David Azulay é homenageado por Blueman em nova coleção

Sharon Azulay gosta muito de falar sobre família. Não é à toa. A atual comandante da Blueman viu-se com uma responsabilidade imensa nas mãos aos 17 anos com a morte repentina do pai, David Azulay, mítico personagem da moda carioca, em 2009. Filha única, assumiu a barra de entender como funcionava a empresa fundada por ele em 1972, uma das gigantes da moda praia brasileira. Hoje, com 30 anos e dois filhos em casa, vê a roda girar e prepara homenagem ao meio século da casa — mas sem ganas de se fixar ao passado. “Nós fazemos parte da vida das pessoas, dentro e fora da fábrica. Eu digo que não vendemos moda praia, vendemos sonhos”, reflete, trazendo para sua definição de família os funcionários todos, vários com mais de três décadas de ponto. “O legado que herdei não é sobre fazer biquíni. É sobre gente, sobre transformação e comportamento. Tenho uma história viva aqui dentro.”

O mergulho para as comemorações calhou de acontecer durante a pandemia — coincidentemente, batendo com um movimento geral de olhar para dentro. “Passamos momentos difíceis, como todos. Mas soubemos nos reinventar e segurar a onda. Produzimos um milhão e meio de máscaras, mantendo quase mil empregos de forma indireta,” conta Sharon. “Enquanto isso, encaramos o desafio de desenvolver essa coleção sem aquele momento de imersão coletiva no acervo, de tratar do assunto enquanto todos estavam afastados, meio com medo.”

A força do fundador é o grande mote da coleção, que chega às lojas para o verão 2022/2023. Pensada como uma homenagem à figura de David Azulay, paraense filho de peruano e marroquina, que migrou para o Rio de Janeiro e construiu a Blueman na base do instinto. “Em todos esses anos na marca, eu nunca tinha feito uma homenagem de verdade ao meu pai. Então é tudo sobre os valores dele, suas histórias — da feira, que ele amava apresentar, às estampas, às mulheres e a cultura do corpo.”

Entre as reedições planejadas, os grandes clássicos criados por Azulay, que nunca saíram de linha, ganham revisão de olho em dois públicos — aquele que conhece a história e vai ter um gostinho especial de nostalgia e um mais jovem, que respeita a história mas não viveu nada daquilo. Itens que fazem parte da força do beachwear nacional, como o biquíni de lacinho (uma gambiarra de modelagem de última hora que se tornou statement), os maiôs ultracavados e as peças de praia feitas com jeans; além de estampas clássicas do começo da história da Blueman. Um documentário especial também está sendo finalizado, com lançamento previsto para meados do ano. “É um registro que não é apenas sobre a Blue. Não é sobre modinha, são cinquenta anos de praia, a transformação imensa — de comportamento e também dos corpos”, conta. “Ao mesmo tempo, a pessoa que estava ao lado do meu pai, quando ele fez o biquíni de lacinho, está viva. Os gerentes das primeiras lojas, um dos designers está aqui há trinta anos. Tem muita história para ser contada.” Sharon, porém, nem sonha em transformar a homenagem em museu. “Temos essa memória afetiva, é claro, mas não quero ficar só no que já foi. A força está na possibilidade do que ainda podemos ser. Estamos celebrando 50 anos, para ter mais 50,” define, refletindo sobre sua presença à frente da Blueman. “Meu papel nos últimos treze anos foi muito em nome do pai. Assumi isso por ele, abri mão de sonhos para realizar tudo. Teve um preço, mas me orgulho muito do que construímos. Esse legado se transformou, agora eu trabalho em nome dos filhos, para manter essa história para a frente. Isso fez a gente olhar para dentro de outra forma.” E finaliza: “Ser uma marca cinquentenária nos dá a licença poética de ser o que quiser. Não é pra qualquer um”.