Semana de moda: o que realmente é tendência e o que vai evaporar
Exibimos as nossas apostas de tudo aquilo que entra em cena durante a semana de moda que pode ou não vingar
Tudo aquilo que entra em cena durante a semana de moda pode ou não vingar. E não é assim tão rápido apresentar a coleção e ter certeza de que as peças da passarela vão bombar nos closets dos antenados. É importante ter calma para analisar o que realmente é tendência e o que vai evaporar antes mesmo de o semestre findar. Nas páginas a seguir, exibimos as nossas apostas para deixar o visual conectado aos discursos que elencam da estética dos povos originários ao ritmo cadenciado da lenda do balé russo e à contracultura de Wim Wenders.
ORIGAMIS DE VESTIR
Dona dos plissados mais contundentes da moda, a grife Issey Miyake desfilou a coleção outono-inverno 2024/25 no Palais de Tokyo, num ambiente purista, pontuado pelas peças exibidas na passarela, coladas às paredes como se fossem obras de arte. Nesta temporada, a maison japonesa fez colaboração com o designer Ronan Bouroullec (@RONANBOUROULLEC), que pintou à mão as formas abstratas reveladas nos looks. A apresentação teve três momentos delimitados pela paleta de cor - com brancos, off-white, uva e crus no abre-alas, seguidos por bolds e terrosos no grand finale. Os caimentos esguios contrastaram com silhuetas quadradas, vistas em capas, incluindo alguns acessórios (caso das “clutches revisitadas”), além de uma certa geometria arrematada por sobreposições construídas como no universo Jedi. A coleção masculina apostou também nos entretons do verde, que surgiram em versões sólidas, riscadas por listras e combinadas com nuances ácidas e outras que desafiam as próprias leis da física (leia-se: pink). @ISSEYMIYAKEOFFICIAL
FUNCIONALIDADE DA COR
Entre muitas tendências que surgem nas semanas de moda, ficou claro que o sapato social – substituído pelos tênis há muitas temporadas – parece ensaiar o retorno triunfal ao closet masculino. Pelo menos é o que sonha Dries Van Noten, que usou o par em todos os looks da sua última coleção antes de anunciar a aposentadoria, sempre pensados para combinar com a alfaiataria (re)modernizada, carregada com cachecóis felpudos e com acabamentos rústicos, paletós justos, jaquetas plus, calças cargo, sobretudos lânguidos, camisetas de couro, suéteres enormes e alguns efeitos drapeados. O azul-marinho e o verde-oliva fizeram companhia ao grafite, mas sem destronarem os looks monocromáticos. Bege, preto, camelo, mostarda, vermelho fosco, laranja e até rosa-blush pintaram na paleta de cor do estilista belga. O animal print, o jeans (em versão full) e as tramas do tricô também deram o ar da graça. @DRIESVANNOTEN
COMPASSO CERTEIRO
Configurada no estilo “arena” e com a suíte número 2, de Romeu e Julieta, tocando ao fundo, a École testemunhou o equilíbrio da moda Dior para a temporada inverno 2024/25. Kim Jones conta que tramou o desfile ao pensar na relação entre Margot Fonteyne e Monsieur Dior – e no seu principal parceiro de baile, Nureyev. “Ele (Nureyev) tem muito a ver com a minha trajetória, já que o meu tio, Colin Jones, foi bailarino antes de virar fotógrafo e seu amigo íntimo.” O formato circular conferiu ainda mais graça ao espetáculo, pontuado pela excelente alfaiataria da grife (dessa vez com tecidos encerados e tonalidades foscas), meias três-quartos coloridas, sapatilhas, capas bordadas, camisas brilhantes, malhas coladas ao corpo, blusas transpassadas, calças alongadas, macaquinhos e bermudas. Na cabeça, o mestre Stephen Jones reinventou a boina num entrelace com coques do balé. Para brindar os presentes, Jones – que tomou gosto pela parafernália hi-tech – fez o tablado subir alguns níveis acima dos olhos e girar de forma que todos pudessem admirar a coleção. Um show para levar na memória. @DIOR
ELETROFASHION
Embalado pelo som estridente da música eletrônica do DJ Ken Ishii, Mihara Yasuhiro manteve o radar nas estruturas alargadas e bem arquitetadas da linha que ele apelidou de “Big Silhouette”. O show rolou com pegada disruptiva – numa paisagem em ruínas, com aquário central pirotécnico e team leaders coreografadas (um tantinho surreal para os dias do presente, mas bastante hipnótico). Foi nessa atmosfera que os modelos entraram na pista a bordo de parcas, casacos, malhas exageradas, jaquetas de couro by Isamu Katayama (@BACKLASHFLAGSHIPSHOPTOKYO), itens produzidos com fios brilhantes, fleeces, cardigãs de tricô e pelúcias. O flerte de Mihara com o grunge dos anos 1990 ficou evidente no select de calças cargo de cintura alta, moletons, bombers e nas sobreposições nada caretas. Outro revival veio diretamente da década de 1980: os tênis “Keith”, que ganharam solado em relevo nos moldes dos exemplares de basquete daquela época. O visual foi arrematado por bonés, balaclavas, óculos escuros e bolsas e minibolsas em formatos de dinossauros e outros bichos. @MIHARAYASUHIRO_OFFICIAL
FAROESTE CABOCLO
A Louis Vuitton mergulhou na ancestralidade norte-americana e colocou o colonialismo em seu devido lugar. Pharrell Williams recriou um dos momentos mais sangrentos (e vergonhosos) da ocupação ianque: o “bangue-bangue”. Antes de os europeus pisarem naquele chão, existiam milhares de dakotas e sioux, que foram reduzidos ao número de poucas centenas. Importantíssimo, então, cutucar uma das mais profundas feridas da terra do Tio Sam e escancarar as crueldades do general Custer e de sua gangue branca. Sim, Pharrell foi cirúrgico. Mandar bala na costela de Adão do velho oeste traz à tona a problematização dos invasores num território originário. Mais que isso: fala de povos nativos sendo assassinados. A estética country, forjada na franja e cheia de referências de Touro Sentado e de Nuvem Vermelha é um respiro no fim do túnel. É a certeza de que Custer não ganhou a batalha e de que o indígena tem voz. Ainda que o eco desses gritos de socorro tenha levado mais de 300 anos para serem escutados. @LOUISVUITTON
PERFECT DAY
Exatamente há quarenta anos, o estilista Yohji Yamamoto mostrava ao mundo as suas peças masculinas. Desde então, a moda aprendeu a amar as narrativas dramáticas costuradas pelo designer, aficionado por tons sóbrios e sobreposições ousadas. Para a coleção atual, Yohji – no auge de seus 80 anos – trabalhou o cinema como temática. No casting, o documentarista alemão Wim Wenders brilhou a bordo do duo preferido da label: saia reta e camisa (dessa vez com pinceladas de rosa). Norman Reedus, o caçador de zumbis de “The Walking Dead” também marcou presença na passarela, vestindo roupas agigantadas, criadas tanto em vertentes monocromáticas como com camadas vibrantes. Os modelos, muitos dos quais sexagenários, exibiram alfaiataria performática, quase sempre em tons escuros, como grafite, azul-marinho e púrpura. O vinho fosco, o rouge e o cáqui quebraram a rigidez do show, assim como os coletes, as frases bordadas com fios propositalmente desalinhados, o florido sutil e as interfaces projetadas nos sobretudos. O chapéu, meio western, meio panamá, comprovou que é o fetiche do momento.@YOHJIYAMAMOTOOFFICIA
ESTRANHO NO NINHO
Adepto da estética do absurdo, Rick Owens recebeu convidados em sua casa parisiense para mostrar a coleção “Porterville”, em alusão ao local onde foi criado, cujo único sentimento é o de desolação. “Lembro-me da cidade pela intolerância”, disse. Determinado a ser visto como uma “força de resistência”, ele aproveitou o skyline brutalista e sem firulas, que já foi sede do Partido Socialista Francês, para emplacar o discurso de alerta diante do cenário apocalíptico em que o mundo se encontra. Na passarela improvisada, corpos esquálidos mostraram formas volumosas, num tom à “Mad Max”, trabalhadas no couro e nas lãs de caxemira (reciclada), alpaca e merino. Outros trajes tinham toque espacial, talvez inspirados pelo livro “Duna”, de Frank Herbert, com golas altíssimas, tons de branco e off-white e cinturas afinadas. Rick usou peças de Matisse Di Maggio, feitas a partir de pneus de motocicleta, um modelito cópia Chewbacca, emaranhados de nós, botas infláveis e distorceu as proporções a fim de garantir ares grotescos à série. “Quis que todos observassem o ‘desumano’ e percebessem o quanto os comportamentos atuais são decepcionantes.”@RICKOWENSONLINE