Moda

Oskar Metsavaht fala com exclusividade sobre sua carreira e marca

Com leveza e muito entusiasmo, Oskar Metsavaht convida a um mergulho no seu universo

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Oskar Metsavaht - Foto: Roger Fernandes / Beleza: Adriana Bossens.

O gaúcho Oskar Metsavaht poderia morar em qualquer lugar do mundo, mas escolheu fincar os pés no bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro. Foi amor à primeira onda. O surfe pode até não estar mais na agenda diária, mas tudo o que ele simboliza mais o lifestyle cool carioca guiam seu processo criativo, seja na Osklen, seja nos projetos artísticos ou sustentáveis que ele conduz aqui e internacionalmente. Na sua visão, está tudo interligado. Olhando, de preferência através de um viewfinder, Oskar está sempre atento a todos os detalhes, mesmo delegando. Com leveza e muito entusiasmo, ele convida a um mergulho no seu universo.

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Foto: Igor Kalinouski.

Para Oskar Metsavaht, não há ruptura entre moda e arte. No seu processo criativo intenso e disruptivo, um universo está interligado ao outro. A conexão é uma questão de lifestyle e elementos de estilo, com o mar e a areia de Ipanema, a calçada em off-white e preto, o sol, o asfalto, o bairro e a brisa inspirando. É uma costura soft, que vem sendo construída desde que recebeu o convite para criar um traje para uma expedição no Aconcágua, Chile, em meados dos anos 1980. Nessa época, estava fazendo o último ano de medicina. Misturando conhecimentos técnicos e intuição estética, criou uma roupa eficiente e bonita que logo viralizou entre os amigos, assim como ele, praticantes de esportes ao ar livre. “Foi então que decidi abrir uma lojinha em Búzios para mostrar as peças e as fotos que eu tinha feito nos Andes. Eu não comecei como um comerciante”, explicou ele à L’OFFICIEL em um início de tarde no hotel Janeiro, no Rio.

Foi assim, despretensiosamente, que nasceu a Osklen – junção do nome dele e da então namorada e sócia, Milene. É provável que Oskar não vislumbrasse a imensa onda que viria surfar em uma área completamente diferente e que lhe daria reconhecimento internacional. Hoje, 35 anos depois, o designer – e a marca – construiu um prestígio único. Já negociou com o poderoso conglomerado Kering – na época, PPR –, passou pelas Alpargatas e agora tem como sócio o grupo Dass. O DNA da grife é sinônimo de sustentabilidade sem utopia, ou, como ele prefere definir: “As sustainable as possible”. E isso inclui a criação do Instituto-E, em 2004, para pesquisas de novos materiais sustentáveis e tecnológicos, como o AquaOne, tecido concebido para o surfe em 2017 e produzido a partir de PET reciclado pós-consumo.

 

O grande case é a pele de pirarucu, que ganhou recentemente edição comemorativa de 15 anos. O beneficiamento do couro sem o uso de metais pesados – processo realizado pelo curtume carioca Nova Kaeru – e sua utilização em roupas e acessórios deu a Oskar o status de “Future Maker” no estudo Deeper Luxury Report, da WWF Reino Unido, em 2008. A bolsa Flap Shoulder Pirarucu está no acervo do prestigiado Victoria & Albert Museum, em Londres. A Courrèges utilizou o material na collab para o verão 2020. Rick Owens também se encantou. 

Para Oskar, é um luxo do século 21. Ele também foi um dos primeiros a se interessarem pelo cultivo de algodão orgânico, no Ceará, em 2000, em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Atualmente estão em andamento experimentos com biotecidos a partir de plantas como angico. Com a consciência de carregar o sobrenome que em estoniano significa “guardião da floresta”, Oskar é embaixador da Boa Vontade da Unesco para Sustentabilidade e Década do Oceano.

 

Estilista, para ele, como alguém que moldou um estilo, Oskar costuma criar o conceito de seus trabalhos a partir de sutilezas. Quase sempre uma sensação ou uma emoção, como a chuva de verão em um fim de semana em família que gerou a coleção Monções. Junto com Juliana Suassuna, diretora de design de moda que começou como estagiária e está há 22 anos na marca, feeling vira coleção. Hoje, os três filhos – Caetana (31), Thomas (28) e Felipe (25) – estão envolvidos nos negócios da família. “A gente quer se divertir fazendo”, contextualiza Oskar.

Neste mês de outubro, sai a primeira cápsula desenvolvida pelo trio, que já ganhou o apelido de Nova Geração (NG). “Eu participei, mas fiquei bem distante”, conta o designer, sem esconder o orgulho. Deu tão certo que agora os filhos integram a equipe de estilo. Foram eles, ainda, que deram gás à Oskar para retomar o controle da marca e vislumbrar a Osklen completando 100 anos como símbolo de cultura brasileira contemporânea, com simplicidade e sofisticação cool em perfeita sintonia. “O país representa vida. E se você for vir a Osklen, ela representa essa joie de vivre, é uma mistura jovem de sustentabilidade nesse cenário de transformação”, avalia.

A arte – pintura, escultura, fotografia e filme – entra nesse contexto, segundo ele, pelo poder de evocar emoções e criar conexões, inspirar a ciência e vice-versa. Sua produção não é pequena. Entre vários trabalhos, a exposição 90 | 25 – Ícones e Arquétipos celebrou os 90 anos do Cristo Redentor e os 25 anos de inauguração do Museu de Arte Contemporânea projetado por Oscar Niemeyer. A série de fotografias Interfaces // Homem // Cosmos // Florestas, a partir da sua vivência em um ritual xamânico com a tribo Ashaninka, da aldeia Apiwxa, no Acre, ocupa o sexto andar da torre Mata Atlântica, do Hotel Rosewood São Paulo. Para o Museu da Imagem e do Som (MIS), levou a instalação multimídia Soundtrack. Ocupando o seu studio OM.art pela primeira vez com uma exposição própria que segue até o dia 3 de novembro, Oskar reúne na exposição Neotropical – Fragmentos de Memória obras em técnicas, plataformas e de períodos diferentes, com seu olhar sobre uma Ipanema tanto idílica quanto concreta.

 

L’OFFICIEL A Osklen sempre esteve conectada ao lifestyle carioca, despretensioso, ecológico e cool ao mesmo tempo. Como isso começou? 

OSKAR METSAVAHT A Osklen começou com um casaco de neve. Uma roupa técnica de expedição, mas, como eu morava no Rio de Janeiro, surfava e sempre apreciei a cultura de praia, o equilíbrio do urbano com a natureza, da cidade cosmopolita com a simplicidade da beira da praia, isso tudo começou a me influenciar e ali, nos anos 1990, dava para perceber esse momento [de visibilidade internacional] que o Brasil e o Rio de Janeiro iriam viver. Nosso estilo de vida é apreciado no mundo todo, e então eu comecei a compreender, a observar comportamentos, desejos de coisas e a transformar [estilo de vida] em objetos de design, coleção, cores sob um aspecto cosmopolita. Sempre tive um olhar universal, de fora para dentro, talvez por não ter nascido no Rio sempre achei a gente cool and brazilian.

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Foto: Igor Kalinouski.

L’O Tudo embrulhado em um conceito de simplicidade sofisticada? 

OM Sim, um estilo de vida em que o simples é o sofisticado, em que hedonismo, o caos e o amor são interessantes. Toda essa coisa de Rio de Janeiro é interessante porque nós somos bonitos, saudáveis, sensuais. Nós, cariocas beira de praia, nós, beira de praia Ipanema, nós, Brasil. Então o meu Rio de Janeiro, minha Ipanema, quando eu falo, não é o bairro, é um estilo de vida. Foi uma forma de simbolizar a nossa cultura e trazer algo original, senão seria uma marca copiando coisas de fora. 

L’O De certa maneira, tudo isso parece resumir sua visão do passado como médico, o Rio e sua mente criativa... 

OM Veja a forma do tênis, por exemplo. Eu queria um tênis para que a gente andasse mais próximo da terra durante as caminhadas, desde subir a Pedra do Arpoador, andar na areia ou ir a uma festa, porque [andar] descalço é que é ortopedicamente saudável. Daí eu digo que o estilo da Osklen é como chegar em casa, tomar uma ducha e decidir dar uma caminhada no calçadão de Ipanema para ver o pôr do sol. E você vai escolher uma roupa que seja confortável, mas que tenha um estilo interessante. Imagina... você tem a cidade com esses prédios, a [Avenida] Delfim Moreira, os hotéis, a [Avenida] Vieira Souto, e tem toda a natureza. Se convidarem você para um luau na praia, você pode ir porque está bem vestido. Ou se convidarem para um jantar ou uma festa em um apartamentão ou hotel como o Fasano ou Janeiro, também. A Osklen é uma roupa relax e tem versatilidade.

 

L’O Estou achando que toda a sua trajetória se baseia no amor de de alguém que adotou o Rio... 

OM Eu acho que sim, que isso aguça o olhar. Meus amigos começaram a ver minhas fotografias e a perguntar onde era o lugar [ele aponta para uma foto de cenário em preto e branco na parede], e eu dizia: “É aqui na frente”. Vim com 23 anos, estou com 63, então já são 40 anos. Vou fazer uma festa de 40 anos sendo carioca (risos). Eu escolhi viver no Rio de Janeiro pelo estilo de vida, por poder estar em uma cidade cosmopolita com a vantagem de ter cultura de praia, poder surfar, que era um esporte que eu gostava de fazer, e ter uma profissão, porque eu vim como médico. 

L’O Você descreve a Osklen como uma marca para o mundo, apesar desse olhar voltado para o lifestyle carioca. 

OM Eu não faço roupa para o carioca. Faço roupa para mim e – a Ju [Juliana Suassuna, diretora de design de moda] também – para pessoas que gostam desse estilo de vida. Talvez seja por isso que a Osklen foi bem compreendida. Olha só a experiência que a gente teve no Japão: chegamos a ter três lojas, além de Itália, França, Portugal, Grécia, Nova York, Miami, Punta del Leste, Buenos Aires. E gosto de dizer também que a Osklen é meio uma ponte aérea Rio-São Paulo. Mas muita gente achava que a gente só sabia fazer moda praia, e daí surgiu nosso propósito de fazer design de moda no fim dos anos 1990 e início de 2000. Assim surgiu o nosso ateliê. Eu considero um luxo nosso estilo de vida e ao mesmo tempo o considero descolado. Para isso, eu fui estudar para entender o que é criar um estilo. Eu sou um estilista porque criei um estilo, não estilista porque faço roupa. Fazer roupa é outra coisa, é ser designer de moda. Criei um estilo para a Osklen, o Janeiro, o Instituto-E.

 

L’O Você planeja retomar os desfiles? 

OM Não sei. A gente sente falta porque desfile é um statement, um palco onde você deve apresentar uma proposta nova, um trabalho bem-feito, alguma coisa que, subliminar ou objetivamente, conte uma história. Mas a gente quer fazer alguma coisa. Talvez filme, performance, exposição. Há o desejo de se desafiar. Afinal, trabalhar com moda é para ter esse prazer. Como negócio, existem outros muito melhores e mais fáceis do que moda. Moda é complexa, moda é muito vulnerável a movimentos econômicos... várias coisas. Para contar uma história por meio de uma coleção, olha a complexidade: são, sei lá, 700 itens, e para nós tudo tem um significado. 

L’O A partir do seu processo criativo? 

OM É assim: eu conto uma história, uma experiência que eu tive, que eu imaginei. Às vezes são experiências emocionais, sensoriais, às vezes são objetivas.  Eu sou muito imagético. Converso com a Ju, que traz as referências dela de moda e de design, e a partir disso a gente cria os nossos personagens, os croquis, que a Ju faz. Na passarela, para mim, estão meus alteregos, eles e elas, obviamente. Uma vez, há mais de dez anos, em uma dessas entrevistas internacionais, pediram a algumas pessoas conhecidas que falassem sobre mim. O Vik Muniz falou uma coisa bem legal: “O processo criativo do Oskar é como o de um diretor de cinema”. É isso. Eu não tenho a técnica de desenhar uma coleção. Óbvio que sei fazer e organizar tudo, mas vejo muito como um filme.

 

L’O O Projeto Pirarucu Fish Skin pode ser entendido como consequência direta da sua primeira imersão na Amazônia, em 1994? 

OM Não diretamente. Naquela [viagem] não estava à procura de algo específico. Fui porque alguns biólogos do Jardim Botânico pediram para eu fazer a roupa da expedição e me convidaram para ir junto. Indo com eles, fui com outro olhar e vi aquela riqueza da biodiversidade e, ao mesmo tempo, todo o ataque massivo que existe pela Amazônia. [Naquela época] já havia entendido a visão do desenvolvimento sustentável, e daí parti para usar o algodão orgânico da Bahia, o hemp que vinha de fora, mas eu queria uma coisa que viesse da biodiversidade da Amazônia. Já havia a pele de salmão dos noruegueses que a gente importa e experimentos com tilápia quando vi a pele de pirarucu. Com o uso da carne, o peixe estava quase extinto nos anos 1980, mas nos anos 1990 começou o projeto do Ibama junto com algumas comunidades para implantar fazendas de pirarucu com todo um manejo sustentável, só que para a alimentação. A pele era jogada fora. Daí a Nova Kaeru fez testes [com a pele do pirarucu]. Sugeri lá atrás para eles serem um curtume sustentável, sem metais pesados. 

L’O Como a pele de pirarucu é sazonal, como vocês planejam a inserção do material nas coleções? 

OM É luxo porque é escassa. A gente tem limitações. Às vezes têm “colheitas” maiores, a Nova Kaeru faz estoque e a gente participa desse momento. A gente faz de acordo com o que tem. A Fundação Amazônia Sustentável pediu para a gente ajudar a montar um curtume para [a pele] sair de lá já com valor agregado para as comunidades, para elas não venderem somente a carne e a pele do peixe [in natura], mas poderem fazer o primeiro beneficiamento. A gente vai ajudar a ter escala de uma forma sustentável, com impacto social. O que está acontecendo é que estamos vendo muitas cópias feitas com uma pele que não é sustentável. É uma pena, eu me preocupo com isso estragar a potência do pirarucu e seu simbolismo. A gente enxergou lá na frente, que ele seria – e que eu acho ainda – o principal ícone do conceito de novo luxo do século 21.

 

L’O Um símbolo de novo luxo saído do Brasil? 

OM Não acho que alguém vai enriquecer com pirarucu, mas cria-se um conceito e uma cadeia produtiva para a Amazônia. Simbolicamente demonstra que se nós olharmos para a biodiversidade de lá com esse espírito de inovação, sacação, design, transformação, hands on – foram 15 anos para desenvolver isso –, vamos ter coisas uniques, coisas que são um verdadeiro luxo do século 21. Por exemplo, a primeira-dama, Janja, escreveu dizendo que o governo brasileiro quer dar de presente para os presidentes do G20 [a Cúpula de Líderes do G20, que acontece nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro, com a presença das lideranças dos 19 países-membros, mais a União Africana e a União Europeia] e para as primeiras-damas itens de pirarucu: uma pasta para eles e uma bolsa para elas. O pessoal do Lide [Grupo de Líderes Empresariais – o encontro aconteceu em setembro] tem um encontro com o Macron, e quero levar de presente uma bolsa para primeira- -dama da França [Brigitte Macron]. Tem uma foto da Janja e o Macron com a bolsa de juta da Amazônia. [A bolsa de pirarucu] está no Victoria and Albert Museum, tem foto da Gisele usando no aeroporto. A ex-primeira-dama da França Carla Bruni tem e a Madonna, também. Faço parte do grupo que criou o conceito de new luxury em 2004. Eu tinha ido com o Benki [Benki Piyãko, líder indígena, educador, ativista ambiental e defensor da bioculturalidade e dos direitos humanos dos povos  indígenas] e o governador do Acre, Jorge Viana, para falar de moda junto com espanhóis e italianos. Eu fazia uma comparação do luxo europeu, do saber fazer, com a nossa biodiversidade. Esse é o novo luxo.

 

L’O Você falou da preocupação com o manejo e a pesca do pirarucu, das famílias ribeirinhas. De alguma maneira, talvez por meio do Instituto-E, vocês estão trabalhando a preservação do peixe?

OM Não somos nem nós. [Essa ação] começou com o projeto [do Instituto] Mamirauá de manejo sustentável nos anos 1990 por causa da carne, que inclusive virou gourmet e o Brasil exporta. Como a pele do peixe sobra, nós aproveitamos. O Instituto-E atua no projeto pirarucu, mas não somente: tem a juta da Amazônia, que era usada somente para saco de café, látex da Amazônia… A gente gosta de criar blends, de fazer design de tecidos não só sustentáveis, também tecnológicos.

L’O Lembra o que sentiu na primeira vez em que viu a Floresta Amazônica?  

OM Acho que a primeira coisa, sobrevoando, foi aquela extensão de verde. A chegada a Manaus foi frustrante. Mas, depois, saí de barquinho e lancha pelos igarapés, naquela água preta do Rio Negro, que brilha com a luz. Você tem uma visão horizontal, e quando você olha para cima tem aquela coisa majestosa das árvores e o barulho dos pássaros chegando à noite. É o que lembro da primeira vez. Das outras, me apaixonei pela cultura indígena.

 

L’O A partir dessa experiência e da proximidade com os indígenas, na sua opinião é possível falar de futuro sem pensar em ancestralidade?  

OM A tecnologia está nos levando para um mundo desejado pela humanidade, com a biotecnologia nos permitindo viver mais. Estamos conquistando muitas coisas. Só que a gente está se digitalizando muito. Óbvio que a gente vai virar uma mistura disso tudo no futuro. Quanto mais a gente se desprega da natureza e dos conhecimentos ancestrais, acho que a gente se perde como sociedade. Então [é preciso] olhar para os conhecimentos ancestrais que, na verdade, é olhar para a nossa própria infância. Quando crianças, somos seres primitivos. Eles [os indígenas] ainda preservaram as primeiras experiências da nossa relação com a natureza: olhar a Lua, entender a Lua, a gestação, o Sol, as estações, os animais, as plantas, a chuva.

 

L’O Da sua imersão na terra dos Ashaninka surgiu coleção e filme. Como produzir sem esbarrar na apropriação cultural? 

OM Quando fizemos a coleção Ashaninka, eles me convidaram para participar do ritual anual de ayahuasca. A coleção foi desfilada nos Estados Unidos, e na época estava tendo uma crítica muito grande sobre apropriação cultural.  E a Osklen foi reconhecida como [exemplo] de não fazer apropriação cultural. Eu fui até os Ashaninka para fazer um projeto artístico e espiritual, levei câmeras fotográfica e de filmar. Eles me convidaram para criar um símbolo para eles. Olha que legal, um ocidental. Encontramos lá um casal belga de antropólogos que passou oito meses estudando o significado das tatuagens indígenas. Eles me passaram o rascunho do livro que estavam preparando para eu entender mais ou menos o significado de cada um. Fiquei quatro dias fotografando com o zoom. Eu gosto de ver a vida pelo viewfinder. Acho que ajuda a ser objetivo. Eu sabia que estava colhendo as imagens para fazer o meu trabalho. Tem umas imagens lindas com o pajé, o guardião. Eram quase 200 lideranças indígenas. Antes de começar o ritual, o Benki me explicou o significado de Ashaninka: o povo das estrelas. O céu estava malhado, [o ritual] é feito em maio/junho porque é época de seca e é possível enxergar o céu com maior nitidez. Foi mais um dos bons presentes da vida, fiz minha viagem metafísica. Eles dizem que no ritual o espírito das estrelas se comunica com os espíritos da floresta. É uma oportunidade de nos encontrarmos em outra fase da nossa evolução. O homem sempre tirou tudo da floresta. Nós estamos no século 21, é hora de darmos de volta para a floresta, então, simbolicamente, pensamos em pegar essas tatuagens que vieram da floresta e dar de volta para a floresta em formato de videoinstalação, projetada nas árvores.

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Foto: Igor Kalinouski.

L’O Em 2006 você criou o Instituto-E para pesquisas e desenvolvimento de matérias-primas. Qual o balanço que você faz desse projeto? 

OM Ele é o nosso laboratório de pesquisas. É nosso parceiro. O Instituto-E não é da Osklen, é independente. Se é desenvolvimento sustentável, não pode ser uma vantagem competitiva só para a gente. Com ele, é possível analisar o nível de comprometimento da parte social, ambiental e cultural. A gente testa, experimenta, transforma. O Instituto-E pega os inputs da nossa equipe de design e analisa a capacidade de empoderamento e de transformação dos materiais. Daí vem a capacidade produtiva e a sazonalidade, a checagem das certificações em cada parte do processo. A gente tem uma exigência [de ações sustentáveis] via Osklen ASAP, “As Sustainable As Possible”. O instituto é um hub de instituições de pesquisa, acadêmicas, indústria, cooperativas, ONGs etc. Então, a gente consegue pegar um projeto, organizar parte ou toda a cadeia. A gente está transformando a indústria brasileira, e os nossos números são incríveis. Uma coisa que você pode escrever é que a visão de sustentabilidade do grupo Kering é nossa.

 

L’O Explica essa conexão? 

OM Nos anos 2000 todo mundo vinha para cá. Os benchmarks  na moda eram Havaianas, Lenny [Niemeyer], Salinas, o Alexandre [Herchcovitch] e a Gloria [Coelho]. Para nós, era moda e lifestyle. Foi um mergulho [da Kering] dentro da Osklen por dois anos. Em 2011/2012, eles já haviam conhecido os nossos conceitos de sustentabilidade quando convidei o François-Henri Pinault [presidente do grupo de luxo francês] vir para cá. Fiz uma apresentação da Osklen para ele. A gente abriu os métodos, números, tudo. 

L’O Havia uma expectativa na época de você se unir ao grupo Kering (até 2013 se chamava PPR)?  

OM O primeiro grupo que nos procurou foi o LVMH, quando os benchmarks para eles éramos nós, Fasano e H.Stern, consideradas as três marcas de luxo do Brasil. Seus executivos queriam entender o mercado de moda. Nesse meio tempo, a LVMH compra a Sack’s Cosmetics [a compra de 70% do site brasileiro de cosméticos foi em 2010],  que migra o nome para Sephora. Com o Pinault, foi uma tese de Harvard em business. Ele veio com o CEO de cada uma das marcas do grupo. Gostou da apresentação e no fim pensou na Osklen para o segmento lifestyle, mas outra pessoa da equipe defendeu o segmento de luxo, que era tudo o que eu queria. Durante um ano e dez meses vieram para cá os CEOs da Stella McCartney, Balenciaga e Alexander McQueen para sentar junto com os meus executivos. Estava para fechar [o negócio], daí liga o François para dizer que recebeu um relatório de que o Brasil estava hipervalorizado em, no mínimo, 30% e que iria desistir de fazer aquisições no Brasil por um tempo até a situação se acomodar. Depois disso, a Alpargatas propôs uma negociação e eu entrei pela possibilidade de expandir a marca, a exemplo das Havaianas, que foi internacionalizada. Só que eles não tinham know-how para nós. 

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Foto: Igor Kalinouski.

L’O Você acha que ainda existe alguma possibilidade de retomar o diálogo com a Kering ou outro grupo internacional?  

OM Quando a gente estava saindo [das Alpargatas], eu pensei em escrever [para a Kering]. Mas agora eu tenho sócios, está legal o projeto com eles [Grupo Dass]. É uma empresa familiar, eu gostei disso. 

L’O Atualmente, você tem apoio dos três filhos na marca. Como tem sido, como pai e empresário, dar espaço à nova geração? 

OM Eu pensei em desistir da Osklen, mas eles disseram que acreditam na marca. Isso foi há uns três anos. Daí há um ano e pouco, meus filhos, Caetana, Thomas e Felipe, passaram a fazer parte do conselho de estilo, a gente se reúne para pensar marca e estilo. São reuniões pré-coleções ou durante o processo, inputs para mim e para a Ju. Eles sempre ajudaram a fazer algumas peças – fizemos uma cápsula com a Caetana [em 2019]. Há cerca de um ano a Ju teve a ideia de fazer uma cápsula com os três. A cápsula substituiu os desfiles, é o nosso momento de testes, de inovação. Eu participei, mas fiquei bem distante. Achei, principalmente o feminino, superchique. Foram 12 looks, cerca de 50 peças, que chegam às lojas em outubro. Eles assinam NG, mas a gente está chamando de Ateliê por ser um exercício criativo.

 

L’O É o início de algo maior? 

OM Se for interessante, a gente segue com novos produtos e linhas. Para a coleção de inverno 2025, a Ju chamou eles novamente, mas não vai ter uma cápsula. Eles entraram na equipe, por assim dizer.

L’O O Thomas está envolvido na produção dos filmes da Osklen. O que, aliás, ganhou dimensão pela sua paixão por filmar desde muito jovem. Você enxerga essa mesma aptidão nele? 

OM Enxergo. Como eu vivia com câmera na mão quando eles eram pequenininhos, eu colocava eles para ver o mundo pelo viewfinder. Me lembro que o Tom já segurava a câmera, ele fazia fotos de detalhes. Os três sempre viram os lançamentos dos filmes que eu fazia. Eu falava para eles que deveriam fazer design e comunicação porque o mundo ia ser isso, independentemente de ser uma profissão. A namorada dele é produtora. Participou de Navalny, que conta a história do líder da oposição russa, Alexei Navalny, e ganhou um Oscar [de melhor documentário].

 

L’O Além da sua atuação na Osklen, você tem outros interesses, como o estúdio OM.art. E agora há sua primeira exposição nesse espaço físico, que fica no jóquei. 

OM Gosto de experimentar, de contar histórias em várias plataformas: moda, filme, desfile, arte, e tenho a cara de pau de querer expor. Essa exposição é sobre meu olhar sobre Ipanema. Sempre fotografando, fiz a primeira exposição de fotografias dessa série Ipanema [em 2011, na Miami Art Basel]. Depois fiz o filme Ipanema em superoito. Nasci nos anos 1960, então minha estética é bem sessentista e, então, modernista. A exposição começa com fotografia e filme, tem as cerâmicas que fiz para a Portobelo. São exercícios de composições.

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Foto: Igor Kalinouski.

FOTOS DO EDITORIAL: Igor Kalinouski.

DIREÇÃO CRIATIVA: Marcio Banfi. 

POR: Silvana Holzmeister.

STYLING: Samara Baccar e Tainara Wollmer.

BELEZA: Patrick Pontes (CAPA).

ASSISTENTE DE BELEZA: Chris Ravenna.

MODELOS: Isadora O. e Karol Bonella.

ASSISTENTE DE FOTO: Nicolas Pafernovas.

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Alessandra Della Rocca.

CAMAREIRA: Daniela Gomes.

RETOUCH: Marcos Nascimento e Jessica Oliveira.

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