Ronaldo Fraga passa a limpo sua trajetória em livro biográfico
Ronaldo Fraga passa a limpo sua trajetória em livro biográfico em formato de entrevista conduzido pela jornalista Sabrina Abreu
Longe das passarelas desde 2020, Ronaldo Fraga passa a limpo sua trajetória em Memórias de um estilista coração de galinha, livro biográfico em formato de entrevista conduzido pela jornalista Sabrina Abreu. Confira!
Ronaldo Fraga conta que a morte nunca o assombrou, mas a perda da memória sim. Foi por isso que a oportunidade de colocar no papel sua trajetória profissional e história de vida pareceu atraente. O convite foi da jornalista Sabrina Abreu, que durante nove anos conduziu entrevistas e acompanhou de perto o processo criativo das coleções. O resultado dessa jornada biográfica a quatro mãos está em Memórias de um estilista coração de galinha, publicação recém-lançada pela editora Autêntica.
Em seu sétimo livro, Sabrina conta que a proposta desde o início era fazer a apuração durante um longo período. “Eu queria falar das coleções que já existiam, mas também participar do processo de criação das novas”, diz. Foram dezenas de horas de gravações e um relacionamento que virou amizade. “É um livro aberto. A Sabrina entrou na minha vida como sombra, muitas vezes virou assombração e despertou a importância da organização do meu acervo”, conta Ronaldo. A narrativa inicia-se nos anos 1980, quando ele começou a estudar moda, e se estende até 2021, momento em que a pandemia de Covid-19 o levou a produzir o filme Terra de gigantes. Em formato que remete a Conversas com Woody Allen, com perguntas e respostas, o estilista mineiro revela o que está por trás das coleções. “Conto tudo. As vezes que eu quebrei, o que deu errado. Lanço luz sobre os ruídos, as páginas tortas”, revela. E, ainda, seus métodos de pesquisa e de construção de narrativas, o que acabou criando uma identidade do seu trabalho. A evolução da moda brasileira surge como pano de fundo.
Estilista brasileiro mais estudado nas escolas de moda da América Latina, ele acredita que teve uma percepção de sua história de vida e crenças quando viu reunidos para o livro todos os temas de suas coleções e como cada uma delas foi desenvolvida. Ao abrir a gaveta de lembranças, diz que se assustou com o evaporar do tempo. “Passou rápido demais. Desde o primeiro desenho já se vão quase 40 anos e mais de 60 coleções. E mais: o nascimento de um filho, o fim de um casamento, a morte de um irmão. Tudo isso veio acompanhado de uma coleção que estava sendo feita naqueles momentos”, explica. Relembrar o passado também aflorou emoções. “Houve passagens em que eu e Sabrina choramos. Abri gavetas que para mim estavam definitivamente fechadas e que seriam abertas apenas depois da minha morte. Me emocionei [lembrando das] pessoas que passaram pela minha vida”, recorda-se.
Pelas criações de Ronaldo estiveram presentes as culturas regionais, literatura e música, além de uma visão crítica e política da sociedade. “Eu sempre fiz, mesmo que tenha sido instintivo no começo, uma moda-manifesto. Nunca foi uma moda muda. Sempre foi uma moda que falava dos ruídos. Sempre houve um reflexo no retrovisor”, analisa, acrescentando que o livro dá margem para o leitor entender os contextos dos primeiros temas, a fase que foi ao encontro do Brasil por meio das coleções etnográficas sob influência do escritor Mário de Andrade e como ele usa seu trabalho como suporte para deixar aflorar o que sempre quis dizer. “Teve um tempo que eu achava que a importância estava na moda e que a roupa era uma coisa simples. Hoje acho o inverso: que o poder da roupa, o papel que ela cumpre na existência de alguém é impressionante”, pondera.
Sem apresentar um desfile desde o início da pandemia, Ronaldo constata que a passarela ficou pequena para ele. “Queria ir ao encontro do Brasil. Hoje, o desfile presencial é apenas uma sala para 300 pessoas. Depois que experimentei o formato filme tomei gosto. Quero algo que abranja mais, me incomoda o ir e vir da modelo, o desfile feito para o Instagram. Essa imagem me angustia”, observa. Ele ressalta que dez anos atrás dizia que a moda estava louca para se libertar da roupa. “Eu achava que me fazia entender, mas ninguém entendia nada”, analisa. Hoje, completa ele, descobriu outras frentes que suportam sua visão de moda, como as expedições país afora e os projetos com as comunidades. “Foi a minha forma de libertação”, reconhece.
Com 448 páginas, Memórias de um estilista coração de galinha sai pela editora Autêntica. Foi apresentado na Flip e neste mês de dezembro será lançado em São Paulo. Em 2024, ganha calendário em várias cidades brasileiras. A publicação recebeu prefácios de nomes como o idealizador do SPFW Paulo Borges, a jornalista Marília Gabriela, a consultora Costanza Pascolato e o músico Milton Nascimento.