África: uma jornada com propósito!
Feita de surpresas que se sucedem a cada segundo, a África é a mãe de toda a aventura. Conhecer o continente é a melhor forma de entender que proteger a natureza é garantir a vida do planeta.
Estava de malas prontas para voltar para o Brasil quando recebi um convite da agência Sariri Terra para visitar o projeto Great Plains Conservation, desenvolvido no zimbábue, em Botsuana e no Quênia, pelo documentarista Dereck Joubert e pela fotógrafa Beverly Joubert, autores de livros, de matérias editoriais e de artigos científicos, e produtores de mais de 30 filmes – parte deles consagrada com oito Emmy Awards que celebram as histórias sobre o mundo natural, também chamados de “Green Oscars”. O tema? A proteção de espécies-chave da vida selvagem, essenciais para o funcionamento dos ecossistemas.
Durante o período em que fui recebida pela equipe de guias da Great Plains Conservation, pude conhecer seus acampamentos ou “camps” instalados no Quênia, berço do safári africano. O termo safári, como lembra Dereck, significa “jornada” na língua banta Kiswahili e se ajusta no trabalho que é feito por eles, definido de Turismo de Conservação – ao contrário das empresas do setor que operam por lá e que dão prioridade aos programas de viagens tradicionais, ocasionalmente envolvendo-se em atividades ecoturísticas. A GPC organiza experiências de viagem ambientalmente positivas, utilizando os benefícios gerados para transformar as áreas protegidas em terras sustentáveis.
Antes de mais nada é preciso ter em mente que vivenciar um safári é adaptar-se ao fuso horário da vida selvagem, isto é, acordar antes do sol nascer e dormir não muito depois que ele se põe, todos os dias. Até hoje sinto falta do despertar na selva, quando era acordada pelo meu guia que batia em minha porta todas as manhãs com uma bandeja com café quentinho e biscoitos frescos, o “african wake up call”, perfeito para me manter nessa aventura, que começa entre 5h e 5h30. Adoro esse ritual, e não me incomodo nem um pouco, mesmo nas manhãs frias do inverno. Devo confessar que muitas vezes pulava da cama antes da hora, com o coração a mil, contando os minutos para me jogar na aventura. Dei início ao meu safári no Ol Donyo Lodge, que foi construído em um racho de 111 mil hectares, na fronteira do Chyulu Hills National Park. Com vista para o monte Kilimanjaro, o Camp fica em uma antiga rocha de lava expelida pelo vulcão há 360 mil anos. As seis suítes oferecem o conforto necessário após um dia agitado de expedições per- corridas a pé, de mountain bike, a cavalo ou em carros abertos. Tendo 4 mil maasai como tutores, o espaço destaca a cultura desse grupo seminômade, que vive entre a Tanzânia e o Quênia, em pequenas aldeias cercadas de galhos e troncos espinhosos para evitar a entrada de animais e ocupadas por casas construídas com estacas de acácias e esterco de vaca ou lama dos rios. Enquanto as mulheres erguem as moradias e cuidam da família, os homens pastoreiam e administram o povoado. As joias que adornam as orelhas e os pescoços são feitas por elas em estampas que combinam com as roupas coloridas usadas por todos da tribo, de vermelhos, azuis e amarelos marcantes. Quando em meus deslocamentos me deparava com os homens das tribos conduzindo seus rebanhos de bois e cabras de um pasto a outro, era impossível não se encantar com a beleza e com a cordialidade de cada um deles.
Uma das muitas atividades que o Lodge oferece é o passeio de mountain bike. Você sai de carro do camp, que leva todo o material e lhe deixa em um lugar seguro para pedalar. De cajado nas mãos, pastores maasai conduziam seus rebanhos de cabras e de vacas para alimentar-se quando os encontrei. Um aceno, e uma aproximação cuidadosa, uma vez que um grupo não entendia muito bem o outro. Os pastores quiseram manusear e saber como funcionavam aquelas bicicletas de guidões, pneus e selins mais modernos. Alguns sorrisos depois encerramos a conversa e cada um seguiu seu caminho. O ciclismo pelas savanas é maravilhoso, uma sensação de liberdade inexplicável, você controla sua velocidade, muda a rota, chega muito perto de antílopes, zebras e girafas. Já no safári a cavalo, no início trotei entre florestas bem fechadas; nos primeiros quilômetros foi importante entrar em sintonia e estabelecer uma conexão com meu cavalo, pois deveria estar pronta para uma possível disparada ou refugada caso ele se assustasse com a aproximação brusca e inesperada de qual- quer animal, como um elefante ou mesmo um felino. Ao chegar ao campo aberto, repleto de gnus pastando, o guia me disse “pode galopar” e finalmente segui em alta velocidade, desafiada apenas por algumas zebras intrigadas com a minha presença. O vento no rosto deu notas mais palpáveis à liberdade que compartilhava e segui até o alto de uma colina, onde um carro munido de drinques e aperitivos me aguardava. Enquanto meu cavalo descansava, relaxei em almofadões coloridos apreciando o pôr do sol.
Alguns acampamento no Quênia investem em postos de observação, o Ol Donyo Lodge é um deles. Eles instalam bebedouros artificiais que formam um pequeno lago, para que os animais possam beber e se refrescar do calor. Próximo desses reservatórios, constroem cabanas, mais como esconderijos camuflados por galhos com aberturas nas fachadas, onde os hóspedes acompanham a poucos metros de distância, sentados confortavelmente e em segurança, grupos de elefantes, zebras, girafas e macacos compartilhando aquele espaço em harmonia e respeito – com exceção dos leões, cuja chegada marca a saída dos outros. Pela qualidade das imagens registradas ali, o abrigo é o paraíso de fotógrafos e cinegrafistas. Uma oportunidade única e inesquecível de estar a pouquíssimos metros da vida selvagem, em um ambiente seguro e, principalmente, sem perturbá-los. Observar sem ser observado.
Esperando o inesperado
Nos outros acampamentos, vale dizer, também pude curtir o entardecer em estruturas montadas com tapetes e almofadões dispostos sob as árvores. Tendo o imprevisto como ingredien- te, alguns desses encontros se atrasaram porque frequentemente famílias de zebras e de elefantes cruzavam as rotas pelas quais eu passava. Quando isso acontecia, os carros eram desligados e era o momento de deixá-los atravessar o caminho. Os elefantes sempre me fascinavam, era maravilhoso assistir a interação dos filhotes com as mães e as tias, que entrelaçavam as trombas para se comunicarem. Uma vez a gigante matriarca parou bem na frente do veículo, abriu as orelhas e ergueu sua tromba, curiosa analisou a possibilidade de oferecermos algum risco. Só depois de alguns instantes ela seguiu em frente. Assistir ao crepúsculo marcando os contornos da paisagem e das belíssimas girafas foi, sem dúvida, um dos pontos mais altos da viagem (sou completamente apaixonada pelos seus longos cílios e pescoços), adoro assisti-las andando lentamente por entre as árvores, elegantes e discretas, curiosas e muito medrosas, barulhentas apenas enquanto disputavam território e batendo os pescoços e produzindo sons ocos – “tum-tum-tum” – em um balé majestoso. Muitas vezes, empunhando binóculos, tive a oportunidade de notar as colinas ocupadas por leões ou por leopardos que checavam as planícies e balançavam o rabo nas pedras em movimentos sutis, como se estivessem cuidando de suas casas, assim que eu e o grupo os avistávamos seguíamos rapidamente ao encontro deles, e lá, a poucos metros de distância, eu ficava durante muito tempo apreciando a sua majestade. Quando se ama a fotografia e o lugar onde se está, um dos mais bonitos do mundo, há sempre a dúvida entre largar a câmera ou capturar o momento. O dilema era enorme. E irresistível.
Entre cores e ritmos
Escondidas pelas copas dos espinheiros, as três suítes de luxo e as duas suítes com dois quartos para a família do Mara Nyika Camp estão ligadas por passarelas até o trecho principal, trazendo uma atmosfera de casa na árvore ao conjunto. Os quartos são de tirar o fôlego, discretos, chiques e clássicos, a decoração é impecável, misturando o estilo africano com o indiano. Logo na minha primeira noite acordei com um rugido forte e rouco de um leão, provavelmente estava muito perto de minha tenda; não senti medo, mas felicidade, pois tinha certeza de que ele tinha vindo me dar apenas “boas-vindas”. Um dos diferenciais deste Camp está na oportunidade de conhecer o Naboisho Conservancy, a segunda maior área de proteção desse trecho do país, com cerca de 20 mil hectares resguardados por 500 famílias da etnia Maasai, que investem na manutenção do patrimônio natural e cultural e têm no turismo um recurso para a geração de emprego e de renda.
Durante minha estadia, fugi do “trânsito local” em um voo de balão de ar quente. Cheguei ao ponto da decolagem de ma- drugada, quando estava tudo escuro. Minutos depois, o balão subiu lentamente e a perspectiva que tive do alto, rodeada por outros balões coloridos e pelo vermelho do sol que raiava queimando as planícies, era de tirar o fôlego, literalmente. A adrenalina potencializou a percepção do vento frio, das nuvens que faziam sombra no chão, dos rios que marcavam a terra de forma sinuosa, da infinidade de cores e da vida acontecendo de um lado para o outro, como o leão que se aproximou das gazelas e fez todas dispararem para serem perseguidas por outros animais. No fim, quando pousei, uma farta mesa de café da manhã me espe- rava, o grupo então brindou a vida.
Os dias passam lentos, mas atividades não faltam. No dia seguinte, tive a oportunidade de visitar uma comunidade local Maasai. Lá, pude conhecer o seu dia a dia, conversei muito, aprendi, dancei e cantei antes de me despedir.
O Mara Expedition Camp conta com uma infraestrutura delicada que revisita a era romântica do passado da África Oriental. São seis tendas de lona construídas em uma pequena curva de rio. Sua decoração conta a história dos primeiros exploradores, repleto de baús de madeira escura, sofás e poltronas de couro e luminárias de latão. A área comum é toda iluminada por velas e lanternas e o entorno é povoado por leopardos e outros felinos que vagam aqui e ali. Tive ainda a chance de observar, naquele mês de setembro, uma das maiores movimentações da natureza, a migração anual de quase 1,5 milhão de gnus e zebras que saem da Maasai Mara National Reserve, onde eu estava, em busca de pastagens mais férteis em direção ao Serengueti, na Tanzânia. Durante a travessia a terra chega a tremer, o som forte dos mugidos contrasta com o barulho dos cascos cortando as águas, desviando velozmente dos crocodilos que habitam o rio.
Minha dica é estender a viagem para outros acampamentos – como o Mara Plains Camp ou Mara Toto Camp – e aproveitar a combinação para desbravar reservas igualmente importantes, a exemplo da Olare Motorogi Conservancy. Montado às margens do Rio Ntiakitiak, o Mara Toto Camp está em um ponto de en- contro entre floresta e savana, ao longo de um bosque de árvores de ébano cujas copas oferecem o refúgio ideal para os hóspedes que apreciam a tranquilidade e o conforto da área de confraternização. A sofisticação fica por conta das quatro tendas de lona, espaçosas e iluminadas, cada uma com banheiros munidos de enormes chuveiros de latão.
Parte do Great Plains Conservation Réserve-Collection, o Mara Plains Camp é uma das três propriedades encontradas no país com o selo Relais & Châteaux, associação criada em 1954 que congrega 580 hotéis e restaurantes comprometidos com a excelência na hospitalidade e na gastronomia e a preservação da cultura, dos patrimônios locais e do meio ambiente. No luxuoso acampamento, cada pessoa contribui consideravelmente para o sucesso do Olare Motorogi Conservancy por meio de taxas que sustentam a manutenção do parque e das mais de mil famílias Maasai que protegem o endereço. As sete tendas foram incorporadas à floresta com detalhes que as tornam irresistíveis, incluindo varandas privativas, suítes com dossel, piso de madeira rústica e banheiras de cobre. Lar de quase 300 espécies de pássaros, bem como de outras espécies residentes, o santuário provoca olhadelas improvisadas e, não à toa, os dormitórios estão equipados com binóculos, câmeras e lentes profissionais, transformando o safári em uma experiência íntima e pessoal. Então você acorda, toma o café e vai para a sacada para se deparar com as camadas de tons de verde da vegetação e com os vermelhos produzidos pelo nascer do sol, sentindo a brisa fresca bater no rosto e o coração disparar.
No rastro da aventura
Como explica a equipe da Porini Camps, a empresa que há mais de 30 anos, junto com a comunidade local, protege a vida selva- gem e seu habitat, e que me recebeu no trecho final desse itinerário, os acampamentos de safáris ecológicos costumam ser menores, alinhando um certo charme rústico e discreto aos lodges de alto luxo. Somado a isso, o fato de suas instalações estarem inseridas em reservas privadas permite que as experiências se transformem em uma aventura pessoal e inesquecível. A vinte minutos do Aeroporto Internacional Jomo Kenyatta, do pequeno Aeroporto Wilson e do centro da cidade de Nairóbi, capital do Quênia, está o Nairobi Tented Camp, instalado no coração da floresta do Nairobi National Park. Seus quartos em tendas são charmosos e confortáveis, na pegada rústica chique, o Lodge conta também com mais dois espaços que servem como lounge e restaurante. O consumo de energia, como se dá na rede Great
Plains, recorre a lâmpadas LED e a painéis solares. Ideal para o primeiro ou último dia de uma viagem de safári. A atmosfera que se desenha nesse tipo de trip é de confraternização. Ao anoitecer, quando volto para o Lodge, sempre encontro cadeiras e bancos dispostos ao redor de uma fogueira sob a lua e as estrelas. Lá, onde todos se aproximam, envoltos em mantas, tomando drinques antes do jantar e compartilhando o que foi visto naquele dia ao som dos estalos da lenha que queima lentamente e dos ruídos dos animais que vagam nas proximidades, o verdadeiro luxo reside nesses pequenos detalhes e momentos. Na área de 7.560 hectares do Ol Kinyei Conservancy está o Porini Mara Camp, com suas cinco tendas espaçosas e uma unidade composta de sala e dois dormitórios com varanda, do tamanho exato para famílias ou grupos que viajam juntos. Montada em uma barraca de lona, a sala de refeições foi traçada para ser prática e confortável com direito a sala de jantar e lounge decorado com sofás, tapetes de couro de vaca e estação de café. Se as jornadas anteriores tinham algum tipo de filtro, a exemplo das janelas dos
carros, o walking safári, uma das atividades que participei no Camp, expõe você ao que é estar em contato com a natureza. Ao lado de guias Massais andei quilômetros por planícies abertas, próximos o suficiente das girafas para notar o tamanho e a cor das manchas de sua pelagem. Isso sem contar a altura dos machos, que pode chegar a 5 metros. Com os ouvidos mais atentos você para, senta e escuta a explicação sobre a vegetação que brota ali e sobre as plantas e as flores que cada espécie utiliza em sua alimentação. Mesmo com a impressão de que se está mais vulnerável, o prazer da caminhada é de poder segurar alguns frutos, sentir o cheiro deles e encontrar pequenos animais – para mim, este é o verdadeiro espírito do safári, aquele que conecta você com o chão da terra. Embora seja um lugar sereno, que exala tranquilidade, a terra da África pulsa e a sensação de estar ali é intensa. Um destino onde tudo se apresenta de um jeito diferente a cada instante, a paisagem muda a cada esquina e a vida selvagem está em constante movimento. Lá, onde realmente me conecto, onde minha alma rejuvenesce e me sinto em casa.