Moda

Verão 2023: um cenário que conversa com o presente

Desfiles das semanas de moda internacionais levam para as passarelas das marcas mais autorais as incertezas, os desejos e medos da sociedade contemporânea. Veja o que o verão 2023 nos mostra:

Bottega Veneta
Bottega Veneta

Se a moda reflete o momento que vivemos, o que a temporada verão 2023 nos mostra? Ascensão do conservadorismo, busca pelo direito de ser quem você quiser, guerra, alívio pós-pandemia, desejo por leveza e felicidade, respeito às mulheres, meio ambiente e questões climáticas, economia em crise. Tudo ao mesmo tempo e agora. Ainda que a pauta converse com o Brasil, ela é ampla e diz respeito a várias nações. Grandes questões pairando sobre um extenso inconsciente coletivo. É isso que faz o reflexo delas nas coleções algo tão concreto. Algumas reverberações são cristalinas; outras, nem tanto. Reagem ao cenário atual diretores criativos genuínos que mergulham no desenvolvimento de uma coleção de maneira tão profunda quanto qualquer outro artista, com a diferença que a materialização dessa sensibilidade se dá através de roupas e acessórios. E é na passarela, com cenário, música, modelos, iluminação e público que a mágica acontece e a leitura se torna possível.

Agrupados sob o guarda-chuva das macrotendências, os humores sociais trazem espelhamento ou reação. No que diz respeito ao futuro do planeta, há a preocupação em colocar em prática processos mais sustentáveis através de materiais e técnicas. Mas a devastação das florestas está aí, assim como a poluição dos oceanos. A primeira temporada que nos conectou com a “normalidade” trouxe um sentimento de liberdade e de vontade de comemorar: capitais da moda lotadas de turistas, imprensa, compradores e influenciadores, lojas de luxo novamente com filas nas portas – mas bastava alguém tossir para gerar um desconforto.

Também parece que estamos convivendo com um número maior de feminicídios, de violações dos direitos LGBTQIAP+, intolerâncias que levam a violências armadas entre cidadãos, o receio de que o mundo caminhe para a terceira guerra mundial. Dois lados de uma mesma moeda. Pensando em resgates, são os anos 1990 e início dos 2000 que inspiram a sensação de novidade. Período minimalista de questionamento do conceito do belo, inclusivo no sentido de olhar para espaços e pessoas marginalizados, tenso na indefinição sobre o futuro. É um cenário que conversa com o presente.

Valentino
Balenciaga
Caroline Hu
Dior
VALENTINO, BALENCIAGA, CAROLINE HU, DIOR
Miu Miu
Salvatore Ferragamo
Peter Do
Dolce & Gabbana
MIU MIU, FERRAGAMO, PETER DO, DOLCE & GABBANA
Louis Vuitton
Issey Miyake
Matty Bovan
Thom Browne
LOUIS VUITTON, ISSEY MIYAKE, MATTY BOVAN, THOM BROWNE
Burberry
Nº 21
Saint Laurent
PatBo
BURBERRY, No. 21, SAINT LAURENT, PATBO

Traduzindo em produto, há uma cartela ampla de cores alegres, brilhos e plumas reverberando o desejo pelo melhor, mesmo que tenha um fundo escapista. Acessórios maximalistas trazem uma abstração de “vale tudo”. Bolsas e sapatos esbanjam texturas, volumes, design arquitetônico e um tanto de humor misturado com aconchego. O tamanho giga transforma o que era um simples detalhe em um acontecimento, enquanto a it bag do momento é feita do mesmo material da roupa; o chapéu é o novo hype e as luvas, puro delírio fashionista.

A cor preta, que está super de volta para o verão, lembra que a realidade, de fato, não anda tão vibrante assim. Esse mesmo desejo por dias melhores conversa com a necessidade de liberdade expressa nos muitos bolsos espaçosos que funcionam como bolsas, liberando as mãos. Drapeados em tecidos fluidos que revelam o corpo, peças que destacam ou exibem os seios, cintura baixa, microssaias e retorno do vermelho – sexy ou romântico, it’s up to you – seguem tanto essa linha de pensamento quanto dialogam com a quarta onda feminista no sentido que a mulher e somente ela é senhora de seu corpo. Assimetrias oscilam em dois sentidos. Metáfora das incertezas, também mostram e escondem, seja o corpo, seja a realidade das coisas. Talvez o flerte com um passado muito mais distante, entre os séculos 14 e 19, traga uma percepção de segurança leve e descompromissada, expressa em saias moldadas como antigas armações e espartilhos.

E depois de quase dois anos de home office e do retorno híbrido, a vida profissional está diferente, as pessoas mudaram. O underwear virou outwear e a alfaiataria descomplicada segue o fluxo com a paleta de tons neutros e terrosos. Camisas amplas ganham destaque – principalmente as brancas –, com punhos mais largos para serem usados abertos seguindo mangas igualmente transgressoras.

Olhando esse mapeamento de macro e microtendências fica o sentimento de vale tudo, algo meio randômico. Mas nem é preciso olhar através de uma lupa para perceber que se trata, sem dúvida, da representação em vestimenta do que estamos vivendo no dia a dia.

Hermès
Victoria Beckham
Chanel
Acessórios HERMÈS, VICTORIA BECKHAM e CHANEL
Chanel

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