Moda

Fause Haten ganha uma vitrine para sua criatividade sem limites

Fause Haten ressignificou sua trajetória e encontrou alento na arte e equilíbrio pessoal e profissional ao entender que seu processo criativo é ilimitado

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Fause Haten - Foto: Greice Emer.

Estilista consagrado, Fause Haten ressignificou sua trajetória e encontrou alento na arte e equilíbrio pessoal e profissional ao entender que seu processo criativo é ilimitado. Exercício que, agora, ganha uma vitrine. Confira!

Depois de uma longa jornada de 40 anos na moda fazendo desfiles com um quê de performance, experimentar novas emoções no palco e transformar tecidos em esculturas, Fause Haten tem segurança e tranquilidade para se definir como artista que faz roupa, não importa a plataforma. Pode ser como figurino, recurso de atuação, para decorar uma parede e, inclusive, vestir clientes que nunca renunciaram a suas criações exuberantes. “Foram cerca de dez anos nesse processo [de autoconhecimento] para entender o que eu sou nesse universo”, explica, acrescentando que chegou à conclusão de que não se sente mais uma pessoa da indústria da moda, no sentido clássico do termo. Durante esse período, estudou teatro e, também, mergulhou nas artes visuais.

 

E foi para unir todos esses “Fauses” que ele abriu um espaço, em setembro, na Rua Bela Cintra, já bem próximo ao centro da capital paulistana. Haten chama o lugar de ateliê porque é onde tudo está sendo gestado, executado e mostrado. “Eu tenho essa forma de criação que explode em vários lugares, em todos os trabalhos que tenho feito”, conta, dando como exemplo uma pintura têxtil intitulada O Namorado – derivada de Eu Sou um Monstro, texto que ele escreveu e em que atuou a partir de um acontecimento na vida do pintor Francis Bacon e seu namorado Georges Dyer. “Havia ali dramaturgia, atuação e selfiescultura com o meu rosto, um autorretrato”, contextualiza.

 

O mesmo acontece com a série Afeto, sentimento que descreve a maneira como Fause vem encarando desafios, funcionários, clientes, processos. “Fiz uma joia, mas eu tenho uma performance com o mesmo nome, que tem a intenção de afetar um corpo pelo peso, volume ou restrição de movimento. Dela, surgem os afetados, que são entidades. E essas entidades têm uma mitologia”, descreve, de maneira poética. Foi repensando, ainda, seu ofício como estilista que ele chegou ao projeto Re + Forma, em que ressignifica uma roupa ou um tecido. Logo na entrada do ateliê está o novo contexto de um vestido adquirido em Los Angeles. “Eu achava essa peça deslumbrante. Você ainda consegue ver a barra, o decote, o zíper, as mangas. É uma obra que eu fiz em 2014. Difícil uma mulher ter uma roupa como essa hoje em dia. Onde é que a gente vai por isso? Talvez a arte seja o melhor lugar”, analisa ele.

 

Esse é o espírito do projeto Ne-Pas-Porter. “Porque não é feito para vestir”, frisa. Há, ainda, trabalhos em que ele utiliza centenas de alfinetes formando mosaicos com pedacinhos de seda, acessórios com pedrarias e perucas virando ornamentos para máscaras. É por esses e muitos outros exemplos que a vibe do espaço é de galeria, inclusive no formato do imóvel que antes abrigava uma lavanderia, nas paredes propositalmente descascadas e as inserções com folhas de ouro transformando rachaduras em intervenções inspiradas na técnica kintsugi, a antiga arte japonesa de reparar cerâmica quebrada. O projeto foi desenvolvido a quatro mãos com a diretora de arte, set designer e amiga Simone Mina.

 

Até agora, Fause atendia suas clientes em um showroom na Mooca, em uma postura fashion low profile que contrastava com as aparições públicas no teatro. Talvez venha daí a percepção de que havia abandonado a moda. Apesar de o novo ateliê ter fachada de vidro, ele reforça que quer manter a estrutura discreta e o atendimento com hora marcada. “Falando muito sinceramente, eu não quero crescer. Não faço liquidação e não tenho numeração porque posso fazer sob medida e entregar em dois dias. Crio peças quando eu tenho vontade, sem preocupação com estação. Minha clientela entende: é pontual, mas assídua”, explica.

 

Mesmo assim, a decisão de comunicar a nova fase o obrigou a sair do casulo. “Têm surgido pessoas novas, há pessoas que me reencontraram. E, já que fiquei tantos anos recluso, em silêncio, acho que devo uma reverência a todas essas pessoas, uma vez que agora tenho uma vitrine”, pondera. Se a entrada do ateliê descortina o “novo Fause”, a ampla sala no fundo guarda a atmosfera de “velho conhecido”. É onde estão as araras repletas de peças exuberantes, que ele vai descortinando em um tour. Começa pelas peças com detalhes dourados: “Isso é um foil que eu fazia nos anos 2000 e que retomei no ano passado. Aqui são os quimonos, que todas as clientes têm. E esses daqui são os jacquards africanos, feitos na Nigéria, que são deslumbrantes pelas estampas e cores”, segue enumerando. Em seguida, passa pelos maxicasacos, pelas camisas brancas esculturais de tafetá, pelas criações de cambraia de linho iluminada e pelos itens sem gênero. “No início, eram apenas femininas, mas os meninos começaram a comprar também.”

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Fause Haten - Foto: Greice Emer.

No seu novo momento pessoal e profissional, o desfile deixou de fazer sentido – o último, uma performance no jardim do Museu do Ipiranga, foi em 2016. “O Paulo [Borges, idealizador do São Paulo Fashion Week] há uns dois anos me chamou para retornar, e eu quase fiquei tentado. Mas hoje tenho certeza de que não há a menor possibilidade. Tem uma turma nova fazendo muito bem-feito, uma energia nova. Eu só voltaria se fosse para fazer uma coisa diferente e no campo das artes”, diz. Eis um aspecto que faz seus olhos brilharem. “Na arte contemporânea, tudo pode ser arte, desde que você apresente como arte. Percebo que as pessoas consideram que eu não apresentei [desfiles com estrutura de performance] como arte. Eu apresentei como moda. É preciso de fato ser uma performance e não um desfile. Ter um texto justificando a montagem, um curador, um museu apresentando como arte”, explica. Apesar de não estar formatada, é uma ideia que tem tudo para acontecer em breve. Já estamos ansiosos, Fause!

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