Lino Villaventura: poesia visual em 70 anos
Celebrando uma vida de poesia visual, Lino Villaventura transforma oficialmennte seu legado em peças de museu
O tempo é um conceito manhoso. Você pode encará-lo como uma questão linear, com acontecimentos que vão se empilhando em sequência, ou talvez cíclica, repetindo-se com as pequenas variações da vida. Para Lino Villaventura, porém, ele corre diferente. O criador, que completa 70 anos agora em setembro, molda seus ciclos em uma realidade paralela da moda, agarrado em um trabalho visual muito próprio.
“Eu fazia da maneira que conseguia. Me metia e aprendia na intuição. Tudo isso criou uma forma diferente de modelagem e me deu o caminho de uma roupa muito própria e de personalidade,” relembra esse inventivo paraense sobre seus primórdios no final da década de 1970, já radicado em Fortaleza – cidade de onde nunca tirou sua produção, cheia de manualidades sofisticadas, impossíveis de acontecer em qualquer outro lugar do planeta. O caminho para a moda foi quase um acidente, transformando o aspirante a arquiteto em um estilista autodidata que se tornaria um dos criadores mais importantes da moda brasileira.
Mais de 40 anos depois, durante os lockdowns, Lino se viu encarando um acervo imenso de criações, acumulado por toda a sua trajetória, e que precisavam de cuidados maiores. Daí veio a decisão de praticar um imenso desapego e entregá-las a mãos especializadas. Parte foi para a Casa Zuzu Angel, no Rio de Janeiro, com produções que tinham a ver com a capital fluminense. Outras 100 peças agora fazem parte da coleção de moda do Museu de Arte Brasileira da Faap, em São Paulo. “É uma doação fundamental para o nosso acervo. Vamos cuidar para que durem a vida inteira, para estarem aqui daqui a 50 ou 100 anos”, diz Fernanda Celidônio, diretora administrativa do MAB, que está à frente do recente esforço do museu em pre- servar a história de estilistas brasileiros contemporâneos.
Entre as roupas estão trabalhos pinçados de desfiles icônicos de Lino – como a coleção Pássaros, de 2010 – e que você vê nestas páginas em editorial especial fotografado por Miro, outro mestre da moda nacional, que trabalha com o estilista desde os anos 1980 e com quem já fez até um desfile-happening, quando montaram uma sessão de fotos ao vivo no meio da passarela, em 2016. De tão parceiros, os dois já se comunicam por olhares e códigos, transformando em sinergia criativa uma relação que vale um livro de histórias.
No acervo afetivo, que ficou com o estilista, estão peças como a primeira que costurou na vida. “Queria dar um presente de Dia dos Namorados para a Inez, que é minha sócia até hoje, e fiz um colete que era todo bordado”, conta. Foi a partir desse mimo que Lino começou a chamar atenção da sociedade de Fortaleza, até ser rebatizado (sem pedir, nem ser consultado) por um jornalista com o nome Villaventura – referência à Vila Ventura, por onde morava na capital cearense na época.
Com o novo nome em mãos, a primeira loja viria em 1980 e as atenções pela década seguinte cairiam todas sobre esse “estilista exótico” que vinha de fora do eixo sudestino. “Era um trabalho autoral em uma época em que a moda brasileira era basicamente uma moda de cópia. Ninguém tinha coragem de fazer um trabalho autêntico e de identidade forte. Já eu só conseguia fazer se fosse assim”, define. Seria o início de uma história que mescla figurinos para Ney Matogrosso, peças de teatro e Bocage – O Triunfo do Amor, clássico do cinema nacional, clientes como a socialite Carmen Mayrink Veiga e a apresentadora Xuxa e uma série de desfiles-show históricos – seja em Quioto, a convite do Itamaraty, seja pelo Brasil. Ele é o único estilista a ter participado de todas as edições do SPFW, desde quando o evento ainda se chamava Morumbi Fashion. Pulou apenas a última edição por não simpatizar muito com as impossibilidades de uma semana de moda virtual – e não vê a hora de voltar a fazer drama ao vivo na passarela.
Mas... drama? Apesar de esse adjetivo sempre ter sido associado a suas apresentações, Lino jura que não é proposital. “Eu não penso nisso, não tenho a consciência de fazer drama. As coisas acontecem. Existe uma coisa teatral que me atrai e é muito forte, talvez fique uma coisa dramática por conta disso”, despista, enquanto mostra, na galeria do iPhone, a imagem vampiresca da modelo Marina Dias, com lentes brancas e seios de fora, para o desfile de verão 1997, um dos ápices da moda nacional. “Gosto de uma coisa forte de imagem. E às vezes causa surpresa até em mim mesmo. Não imagino que vá sair daquele jeito.”
Lino é supercontrolador da própria imagem, seja em desfiles e editoriais, seja nas selfies de academia em seu Instagram pessoal, mas garante que a idade o fez mais soft: “Aprendi a delegar funções”. Sua estética também amaciou com o tempo. Não que nervuras, bordados intrincados, texturas poéticas e volumes geométricos, com que se habituou a emocionar a plateia e agora ganham status oficial de obra de arte, tenham ficado para trás. “Eu faço sempre uma roupa diferente, não restam dúvidas. A mais simples que eu possa fazer terá um trabalho diferenciado. Mas é tudo uma questão de fases. Uma hora você quer impor um trabalho bem conceitual e intrigante. Hoje em dia já não penso tanto assim, diria que meu trabalho está focado em um processo mais fácil”, conta, logo após vestir Luciana Curtis com um vestido que demorou pelo menos três meses para ficar pronto.
Já para os 70 anos, Lino nem dá confiança. “Não me sinto com essa idade. Acho que essa história de envelhecer vem muito da cabeça da pessoa”, reflete. “A única coisa que ainda me incomoda é saber que tenho um tempo limitado, mas não tenho de pensar nisso. Nunca fui muito de planejar o futuro. Então, estou vivendo o agora.” Não disse que o tempo para ele corre diferente? Celebremos o presente.
DIREÇÃO CRIATIVA: Ítalo Massaru
FOTOS: Miro
PRODUÇÃO DE MODA: João Paulo Durão
BELEZA: Marcos Costa com produtos NATURA
VÍDEO: Raphael Pacheco
MODELO: Luciana Curtis
PRODUÇÃO EXECUTIVA: Octávio Duarte
ASSISTENTE STYLING: Giovanna Gobbi
ASSISTENTES DE FOTOGRAFIA: José Alves de Morais e Jorge Maluf
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO EXECUTIVA: Bruna Andrade
RETOUCH: Alt Retouch
AGRADECIMENTOS: Acervo do Museu de Arte Brasileira - MAB FAAP, Fernanda Celidonio, Catering SHEKINAH