Viagem

Ilha de Páscoa, ou Rapa Nui, se transformou na casa de gigantes

A Ilha de Páscoa, ou Rapa Nui, se transformou na casa de gigantes, de homens-pássaros e de uma gente de abraços amistosos

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Moais - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

A mais de 3.700 quilômetros do Chile, ocupada por polinésios e revisitada por europeus, a Ilha de Páscoa, ou Rapa Nui, se transformou na casa de gigantes, de homens-pássaros e de uma gente de abraços amistosos. Confira!

O que Te Pito o Te Henua e Mata Ki Te Rangi têm em comum? Tudo; afinal, esses são os nomes dados ao mesmo lugar: a Ilha de Páscoa, que também já foi Isla de San Carlos e Easter Island. E cuja designação, Rapa Nui, é a mais conhecida. Localizada na parte oriental da Polinésia, no Oceano Pacífico, a ínsula integra um triângulo cartográfico que tem o Havaí e a Nova Zelândia nos outros dois vértices. A área de 173 quilômetros quadrados desse território paradisíaco foi sendo composta por milhares de anos pelas emissões de lava expelidas de três de seus maiores vulcões. 

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Ilha Motu, onde os competidores buscavam ovos de gaivotas - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Mesmo considerada uma das regiões mais remotas do mundo, a Ilha de Páscoa teve um passado tumultuado de conflitos e de invasões que quase dizimaram a população por diversas vezes. Desde que o explorador espanhol Vasco Núñes de Balboa avistou, em 1513, o Oceano Pacífico do posto de Darién, no Panamá, seguido quase oito anos depois pelo português Fernão de Magalhães e pelo basco Juan Sebastián Elcano, esse último conhecido por completar a primeira circunavegação da Terra, inúmeras expedições marítimas cruzaram a rota do “mar del sur” para traçar novos mapas, descobrir áreas intocadas e ampliar as zonas de comércio. Foi por ali que a frota de três navios da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, liderada pelo capitão Jakob Roggeveen, passou até desembarcar na costa do Chile, no ano de 1722. Naquele 5 de abril, um Domingo de Páscoa, o pedaço recém-descoberto de chão foi batizado de Paasch-Eyland.

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Pimpa Brauen durante o Nari Nari, desfile de rua que marca o fim da celebração Tapati Rapa Nui - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Ainda que o avizinhamento do grupo tenha sido inicialmente tenso, marcado pela morte de alguns nativos, nenhuma outra ocorrência foi percebida nos dias que se seguiram. A delegação ficou menos de uma semana antes de continuar sua aventura, e o capitão fez algumas anotações sobre o encontro com as comunidades, que somavam quase 3 mil habitantes, bem como o modo de vida e a cultura rapanuis. 

Quatro anos se passaram até que o britânico James Cook, a bordo do Resolution, também fizesse a sua parada pela casa dos moais, acompanhado de uma equipe de naturalistas que coletou amostras do solo e das plantas e de artistas incumbidos de produzir ilustrações das paisagens. Ainda que tivesse sido bem-recebido na Easter Island, como intitulou a Ilha de Páscoa no seu melhor inglês, ele guardou os baús abruptamente e saiu falando mal dos anfitriões, “donos de um lugar pouco adequado para o abastecimento de navios”. Outra caravana europeia que esteve na região – por algumas horas, em 9 de abril de 1786 – e iniciou um levantamento das plataformas arqueológicas e das estátuas moais foi a francesa, chefiada por Jean-François de Galaup, o conde de la Pérouse.

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Durante o Nari Nari, desfile de rua que marca o fim da celebração Tapati Rapa Nui - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Muito embora as averiguações dos europeus tenham sido importantes para reunir os dados gerais sobre a ilha e apresentá-la ao mundo, os polinésios que chegaram sete séculos antes, liderados pelo rei Hotu Matu’a – deslocando-se em canoas desde a Ilha Hiva Oa, no Arquipélago das Marquesas, até a Praia de Anakena –, teriam sido os responsáveis pela organização social, cultural, religiosa e econômica da civilização rapanui. Dizem que Hotu ficou tão impressionado com o isolamento extremo da ilha que a chamou de Te Pito o Te Henua, que poderia ser lido como “o umbigo do mundo” ou “o fim da Terra”.

Mar de gente

Encantada pela aura mítica desse destino que celebra os costumes e os antepassados, pude acompanhar o festival Tapati Rapa Nui, ou Semana do Rapa Nui. O convite partiu da rede de hotéis Nayara Resorts, criada pelo colombiano Leo Ghitis. Há três anos, o grupo levou para o Chile dois complexos, um no Atacama e outro na Ilha de Páscoa, repetindo a experiência bem-sucedida na Costa Rica. Vale lembrar que a ilha foi anexada pelo país sul-americano em setembro de 1888 e atualmente faz parte da comuna de Valparaíso. Inicialmente, a celebração tinha como inspiração as festas da primavera realizadas pelos chilenos, mas, com o correr dos anos, passou a resgatar as tradições pascoalinas. Realizado na primeira quinzena de fevereiro, enquanto o verão dá as notas, o festejo tem como objetivo a escolha do rei e da rainha que governarão simbolicamente a ínsula por um ano. Os candidatos apresentados têm o apoio das famílias, dos amigos e dos visitantes, esses últimos convidados a participar da competição. Os grupos se associam em alianças, e essas remetem aos antigos clãs que administravam o local. Com tipos variados de provas, individuais e em grupo, o Tapati mobiliza os quase 8 mil habitantes em tempo integral. 

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Durante o Nari Nari, desfile de rua que marca o fim da celebração Tapati Rapa Nui - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Uma das disputas mais animadas envolve dezenas de pessoas vestidas de trajes típicos. Ao som dos ritmos indígenas, elas devem apresentar números de canto e de dança tendo ao fundo a paisagem de Hanga Vare Vare, um local utilizado para reuniões que fica logo após o porto de Hanga Roa Otai. O time vitorioso é aquele que elabora a melhor coreografia. Os competidores inscritos no Takona, por sua vez, usam a teatralidade como recurso nesse jogo em que todos surgem com desenhos feitos de pigmentos naturais por todo o corpo. No centro do palco, tendo a atenção do público, os atores contam as histórias dos clãs que representam para o júri a partir de cada símbolo. Nas noites seguintes, o roteiro trouxe ainda o recital Pata’uta’u, em que se criam fábulas por meio das figuras de um barbante entrelaçado; os concursos musicais Riu e Koro Haka Opo; e o desfile, ou farandula, que aponta a reta final da confraternização, parecido com um carnaval de rua. Durante o dia, mesclam-se as atividades que medem os saberes artesanais, por exemplo, na criação de tecidos com o uso da planta mahute; na confecção de coroas e de colares; no preparo de receitas características da região; e no entalhe de pequenos moais e das tábuas rongorongo, empre gando a madeira e a pedra como matérias-primas.

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Vaka Ama, competição a remo em barcos de Totora - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

De portas abertas para a adrenalina, as competições esportivas evidenciam os costumes dos primeiros habitantes e resgatam o culto ao Tangata Manu, o homem-pássaro, representante do deus criador Make Make na Terra. A maratona prossegue com pesca esportiva, canoagem polinésia e corrida de cavalos, natural em uma localidade povoada por milhares desses animais. Em trechos de 500 a 1.000 metros, na área de Vaihu, um grupo de jóqueis cavalga sem selas buscando as maiores velocidades possíveis. 

Acomodado na base na Colina Maunga Pu’i, no caminho da Praia de Anakena, o público aguarda para ver os jovens deslizarem do topo do morro a uma velocidade de aproximadamente 80 km/h, pilotando seus trenós construídos com dois troncos de bananeira unidos entre si. Ganha o Haka Pei quem completa a maior parte do percurso de 200 metros em menos tempo. Foi uma vantagem estar hospedada no Nayara Hangaroa, tão próximo da cidade, porque isso me permitiu observar toda a programação do Tapati Rapa Nui e conhecer as belezas naturais da Ilha de Páscoa.

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Mergulho, atividade organizada para o hóspede do Nayara Hangaroa - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Em uma das excursões (o hotel oferece sempre uma durante a manhã e outra após o almoço), os guias me levaram para ver a alvorada em uma experiência de muitas sensações. Conforme o sol nascia, a luz atravessava as sete estátuas moais que estavam em minha frente, envolvendo cada uma em uma aura serena e mágica, cada uma com quase 4 metros de altura, formando um gigantesco tecido entrecortado que enchia o horizonte de sombras. Ao testemunhar esse espetáculo entendi por que a ínsula foi indicada como Patrimônio Mundial da Unesco em 1995. Esculpidos em basalto, escória vermelha (uma mistura de cinzas e lava) e pedras vulcânicas, os monumentos pesam cerca de 40 toneladas e representam uma parte importante da identidade desse povo que transcende o céu e as estrelas.

ENCANTADA PELA aura mítica DESSE DESTINO que celebra OS costumes E OS antepassados, PUDE ACOMPANHAR O festival Tapati Rapa Nui, OU SEMANA do Rapa Nui.

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Cavalgada, atividade organizada para o hóspede do Nayara Hangaroa - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Nos tempos antigos, acreditava-se que, quando o líder de uma tribo morria, sua energia espiritual, ou mana, continuaria protegendo os descendentes. Assim, os rapanuis passaram a erguer as estátuas para acomodar essa força imaterial em um processo que levava anos e dependia do trabalho de centenas de homens. Finalizadas, elas eram transportadas para serem instaladas nos altares cerimoniais, ou ahus, das aldeias correspondentes. Em algum período do século 15, quando uma crise na produção de alimentos fez com que os clãs entrassem em conflito, o poder dessas entidades passou a ser questionado. A partir daí, muitos monolitos foram derrubados, e outros tantos, abandonados sem serem concluídos. Nos dias de hoje, há 900 deles espalhados aqui e ali, permitindo que se observe as diferenças no estilo escultórico, sobretudo em relação ao formato da cabeça ou dos olhos. Te Tokanga ainda é o maior moai identificado, com 21 metros de altura e 270 toneladas. Muitos habitantes mencionam o tsunâmi que atingiu a área em 1960, após um terremoto de 9.5 de magnitude destruir boa parte da cidade chilena de Valdívia, arruinando inúmeras estruturas, incluindo a plataforma de Ahu Tongariki, onde estavam 15 desses monumentos. O tremor foi tão forte que as ondas geradas por ele alcançaram o Havaí, as Filipinas e o Japão. Na visita que fiz ao famoso altar, pude ver o resultado do projeto de restauro executado nos anos de 1990, com o apoio de uma empresa nipônica de guindastes.

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Bar do Nayara Hangaroa - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Explorando a magia

Quando os deuses de pedra foram deixados de lado, a crença no homem-pássaro ganhou mais adeptos entre as tribos. As aves, que apareciam em grande número por ali, passaram a simbolizar a ponte entre mundos diferentes, algo entre o terreno e o celestial. Com o objetivo de reorganizar a configuração religiosa – e política – entre os sete clãs que dividiam o território, um grupo de sábios estabeleceu um “triatlo místico” para mostrar aqueles que assumiriam o poder a cada ano. As provas tinham início na primavera, no período em que os manutara (gaivotas) pousavam no alto de Motu Nui para fazer os ninhos e depositar seus ovos. Os guerreiros de cada tribo eram escolhidos pelos sacerdotes – tal qual no festival Tapati – e recebiam as orientações sobre as etapas do circuito. De pronto, eles desciam o paredão de pedra de 300 metros de altura próximo da vila de Orongo e nadavam, avançando entre ondas e tubarões, com destino à ilhota. Chegando lá, era necessário despistar a concorrência e esperar por algumas semanas até que o primeiro ovo fosse colocado. Aquele que pegasse um deles e conseguisse voltar antes se tornaria o governador de Páscoa. Refazer esse trajeto, conhecendo as falésias por onde desciam esses soldados e mergulhando nas águas em que eles nadavam, me deixou com o senso de aventura dos homens-pássaros. Sem contar que o oceano ali era de um azul vigoroso, dando ao tour um tom quase mágico. Na segunda metade do século 19, com o desembarque dos missionários católicos, o ritual deixou de ser realizado.

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Bar do Nayara Hangaroa - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Conectados com a história da Ilha de Páscoa e com a cultura rapanui, os representantes da rede de resorts Nayara defendem a importância de navegar nos ventos da mudança, sem deixar de lado suas heranças ancestrais. Tendo a hospitalidade como foco, a equipe do hotel oferece um serviço de excelência e acolhimento já na chegada. Seguindo a tradição polinésia, fui recebida com um colar de flores perfumado no aeroporto e outro durante o check-in. Sua localização é fantástica, a apenas cinco minutos do aeroporto e apenas dez minutos do charmoso centrinho. Na suíte decorada com buquês coloridos, experimentei o chocolate com o formato de moai deixado para mim em um arranjo de detalhes delicados. As janelas do chão ao teto iluminavam o quarto e, no terraço, a brisa fresca pairava, misturando-se com o barulho das ondas. Muitas vezes em frente à minha varanda, dentro da propriedade, deparei com cavalos que por lá passavam e pastavam tranquilamente, bem como alguns cachorros que se sentavam ao meu lado enquanto eu estava lendo. Conversando com meus guias, aprendi que os rapanuis respeitam muito todos os animais, e por isso eles teriam o direito de interagir e passear pelo hotel. 

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Vista dos quartos, piscina - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Culinária na terra dos gigantes

Falando em sabores, o cardápio desse espaço que se conecta com o entorno valoriza os alimentos encontrados no Pacífico, das frutas aos peixes, incluindo a lagosta ra rape. Ceviche de atum com salada verde e batata-doce; polvo grelhado acompanhado de palmito, abacate e nozes caramelizadas; sopa de mariscos; tabule de quinoa com mix de saladas; pescado assado na parrilla com purê de grão-de-bico, vegetais grelhados e molho de frutos do mar estão entre as opções disponíveis no restaurante Poerava e no Kanoa Lounge. Os sanduíches e os coquetéis tropicais do Vaikoa Bar fazem a alegria de quem procura um ambiente para conversar com os amigos. Tudo isso, é claro, harmonizado com vinhos chilenos.

O hotel conta com o restaurante Poerava para café e almoço, o Vaikoa Bar, onde são servidos os mais deliciosos coquetéis, e o Kaloa Lounge, cuja vista para o pôr do sol encanta a todos.

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Vista dos quartos - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

Luxo ecológico

Nesse ponto, é importante lembrar o conforto que o Naya ra exibe, a começar pela arquitetura orgânica: quase não há ângulos retos em seus edifícios sinuosos, de tons castanhos e telhados cobertos por grama, para controlar a temperatura. São também uma clara referência às construções de Orongo, com um mínimo impacto à paisagem e tendo como foco a sustentabilidade, o que alinha ainda mais o empreendimento à geografia da ilha e ao centro da cidade, ocupado por bares, restaurantes, lojas e demais áreas de lazer. E para o hóspede ter acesso à cidade é muito fácil; logo em frente ao hotel, uma rua segue beirando a costa até o centrinho. Antes dele, um pequeno porto foi minha passagem obrigatória todos os dias, pois era impossível não se apaixonar e perder alguns minutos apreciando as imensas tartarugas, veneradas como deuses antigos na cultura rapanui, que encarnam a sagrada ligação da terra e do mar, que nadavam entre os cascos coloridos dos barquinhos à procura de alimentos. Essa sinergia com os elementos da geografia regional também está nos 75 quartos, bem iluminados pelas portas de vidro que revelam a vista para o mar, compostos de toras de cipreste, argila e pedra vulcânica no layout – um luxo discreto que traz a beleza da natureza para seu interior, refletindo a essência da cultura local. Os cômodos possuem camas king, sofás-camas, banheira feita de barro e um espaço para os nômades digitais, com estação de trabalho, frigobar e internet. Na piscina, as pedras surgem em todo o desenho, estendendo-se por texturas e por acabamentos diversos, lugar ideal para relaxar entre um passeio e outro, enquanto o SPA Manavai aposta na suavidade da areia branca acomodada na área externa para receber os visitantes e restaurar a energia, a mente e o corpo. A seleção de tratamentos inclui massagens, reflexologia, aromaterapia, bambuterapia, hidroterapia, rei ki, esfoliação e sauna, entre outros. Ver o amanhecer com os moais, brincar no Tapati Rapa Nui e mergulhar em Orongo aos pés da Ilha Motu Nui se somaram aos outros eventos da agenda proposta pelo Nayara, com destaque para a cavalgada ao pé do Vulcão Ma’unga Terevaka – no ponto mais alto da ilha, de onde pude apreciar a majestade do Pacífico –, o banho de mar na Praia de Anakena, dona de uma areia fina rodeada por palmeiras trazidas do Taiti entre moais majestosos que sussurram histórias antigas. Antes de ir embora, no último dia, para gravar mais uma vez cada pedaço da ilha em minha memória, peguei uma moto do tipo scooter e fiz o roteiro de ponta a ponta. Em total liberdade, quebrando a resistência do vento, senti como se estivesse em um lugar onde o fantástico fez sua morada, no centro do universo.

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Nascer do sol entre os moais, mais uma das atividades organizadas pelo hotel - Foto: Pimpa Brauen / Divulgação.

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