Angela Brito bate um papo com a L'Officiel Brasil
Sem margens! Angela Brito recebeu L’Officiel no seu ateliê, na clássica rua da Quitanda, no Centro do Rio, para um debate de vida pouco antes de embarcar para recarregar as energias na sua ilha natal. Confira!
Cabo-verdiana radicada no Rio de Janeiro há 30 anos, Angela Brito não aguenta mais ser apresentada da forma como este texto começa, priorizando seu rótulo de migrante. Tanto que, com oito anos de marca, faz questão de discutir as demandas do seu pertencimento na vida e seu eterno papel de estrangeira — palavra que carrega tatuada no corpo e que batizou seu último (e elogiado) desfile. Vanguardista a seu modo, construiu carreira fazendo moda que é tão carioca quanto africana – ou, como ela chama, afrocosmopolita. Nas passarelas desde 2018, saiu da Casa de Criadores para ser a primeira mulher preta a integrar o line-up do SPFW — outro título que não dá muita bola, ao preferir discutir mudanças de um cenário que arrasta ainda tantas questões. Angela recebeu L’OFFICIEL no seu ateliê, na clássica rua da Quitanda, no Centro do Rio, para um debate de vida pouco antes de embarcar para recarregar as energias na sua ilha natal.
Antes do último desfile, você disse que não quer se discutir afrofuturista, mas afrocosmopolita. De onde veio isso?
As pessoas sempre acham que, se não nos encaixamos em algo predeterminado, estamos nos esforçando para fazer um tipo. Eu não fico tentando encaixar-me, pelo contrário. Quero ser eu. Quando criança em Cabo Verde, sentia ter uma superliberdade. Não tinha muita noção de raça, de nada disso. E olha que tinha um avô branco, mas sequer entendia ter outra coloração. Quando cheguei a Portugal, aos 10 anos, entendi que era vista diferente — e aquilo mudou toda minha percepção de quem eu era. Daí não podia correr no campo da escola sem ter uma claque de meninos me chamando de macaca, mandando voltar para minha terra. Eu não podia nada, tudo era cerceado pela minha raça. Descobri que as minhas feições tinham problemas, que o meu cabelo — que achava lindíssimo — tinha um problema. Foi quando me percebi uma criança não linda.
Pelos olhos deles.
Exatamente. Mas a criança absorve facilmente. Foi uma época que me transformou em tudo que sou hoje. Ao mesmo tempo, não sou mulher que bate cabeça. Muito cedo entendi ser a visão, a percepção deles. Lembro que, na época, a Claudia Schiffer era a top do momento e ninguém entendia como poderia gostar de moda sem gostar dela. Eu respondia: oras, ela não quer dizer nada para mim!
Sua ligação com a moda vem desde criança, então?
Comecei a gostar de moda antes ainda de ir para Portugal, sim. Minha mãe sempre foi muito vaidosa e aprendeu a costurar para copiar os modelitos pois não tinha tanto acesso, em Cabo Verde. Tinha uma coleção de revistas Burda e deixava na minha mão, já aos 7 anos. Eu fazia as modelagens da revista, adaptava para os tamanhos dela. Quando cheguei a Portugal, já tinha essa paixão absoluta por costura e modelagem, mas nem ideia de que existia um mercado de moda. Lembro de uma colega, Sônia, que levou meus desenhos para sua mãe, que era estilista de alguma coisa, e voltou com um bilhetinho dizendo que eu era muito talentosa e que, se continuasse me esforçando, talvez pudesse ser estilista. Eu nem sabia o que era estilista! Foi um primeiro contato, quando entendi que alguém poderia viver daquilo.
Seu mergulho já começou ali?
Sim, passei a estudar muito, como faço até hoje. Sempre amei história profundamente, já quis até ser arqueóloga. Desde o início, pesquiso muito a moda para poder fazer moda. Pois o que se falava não me agregava — era tudo sempre com uma referência europeia. Não queria pesquisar em uma fonte que não me contemplava, não faria sentido. Aprendi cedo que, como africana, tinha que pesquisar a história da África para fazer a minha moda.
Como acha que isso se sedimentou?
Quero trazer essa imagem nova que não está presa numa África folclórica, como a das estampas — que são apenas de alguns países. Quando se diz que a África é vista como um país, é uma grande realidade. São 54 nações, vistas como uma. Isso faz parte do estereótipo do preconceito. Um dos alicerces do racismo é não ver o negro como indivíduo. Existem modas africanas, no plural. Você não tem moda europeia, certo? Tem a francesa, a italiana, a inglesa — e fazem questão que se denominem assim. E eu sou africana, então automaticamente a minha moda é africana, mesmo morando no Brasil. Não é uma questão de querer. Quando criei a marca, oito anos atrás, era naturalmente uma marca preta. Não importa a sua expectativa sobre a estética de uma mulher preta, de como ela tem que pensar. Você, querendo ou não, tem aqui a moda feita por uma mulher preta.
Feita por, mas também feita para mulheres pretas?
Não, eu faço moda para todos. Quando falo desse afrocosmopolitismo, falo muito sobre uma moda glocal — nem local, nem global. Todo mundo quer sair do seu mundinho para o mundo. Ninguém mais quer ficar relegado em Feira de Santana ou numa cidadezinha no interior da Islândia, mas trazer suas referências, suas vivências, para o mundo ver. Como mulher africana, posso estar aqui, em Nova York, no Quênia, na Dinamarca, e ainda assim trazer referências do meu país sem deixar de pertencer àquele em que vivo. A minha moda não deixa de ser cabo-verdiana, não deixa de ser africana e não deixa de ser brasileira! Ela não seria o que é se eu não vivesse aqui há 30 anos, vai por mim. Considero-me tão carioca quanto um carioca. Mas, o tempo todo, é um lugar que me é renegado. Eu nunca serei inserida em uma lista sobre o que os cariocas estão fazendo. Jamais.
Exato! E eu tenho mais tempo de vida adulta no Rio de Janeiro do que muitas pessoas que estariam nessa lista — e que, só por terem nascido aqui, são “mais cariocas”. Pois as pessoas não conseguem olhar além. Se você trabalha referências do seu local de origem, elas focam naquilo. É um cabresto.
Isso acontece só porque é africana? Pois se fosse francesa, já seria mais uma parioca.
Obviamente! E falariam com orgulho enorme, olha ali a francesa que se sente tão carioca que já faz até moda. Não há dúvida. Ser estrangeira e africana te bota em outro lugar, em todas as nuances. Fala-se muito em África, mas as pessoas não trocam com africanos. Falam sobre aquela África distante, ovacionam, mas não trocam. É sobre a senzala, não sobre o quilombo.
Esse seu jeito de criar, num caminho próprio, acha que tem a ver com o que disse antes — de ter se esforçado para ir além das referências que não te faziam sentido?
Quando você sente que é visto como diferente, automaticamente adota uma postura de observar mais do que falar. É quase estratégia de sobrevivência. Eu não teria conseguido sobreviver se não tivesse seguido a minha trajetória, dentro do que acredito, sem muita interferência. Desde muito cedo, entende-se que não lhe é permitido, que o que fala não é importante. Não se acha a cultura milenar africana interessante, cool ou moderna. Cabe a si mesmo, entender a força que aquilo tem.
É uma questão de ter que se provar.
O tempo inteiro. Mas como já venho de uma prova anterior, não desisti. Aprendi cedo a não ouvir o que quer que me dissessem. Se tivesse me pautado no que me falaram em Portugal, quando perguntaram se eu já tinha visto um estilista negro... Não tinha mesmo. Nem a Naomi Campbell estava ali, havia no máximo a Iman. Seguir é um desafio. Só eu sei o que é ter uma marca de oito anos e ainda estar aqui. É por isso que não levo a indústria muito a sério. Por que pessoas como eu, historicamente, não são tratadas como interessantes, existem por pura resistência.
Você diz que a indústria não é séria, mas faz parte dela. Como lida com isso?
Eu não tenho conflitos, pelo contrário. Não prego que a indústria da moda tem que acabar. Quero fazer mudanças reais por dentro. Entendo como ela funciona, mas é ainda muito feita por pessoas que, sabemos, são elitistas, hegemônicas, higienistas. O que defendo é a renovação desse olhar, a entrada de pessoas dissidentes, de fora do eixo. Quero que nossa indústria olhe para outras estéticas, outras pessoas, outras culturas. Você não pode ter uma indústria que prega o mesmo blablablá desde sempre. Até a minha irmã, economista, está cansada do que vê. E tantos outros fatores. Você não pode tentar saber se essa marca é de uma pessoa preta ou branca para entender como vai patrocinar ou trabalhar com ela, dar pesos diferentes. Não pode. A marca pode ser de um aborígene, de um vermelho, preto, branco, o que for. O trabalho deveria vir primeiro. Se aquilo é relevante, se contribui para algo. De onde vem? Como é a pesquisa? Eu nem consigo falar sobre o meu trabalho, para além da minha pele. É muito triste.
Como não?
As pessoas partem do princípio de que não há nada atrás. E que o que tem, não é importante.
Justamente por ser de uma mulher preta, diria?
Não necessariamente, mas muita coisa vem disso. Acho que as pessoas que têm mais grana para comprar, para investir, escolhem onde vão direcionar o dinheiro delas — e naturalmente esse dinheiro fica entre os seus pares. A parte financeira é o que mais tolhe o desenvolvimento de pessoas pretas, não temos o poder financeiro. Eu não posso chegar num banco e pedir um empréstimo com a minha cara, me dariam a troco de quê? Sabemos que todo mundo se retroalimenta em todos os sentidos — premiações, festas, apoios, fica tudo na bolha. Então claro que contribui. Se circulam só no meio, nunca chegam até você. O que mais desanima é que isso influencia nas vendas. Se não mexesse no meu bolso, eu não estava nem aí. Esse é o lado cruel do Brasil. O racismo mexe no seu business.
Você se considera uma estilista militante?
A meu modo. Muita gente me questiona que preciso falar mais sobre racismo. Eu estou falando! Abra meu perfil, veja minhas coleções. Você não sente militância? Então não entendeu nada. Se olhar, está tudo lá. A quantidade de gente que me pergunta se faço roupa só para pretos, pois só fotografo pretos... Então outras marcas são só para gente branca? É uma provocação, maneira de aprenderem a se habituar com as nossas caras nos lugares. Vejo tantas marcas que só têm modelos pretas no desfile — mas não entre as clientes. Todo mundo quer levar representatividade para a passarela, mas e o seu dia a dia? A representatividade e a diversidade têm que estar dentro da sua vida, na sua mesa, na sua casa. Ao mesmo tempo, acham que eu deveria estar sofrendo em público. Devo discutir racismo porque sofro com isso a minha vida toda? Eu também almoço todos os dias, vão me chamar para falar sobre culinária? Não sou Angela Davis, não sou Djamila Ribeiro. Prefiro que falem com quem estuda, quem tem know-how sobre o assunto, que contribui de fato para a discussão. Me chamem para falar sobre os tecidos tecnológicos que uso, sobre o meu trabalho. Se não, eu digo, você segue dançando conforme a música dos brancos. Parece livre, mas não é — é outra forma de opressão. Querem que eu sofra publicamente para preencher a caixinha. Não posso parecer chique ou ser uma mulher preta feliz.
Concordo com o que disse, de não ser preciso olhar para a cor da pele, num mundo ideal em que o trabalho seria o mais importante. Mas estamos nesse momento de reparação histórica, não?
Sim, desde que você seja, crie, se comporte como acham que deveria. Desde que atenda à expectativa de como é uma pessoa preta, a estética de uma pessoa preta. Se não se encaixa em nada disso, não entra. Se não é uma pessoa preta nacional, pior ainda. São tantos agravantes nesse sentido que essa parte não me toca jamais. Você já me viu fazendo alguma collab no Brasil? Eu já vi projeto meu ser negado, na mesa da instituição, por eu não ser brasileira. Me é mais fácil negociar coisas fora. Eu emprego pessoas há oito anos, fomento discussões, conquistei este lugar. É um mérito meu, mas todo dia preciso lutar para mantê-lo. Isso é desgastante, é sufocante. Eu não quero ser a primeira mulher preta a desfilar no SPFW. Isso já é cansativo. É para sermos muitos, como somos hoje. Ser a primeira não tem mais importância, na época já estava atrasadíssimo. Ainda mais por não ser brasileira, então isso nem conta.
Acha que seria diferente se fizesse uma moda menos urbana e mais “africana”, entre várias aspas?
Não sei dizer, pois é um lugar que nunca vou ocupar — mas talvez fosse um pouco mais fácil, suponho. Ao mesmo tempo, cai nesse lugar de “é legal ser africano desde que você não seja”. O que te garanto é que farei melhor a cada ano. Penso na minha carreira a longo prazo, 20, 30 anos. Sei que o que faço não é ruim, prezo cada detalhe, tenho respeito dos meus colegas, isso me basta. Como diria meu pai: faça tão bem-feito a ponto de que as pessoas não possam virar a cara sem receber atestado de burras. Não me interessa se não acham “preto o suficiente”.
Sem dúvida é um ambiente elitista, como disse, mas imagino que houve um esforço de mudança de cenário que tenha sentido nesses oito anos.
No mundo inteiro, não gosto de analisar só no local. Se não se olha num panorama geral, se tem um parâmetro que não é muito real, não entende se o trabalho é relevante. Fui criada com um leque de educação para que pudesse ser competitiva onde fosse. Mesmo quando estou no Brasil, penso se o meu trabalho poderia ser relevante fora. Gosto desses feedbacks, de ter noção que poderia desfilar em qualquer lugar. Se pensasse só no SPFW, não poderia ter nem esperança de expandir e atingir novos lugares. Essa mudança da indústria tem acontecido, sim. Mas ainda precisa mudar ao nível de realmente gerar independência financeira. E não só em collabs, apoios, parcerias. Falo de vendas.
Não é samaritanismo.
Não! Não precisamos de white saviours, queremos que você compre. Não adianta achar o meu trabalho bom se vai comprar de outra marca, que nem gosta tanto, só para ser aceita. Vejo tanta gente fazendo isso. Aí questiono: porque você investe em algo que não acredita? Não seria mais fácil todo mundo investir no futuro que quer? O cenário está mudando, mas aqui ainda não temos independência financeira para realmente poder expandir. A conta não é tão difícil, o dinheiro é que tem que se movimentar para além das bolhas.
Mas além das problemáticas evidentes que você aponta, te- mos a questão de um mercado difícil.
Exatamente, é um mercado gigante, mas com poder aquisitivo limitado. E quem tem poder ilimitado não compra a minha marca, não quer visitar um ateliê no Centro da cidade. É a pessoa que só acha que é descolada, mas não é. E a maioria que gostaria de comprar, não pode pagar a moda feita do jeito certo. No Rio de Janeiro ainda é pior o cenário.
Essa influência do Rio em você, tenho muita curiosidade para saber como funciona. Pois você não entra no clichê da carioca.
Essa questão praiana não me diz nada, mesmo sendo de ilha não ia à praia. Mas tenho uma coisa de gostar de fazer amizade, de falar com todo mundo, que é muito daqui. O Rio tem uma vibe que não existe em outro lugar. As pessoas ralam, mas vivem. Isso conecta muito comigo. Minha moda, todo mundo acha que é superenclausurada, mas não é. Todas as peças são abertas nos lugares mais inusitados. Isso sou eu tentando sair. Minha mulher é sexy, tem personalidade, tem muito conhecimento – algo que acho especialmente sexy. Então é uma mulher com noção do que está acontecendo ao lado, dona de si. Isso são coisas que conquistei no Rio, a carioca é assim. Somos muito severos em Cabo Verde, com influência grande da Igreja católica. Sou de um lugar onde não se via pele. A minha avó, nunca a vi sem estar coberta de preto, em luto. Até o brinco dela era coberto com um paninho preto, pois não podia usar ouro depois que fica viúva. Além da influência portuguesa, de mais de 500 anos. Obviamente, tudo me influencia. As pessoas não veem, pois não sabem como era antes de vir para cá. Isso é o que posso dar como carioca, é onde cheguei depois de 30 anos.
Não é o carioca óbvio.
Exato. É o carioca que veio para cá e agregou. Não é o nativo da beira da orla de Copacabana ou Ipanema, nem o da periferia que está com meio palmo de short. Existem várias cariocas, eu posso ser à minha maneira. Hoje, consigo ter um pouco de malemolência e incorporar na roupa. Ela sempre tem uma estrutura rígida que gosto, mas também tem essa mistura com a fluidez, ainda que meio tolhida.
Você sempre fala sobre pertencimento, desde seu primeiro desfile na Casa de Criadores, em 2018.
Sim, isso é algo que não vai mudar. Só de ter nascido em Cabo Verde, isso já é latente na alma. Somos dez ilhas no meio do mar, a 500 quilômetros da costa. Em teoria, nem à África deveríamos fazer parte, pela distância. Então, pertencentes a onde? Você nasce não pertencendo.
Mas desta vez veio com essa história de uma forma diferente, menos melancólica. Em que momento isso mudou?
Sim, é um olhar mais de cura. Penso nessa coleção desde 2014, sempre maturo várias coleções ao mesmo tempo, mas não conseguia encontrar o fio da meada. Só vinha dor, não consigo trabalhar por esse viés. Precisava achar uma maneira de falar que contemplasse outras pessoas. Aí teve a morte do Moïse Kabagambe, o menino congolês, aqui no Rio [em janeiro de 2022]. Quando vejo que um irmão meu vai cobrar um dinheiro que era seu direito e é assassinado... aquilo me mutilou, me deixou três dias de cama. Foi como se potencializasse o que sinto num ponto menor. Não se tem o direito de cobrar nada, se não é daqui. Foi onde me tocou. Você não é brasileira, está reclamando do quê? Quer mais vendas, mais apoio para o seu desfile? É o que tem e não se pode falar nada, mesmo com 30 anos contribuindo com o país. Todos compactuam, é vergonhoso. Foi quando percebi que estava falando sobre a coleção de maneira errada. Eu já tinha desenhado, a pesquisa vinha dos nômades da África, da América do Sul, do Leste Europeu; as peças já estavam sendo feitas. Então entendi que esse lugar que estava procurando, desse não pertencimento, não há. Não agora. O ser humano ainda está muito preso em quem nasceu onde, em quem é de onde. É um mundo que não está preparado para esse livre trânsito. O futuro é poder pertencer a vários - daí que parti para esse lugar utópico.
Mas não acha que estamos cada vez mais voltados às nossas raízes territoriais, especialmente depois da pandemia?
Está todo mundo procurando a sua identidade, mas sem deixar de aparecer para o mundo. É uma volta à procura do quem sou, qual o propósito, para onde estou caminhando. E a identidade é mutável. Se você continua vivendo, vai agregando valores e experiências. Tem muito a ver com o lugar que viveu, com quem se conectou, as suas experiências de raízes, tradições culturais. Mas ninguém quer ficar entocado sem ser visto — quer contar para o mundo o que tem de único.
Vê isso acontecendo aqui também?
Existe algo que acontece muito na indústria da moda brasileira: temos muitas marcas focadas só em criar e com pouco entendimento da indústria na totalidade. É uma deficiência enorme. Se você trabalha com algo, precisa entender sobre tudo. Existe essa lacuna aqui, não é de hoje. Tivemos nomes ótimos que desapareceram nas últimas décadas, pois não há cenário, uma permanência. Pois não existe no Brasil um fundo de fomento para novos. Não há talento que progrida sem investimento. Essa é uma preocupação muito grande minha. É tudo muito instável, ao léu. As pessoas estão discutindo futilidades que não mudam nada do que é necessário para construir uma indústria forte. Ninguém quer falar sério. Todo mundo quer like e lacre. Enquanto isso, vai afundando. E daqui a dez anos, como se lida com isso?
É tão conectada com os movimentos que acontece na África, está de olho em tudo. Como acha que os brasileiros veem?
O Brasil não olha para nada disso, fica amarrado em estereótipos e mal quer saber o que acontece aqui dentro — que dirá nos pares. As pessoas precisam parar de nos ver lá atrás, como se ainda estivéssemos no navio negreiro. E parar de nos ver lá no futuro, nesse afrofuturismo. Ficam imaginando como será — e quem está aqui, não se nota. Por isso uso o termo afrocosmopolita. Veja, eu sou da primeira geração independente do meu país. Cabo Verde tomou independência em 1975, muito recente. Você tem uma geração inteira que veio depois desse movimento, que estudou fora e voltou para reconstruir a África. Essa geração sou eu. Isso é na Angola, na Guiné, Mali, Nigéria, qualquer deles. Essa turma pós-independência não é alienada, parada no tempo. A África está em movimento e agrega todas as tradições e raízes que, sinceramente, são o melhor do planeta. Temos o melhor da música, da culinária, da dança, da estética. Essa África está efervescendo, é preciso olhar para ela.
Créditos
Estilista: Angela Brito.
Modelos: Ana Patrocinio (Mix), Arianne Carneiro
Modelos: (Ford), Maysa Barreto (Mix).
Beauty artist: Mayra Moreno.
Hair stylist: Juliana Sales.
Assistente de fotografia: Gabriel Vazzoler.
Assistente de estilo: Kelvin Emiliano.
Produtora executiva: Anna Guirro.
Assistente de produção: Patricia Sant'ana.
Retouch: Mabi Valença