira diferente. A música instrumental acessa a sua história, a sua subjetividade. O álbum “Cura”, por exemplo, tem pegada sensível, que traz histórias e componentes de maneira lúdica. Quero provocar o ouvinte a vivenciar as possibilidades com as minhas canções. Tenho como objetivo conectar e não entreter. O entretenimento é vazio, mas a conexão é fixa, forte e constante, levando esta experiência para a vida e para o dia a dia.

L’OFF: Você acha que o mercado da música brasileira é democrático?
JF: Acho que depende do ponto de vista. O fenômeno que aconteceu no Brasil e que ajudou a democratizar a música foi o midstream. O “mercado do meio” gerou possibilidades mais populares para divulgar o trabalho com qualidade, budget menor e por meio de uma campanha com distribuição/acesso em diferentes plataformas. Este fato já existia na Europa e agora ganhou força por aqui. Antigamente, um artista para ter algum destaque pre- cisava investir em uma estratégia muito bem definida e mesmo assim não era garantia de sucesso. Sou um artista que não tem os números da Anitta, mas tenho relevância no mercado. Tenho uma gravadora como a Som Livre e estou fazendo shows para um público bacana. Percebo em meus shows um espectador que não é do jazz e acho isto muito interessante. Houve em uma das minhas apresentações a abordagem de uma molecada de 18 anos, que estava ali curtindo o som. Portanto, houve conexão. Cada pessoa recebe de uma maneira a música e isso vai muito de acordo com as vivências, momento, alma e espírito. O meu objetivo é atingir diferentes públicos com uma conexão, reflexão! A música é recebida de outra forma quando falamos de um público mais velho, por exemplo, que também frequenta os shows. São gerações diferentes e é um desafio proporcionar esse engajamento com diferentes pessoas.

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L’OFF: Qual é a sua relação com a moda em sua música e construção?
JF: Eu amo a moda! A moda comunica, ela possui vários signos. Portanto, trago isso com muita consciência para os shows. A maioria dos artistas que observo dentro do jazz tem como preocupação tocar bem. Se esquecem da estética como parte do processo. Quando o público vai ao espetáculo ele quer, claro, escutar uma boa música, mas o visual é o primeiro impacto. É o primeiro contato! Apenas tocar bem não é o suficiente. O artista precisa chamar a atenção de alguma forma e precisa fazer essa comunicação por meio do figurino também. Trago uma moda sempre com influências do afrofuturismo. O que é masculino ou feminino? Roupa de homem ou roupa de mulher? Gosto de buscar esse lugar sem gênero. Acredito que o não gênero é uma tendência. É um lugar futurista. A minha relação com a moda é tão forte que estou desenvolvendo uma linha de joias pra lançar ainda este ano em parceria com o designer Gil Haguenauer.

L’OFF: Você acredita que o movimento do afrofuturismo surgiu como a Tropicália, que veio para dar liberdade de expressão diante da instabilidade política e social daquela época?
JF: Acredito que sim! O movimento já está acontecendo e agora vai explodir. Já existem artistas como o escritor Fábio Cabral, que traz uma literatura focada nessa temática, além de artistas plásticos que pintam com uma perspectiva afrofuturista. Cinema, música e dança também trazem cada vez mais esse conceito. O movimento vai ser mais representativo daqui para frente. Outro ponto que o conceito traz é a questão espiritual e ancestral carregando história e comportamentos. O afrofuturismo é uma tecnologia de sobrevivência preta.

L’OFF: Existe a improvisação como uma das características do jazz em seu som e arranjos?
JF: O improviso acontece sempre. Acho que é a base do jazz, principalmente quando você toca com artistas que conhecem o timing. Essa liberdade que o jazz oferece é muito potente e enriquecedora. Há shows em que invisto em muita improvisação. Gosto de tocar e brincar com liberdade e alegria.

L’OFF: Cura, lançado em 2021, recebeu prêmios e foi considerado um dos 50 melhores álbuns nacionais pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte). Como é receber uma honraria por um trabalho produzido em plena pandemia?
JF: O meu trabalho sempre está conectado às experiências pessoais. Angústias, medos, anseios... São sentimentos que colocamos para fora. Este álbum foi intenso porque foi no auge da pandemia em que a ansiedade estava à flor da pele. Não saber o dia de amanhã, pessoas queridas e próximas falecendo por conta de uma doença sem muito conhecimento. Foi desesperador e ao mesmo tempo enriquecedor, pois mergulhei em mim mesmo. Foi o processo que ajudou a me conhecer. Durante a pandemia encerrei um relacionamento, alguns trabalhos foram interrompidos, toda a turnê já programada foi cancelada; rolou medo da morte, medo da família em perigo, medo de perder os amigos... Realmente, foi um período de ansiedade, com bastante tempo para visitar os quartos escuros. Medo, anseio e aflições ressignificados de alguma forma. Portanto, “Cura” – como o próprio nome diz – veio para curar, como um processo medicinal. Foi um álbum de imersão. Engraçado receber este prêmio porque no final fiquei com muito receio de publicar o trabalho porque me senti exposto. Existe uma música chama- da “Choro”, que representa o meu choro, a minha tristeza. Brinco que este é um álbum noturno, porque é na penumbra da noite que sofremos. A música “Caminho” fecha o álbum, trazendo sons de pássaros, como se isso representasse o nascer de um novo ser humano, com uma nova perspectiva por meio da reflexão. Este álbum é ritual, algo como “música-medicina”. Fez-me aprender que a cura não é instantânea. Tudo precisa de um processo. A cura é a beleza que vemos em nosso olhar.

Créditos:

Foto: R
enan Oliveira
Assistentes de fotografia: Felippe Costa e Bia Novaes
Stylist: Lucas Magnof
Assistente de moda e stylist: Faby Pernambuco
Beleza: Laura Peres, Tania Artur

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