Susana Vieira: Divina, Maravilhosa!
Irresistível, musa desde sempre, chique, divertida e deliciosamente contraditória, Susana Vieira comprova que é a mais poderosa diva da teledramaturgia brasileira.
Quem diria que por trás daquele sotaque elevado, com erres e esses esticados no charme carioca, na verdade pertence a uma alma paulistana? Pois é, Susana, que nasceu Sônia Maria, é dessas raras pessoas que vieram ao mundo para inverter a lógica. Paulistana coisa nenhuma, calma só se for numa outra encarnação, alérgica a açúcar, dona de um humor ácido, inegavelmente impaciente e vaidosa até a última micromecha de cabelo trabalhado no grisalho mais chique que se tem notícia, a diva tem sol, lua e uma constelação inteira orbitando o signo de leão. Se ela fosse norte-americana, já estaria eternizada na calçada da fama, em Hollywood, pertinho de Greta Garbo ou de Bette Davis; se tivesse encontrado Fellini por aí, seria a sua Anita Ekberg e se o sueco Ingmar Bergman botasse os olhos nela, talvez Bibi Andersson jamais existisse.
Com atuações memoráveis, a atriz ajudou a transformar as novelas brasileiras num dos produtos de exportação mais rentáveis da TV Globo. E estamos falando de alguém cuja carreira soma quase seis décadas. “Eu faço parte da história”, diz. “Estreei na Tupi, em 1960, nove anos depois de a tevê chegar ao País. Então, vi cada mudança acontecer, como o maquinário ser modernizado e as cores serem levadas às telas. Depois foram os roteiros que deixaram os enredos fantasiosos de lado para adotar assuntos mais conectados à realidade.”
Susana é uma das poucas artistas que pode se gabar de jamais ter deixado de trabalhar. Na trajetória até aqui, ela sempre esteve na pele de personagens inesquecíveis, da vilã loiraça-belzebu Branca Letícia de Barros Mota, de “Por Amor” (Manoel Carlos) à heroína sangue quente Maria do Carmo, de “Senhora do Destino” (Aguinaldo Silva), sem deixar de fora Lorena Ribeiro, de “Mulheres Apaixonadas” (também de Manoel Carlos), que viveu uma tórrida paixão com um homem mais jovem – que, diga-se, é o seu gosto na vida real. “Todos os meus papéis foram e ainda são intensos, mas acredito que a Maria do Carmo significou uma guinada na minha carreira, pois mostrou a existência de uma mulher nordestina, que migra para o Sul com o objetivo de encontrar a filha roubada e que se torna uma empresária bem-sucedida”, conta ela, que esteve no ar recentemente com Cândida, em “Terra e Paixão”, de Walcyr Carrasco.
Embora seja uma mulher plena, no auge de seus 80 anos – e que coloca muita mocinha no chinelo –, a questão do etarismo a incomoda. “Acredito que ficar mais velha é algo natural. Todos envelhecem. No Brasil existe uma falta de educação enorme da juventude. Falo especificamente daqui porque viajo para o exterior e não vejo esse comportamento sendo repetido. O meu filho mora nos Estados Unidos, e é impressionante a normalidade com que as pessoas vão à praia, por exemplo. Aqui, um corpo maduro é tratado como ofensa. Honestamente, a palavra ‘velha’ é usada como xingamento. Acho pesado. Desproporcional.” Seguindo o tema, Susana Vieira avisa que não entende o porquê de faltarem novelas com protagonistas mais vividos. “A geração atual não assiste tevê, prefere TikTok e YouTube. Por isso é lamentável que faltem scripts para atores experientes. Compare com o cinema europeu ou com a indústria de entretenimento nos Estados Unidos, que buscam validar nomes imponentes para atingir multidões.”
No tempo reservado ao convívio familiar, Susana liberta Sônia. “Sônia Maria é completamente diferente da Susana Vieira. Ela aparece quando estou um pouco assustada ou insegura com o texto, eu a reconheço no ar. A Soninha é brincalhona, leve, não tem problemas. Às vezes eu preciso entrar num barco para atravessar o oceano Atlântico só para pegar de volta uma pitada da Soninha. Essa Susana aqui é um ônus, mas é um ônus abençoado!”, revela a bailarina clássica formada pelo Theatro Municipal de São Paulo – e emenda: “Quem escolheu o meu nome artístico foi o Cassiano Gabus Mendes, que era o diretor da Tupi. Entrei como dançarina e logo ele me convidou para integrar o elenco de dramaturgia. Primeiro fui para a área do humor, com o Ottelo Zeloni, o Walter D’Ávila, o Jô Soares e a Anilza Leoni. E aí o Cassiano perguntou se eu me incomodaria em mudar o nome, pois já havia alguém chamada Sônia. Foi quando resolvi adotar o nome da minha irmã do meio, que nasceu na Argentina. Eu sempre achei lindo como pronunciavam Susana em castelhano”.
Em outras frentes, a artista avisa que está focada em projetos futuros. Há um livro sendo escrito, com previsão para ser lançado no seu aniversário, em agosto de 2023, a performance na peça “Shirley Valentine”, com adaptação de Miguel Falabella e direção de Tadeu Aguiar, e o desdobramento em um documentário sobre a sua biografia. “A minha vida não tem tristezas. É óbvio que tenho dores, acertos e erros, mas, na real, o drama não compõe o roteiro escrito para mim.” E ela segue nesse discurso ao ser indagada sobre os amores. “Sou mais apaixonada pela minha profissão do que pelos homens. Amei tanto os homens com quem contracenei. Entreguei-me a essas paixões. Mas fora da ficção não sofro por amor. Acho que só passei por esse tipo de sentimento no fim do meu primeiro casamento. Depois fui em frente. Controlo as minhas paixões com tranquilidade.” Mulher intensa, “mãe” de quatro pets da raça yorkshire – Bob, Lara, Stephanie [de Mônaco] e William –, adepta de hábitos simples – a sua comida favorita é o arroz com feijão e farofa –, fã do Corpo de Bombeiros e doadora da ONG Médicos sem Fronteiras, Susana é embalada pela música “Viva la Vida!”, do Coldplay.
No currículo completíssimo, ela confessa que gostaria de ter interpretado a viúva Porcina, de “Roque Santeiro”, e avisa que tem duas novelas de cabeceira: “Vale Tudo” e “Senhora do Destino”. “Tenho os pés no chão. Não gosto de sonhar acordada. Tudo o que me proponho a fazer, eu realizo. Ainda ficarei mais dois anos no Brasil, e depois quero me mudar para perto da minha família, nos Estados Unidos, só para colocar o biquíni e ir curtir a praia sem ter que me preocupar com o que os outros vão falar.” Quem sabe em solo ianque, Susana Vieira não conquiste a merecida estrela na Hollywood Boulevard?
Fotografia FERNANDO LOUZA
Edição de moda MARCINHO e FLAMINIO VICENTINI
Beleza PATRICK PONTES
Texto PATRÍCIA FAVALLE