Svetlana Rodina exercita as estéticas locais por meio da sua marca
Trabalhando em Moscou, a ex-modelo Svetlana Rodina exercita as estéticas locais por meio da sua marca, Loom
Trabalhando em Moscou, a ex-modelo Svetlana Rodina exercita as estéticas locais por meio da sua marca, Loom.
Não se pode dizer que os russos não têm orgulho da própria cultura. Durante a última Moscow Fashion Week, que aconteceu em março, uma infinidade de criadores locais apresentou suas coleções. Dos tradicionalistas aos contemporâneos, um índice em comum era evidente: a vontade de manter vivas estéticas históricas e fatores culturais profundos, sob um olhar de moda contemporânea.
Todo esse amor-próprio aparece também nas coleções da Loom, marca tocada desde 2016 por Svetlana Rodina. Ex-modelo, com carreira trançada com as roupas além das passarelas, Svetlana cria um universo que bebe muito do folk russo – em comunicação com o boho mundial –, com foco no trabalho manual e em tecidos naturais. Em visita ao seu ateliê, e com comunicação facilitada pela tecnologia de tradução simultânea via IA da Samsung, L’OFFICIEL pôde conhecer melhor esses ideais nacionalistas de moda.
L’OFFICIEL Você migrou da carreira de modelo para o ateliê. Como acha que essa experiência afeta a sua criação na Loom?
SVETLANA RODINA Quando tinha 18 anos, cheguei às finais do concurso Elite Model Look em Moscou e fui trabalhar para a Elite em Milão. Depois, de modelo nas Fashion Weeks, passei a trabalhar com Roberto Cavalli, que me notou e me convidou para visitar a casa em que morava com Eva, em Florença. Comecei a trabalhar com produção com ele em Milão. Desde então, a minha vida é conectada com a moda por quase 30 anos. Sem dúvida, trabalhando com grandes designers em Milão e Paris, acumulei habilidades e uma extensa experiência visual que me ajudam muito ao criar coleções. Infelizmente, os criadores russos não têm essa experiência.
L’O Em que momento você decidiu trocar de lado e abrir a própria marca?
SR Desde a infância, sonhava em criar roupas. A minha avó era diretora de uma confecção, onde cresci. Estava trabalhando como diretora da Manolo Blahnik na Rússia quando resolvi estudar design de moda. Fiz graduação na British School of Design e na Universidade Estatal Stroganov de Artes e Indústria de Moscou. Foi assim que minha carreira com a Loom começou.
L’O Visitando seu ateliê, pode-se notar que você trabalha em um esquema slow fashion, com foco nos materiais e na produção. Essa ideia vem desde o início da Loom?
SR Sou uma analista de tendências e sempre me mantenho atenta aos últimos movimentos. Acredito que a “moda adequada” é a maior tendência atual: quando começamos a comprar menos roupas, quando os estilistas passam a prestar atenção especial à qualidade dos tecidos e quando a excelência da fabricação permite que as pessoas usem suas roupas por mais tempo. Amo a continuidade de gerações, o vintage… a ideia das minhas coleções é que seja uma viagem no tempo, pois a moda é cíclica. Quero que, no futuro, minhas filhas e netas peguem as minhas criações e possam misturá-las com peças contemporâneas. Vestidos vintage com jaquetas ou moletons volumosos, e por aí vai. Não tenho interesse no fast fashion, amo a história. Na Loom, usamos principalmente tecidos naturais – se for poliéster, tem sempre um certificado de que seja reciclado. A qualidade da costura é do nível máximo. Tomei essas decisões desde o começo da marca e, há anos, nunca me desviei da qualidade de produção que escolhemos.
L’O Um fator em comum com boa parte das marcas que estavam no calendário da Moscow Fashion Week era que, não importava o estilo ou o público, a moda era sempre uma mistura de estéticas globais com símbolos culturais russos muito fortes. Você trabalha assim também. Essa decisão de celebrar o orgulho pela Rússia é proposital ou, por ser uma cultura local extremamente forte, é um caminho de influência inevitável?
SR A Rússia é uma potência com tradições centenárias do fazer manual. Há muitos saberes nesse sentido, como as técnicas de produção de renda, das mais antigas do mundo. Todos os aristocratas russos sabiam como bordar e trançar rendas. Quando emigrou com sua mulher, depois da Revolução de 1917, o príncipe Felix Yusupov levou essas técnicas para Paris e as apresentou a Coco Chanel. Então, seria uma bobagem não se orgulhar desse heritage e não desenvolver essas raízes aristocráticas tradicionais nas coleções atuais. Acredito que, para a marca ser moderna e estar na moda, é necessário estudar as tendências atuais e habilidosamente entrelaçá-las aos códigos culturais da Rússia.
L’O Nessa última coleção, de verão 2024, você fala sobre “as estéticas soviéticas dos anos 1950 e 1960” como inspiração. Como poderia descrever essas referências para um olhar estrangeiro?
SR Essa época, dos anos 1950 e 1960, é das favoritas que minha avó me contava. E não só apenas sobre como se vestiam, mas sobre valores básicos. Se considerarmos esse momento na moda, logo depois da Grande Guerra Patriótica [quando a URSS en frentou a Alemanha nazista, entre 1941 e 1945], a União Soviética rapidamente se levantou após a devastação e havia um desejo exagerado por beleza e roupas. Na União Soviética, não havia oportunidade de comprar marcas internacionais. Todas as roupas modernas e revistas que vinham de fora entravam no país ilegalmente. Então as pessoas costuravam muito. Praticamente em todas as casas tinha uma máquina de costura. Nesse momento, o Estado entendeu a importância da moda. Houve um esforço do governo, a partir de 1944, para que se produzissem looks de criação soviética, em vez de espelhada do Ocidente. A ideia era que não se pegassem revistas importadas para copiar, mas que criássemos as nossas roupas. Tenho uma antena ligada nas tendências da moda mundial, mas adapto a moda para os códigos russos, respeitando as nossas tradições e amando infinitamente o nosso país.