Madagascar: uma aventura extraordinária navegando a bordo do Diana
A bordo do Diana, Madagascar nos apresenta horizontes de tartarugas centenárias, árvores gigantes e pessoas de coração aberto
A olho nu, pelas lentes das câmeras, concentrandose nas miras dos binóculos e, sobretudo, sentindo a brisa bater no rosto e os pés pisarem na areia, descobri horizontes de tartarugas centenárias, árvores gigantes e pessoas de coração aberto. A vida que ainda não conhecemos pode ser extraordinária, é só seguir navegando. Confira!
A bordo do Diana, em uma aventura extraordinária, naveguei por Socotra, no Iêmem; Bijoutier, Astove, Cosmoledo e Aldabra, nas Seychelles; Zanzibar e Pemba, na Tanzânia; Lamu, no Quênia; Assumption Island, novamente nas Seychelles; e Nosy Komba, Morondava e Toliara, em Madagascar.
A embarcação é uma atração à parte: dono de uma estrutura robusta de 12,1 toneladas, distribuídas em 125 metros de comprimento e 23 metros de largura, o SH Diana, o novo navio de expedição cultural da frota da Swan Hellenic, é capaz de acomodar 192 hóspedes, além da equipe de 141 pessoas e foi especialmente projetado para explorar os lugares mais inspiradores e inacessíveis do planeta. Mesmo sendo um pouco menor do que os modelos tradicionais de cruzeiro, possui equipamentos de navegação de ponta, casco reforçado contra gelo, grandes estabilizadores e dois barcos fechados do tipo tender que se somam aos 15 botes zodíacos, disponíveis para transportar os convidados até a costa ou por atividades diversas, caso do mergulho. Assim como o SH Vega e o SH Minerva, que cruzam pelos fiordes chilenos, pelas geleiras e icebergs do Atlântico Sul, pelo sudoeste da África e pelos encantos do Caribe, a nau já oferece itinerários diversos, do Uruguai a Portugal, Islândia e Estados Unidos.
Patrimônio Mundial da UNESCO, a ilha de Socotra, no Iêmen, localizada a 250 quilômetros da costa da África, entre o mar Arábico e o Oceano Índico, foi meu ponto de partida. Primeiro navio de expedição a aportar no território, o SH Diana teve uma recepção calorosa com música e dança – vale mencionar que essa festa se repetiu em todos os portos dessa trip. Assim que desembarquei, nosso grupo se dirigiu a uma escola da comunidade próxima à capital, Hadibo, para distribuir material escolar e itens de primeira necessidade doados pelos passageiros. Dirigimos por aproximadamente três horas até Dixon Valley, localizado a quase mil metros acima do mar, e me instalei no acampamento onde passaria a noite. Minha pequena barraca já estava montada sobre um platô, toda arrumada pela equipe da Swan Hellenic com colchões forrados por lençóis e toalhas dobradas em forma de cisne, símbolo da companhia. Sobre os travesseiros, tal qual havia em minha cabine, os chocolates se traduziram como mimos a mais. Em uma longa mesa comunitária, embalada por histórias, lendas e curiosidades transmitidas pelo meu guia, jantei pães artesanais, batatas, arroz, carne de cabra e frutas. A noite foi tranquila sob milhões de estrelas.
Às 4 horas da manhã acordei com o sinal sonoro que convoca os muçulmanos para a primeira das cinco orações diárias, chamadas de Salah. Coração a mil, saí da tenda quando estava ainda escuro e à medida que o nevoeiro descia o contorno da vegetação era revelado. Curiosa para conhecer a enigmática dragon blood tree, a árvore sangue de dragão, e sua figura única que mais parece um “guarda-chuva de ponta-cabeça”, deixei o acampamento enquanto os outros ainda despertavam e fui explorar o local. Essa referência sobre o formato das dragon blood se dá pelo papel que elas exercem no ambiente, conduzindo a água do solo para as folhas e retirando água do ar para umedecer a terra, em um processo resumido como captura inversa de precipitação. Endêmicas, isto é, restritas a uma área geográfica específica, elas brotam belíssimas com seus troncos grossos e galhos retorcidos, alimentados por tecidos condutores que levam a seiva de cor vermelha pelo sistema vascular da planta. Daí o nome “sangue de dragão”.
Assim que me aproximei da primeira árvore, ainda boquiaberta com o que via, fui abordada por Naiwa, uma garota tímida e decidida que me acompanhou por quase uma hora. Como não encontramos um idioma em comum conversamos por gestos e sorrisos. Aqui e ali ela tentava explicar as coisas importantes daquela trilha e, em determinado momento, já com laços de amizade estabelecidos, me encarou por alguns instantes, passou a mão em meu rosto, caminhou até uma árvore que se destacava dentre as demais e escalou o tronco até quase a copa. Com a mão raspou um pouco da casca, desceu e macetou a substância em uma pedra. Daí misturou com água e passou a pasta vermelha em meu rosto para protegê-lo do sol. Algum tempo tinha passado e eu precisava voltar para o desjejum com o restante do grupo. Naiwa, que continuava o caminho ao meu lado, perguntou se eu sentia fome, puxou a minha mão e me levou até a sua casa. Sua mãe e seus irmãos ofereceram tâmaras, café, leite tirado há pouco das cabras que estavam no quintal e nos sentamos no chão de terra batida para comer. Mais tarde, a poucos passos do acampamento, conferi a estrutura do berçário das plantas, que se estende por um viveiro e um santuário, onde as mudas ficam protegidas do apetite das cabras e dos efeitos da crise climática.
PATRIMÔNIO Mundial DA UNESCO, A ilha de Socotra, NO Iêmen, LOCALIZADA A 250 QUILÔMETROS DA COSTA DA ÁFRICA ENTRE O MAR Arábico E O OCEANO Índico, FOI MEU ponto de partida.
Ao longo das duas horas do passeio fiz outra amiga, Murina, uma menina charmosa de olhos brilhantes que estava de vestido e bolsa verde a tiracolo. De mãos dadas comigo, ela sorria e prestava atenção em todos os meus gestos, muitas vezes repetindo o que eu fazia. A coisa toda sobre Socotra, uma impressão mantida mesmo após a partida, se deu na delicadeza com que fui acolhida, de coração aberto, sem resistência, só com amor; é nesse cuidado que reside o maior patrimônio dos iemenitas. Em meu compromisso derradeiro nadei em uma das praias intocadas mais maravilhosas que já conheci, Qalansiyah Beach, serena, mágica, de águas de matizes turquesa que pareciam trocar de cor ao se aproximarem da orla, misturando-se em uma coisa só com a areia branca cercada por montanhas. Sem conseguir tirar os olhos daquelas ondas de balanços plácidos enquanto saboreava peixes e caranguejos enormes, protegida pela barraca de madeira forrada com palha, tive a impressão de que, enfim, tinha alcançado o lugar mais bonito do universo.
Vendo o que os outros não veem
Formado por um arquipélago de 115 ilhas, as Seychelles oferecem uma série de atividades ligadas à natureza. Em Bijoutier, um pontinho minúsculo no meio do Oceano Índico, por exemplo, a agenda da tarde se resumia a relaxar na praia, refrescando-se com drinques e apreciando as belezas dessa faixa de água esverdeada. Falando nisso, em todas shore excursions, as excursões em terra, e naquelas em que os zodíacos serviam como base, estive na companhia de biólogos e naturalistas e obtive deles informações preciosas sobre a vida marinha, história e geografia da região explorada. Para a minha jornada em Aldabra, o segundo maior atol de corais do mundo, onde o esplendor das tartarugas gigantes remete a Galápagos, fui convidada para um bate-papo introdutório com naturalistas e especialistas na área, que abordaram a capacidade de sobrevivência desses animais; o impacto da interferência humana em seu hábitat; a quase extinção e o longo caminho de recuperação – nos dias de hoje, a população dos quelônios que vivem em Aldabra ultrapassa os mais de 100 mil indivíduos.
Essas palestras que antecediam as expedições eram ministradas no salão de observação, decorado em linhas escandinavas e sua paleta de cores neutras. O conforto que as pessoas sentiam de estarem ali fez com que o bar se tornasse o ponto de encontro dos hóspedes, na maioria das vezes antes ou depois do jantar, com o piano oferecendo boas seleções de música. Meu pré-Aldabra incluiu ainda uma apresentação obrigatória sobre biossegurança com membros da Seychelles Islands Foundation (SIF), a organização sem fins lucrativos que é responsável pela admi - nistração e proteção dos Patrimônios Mundiais da UNESCO no entorno. Com foco na conservação, mas também na educação e no turismo praticados de forma equilibrada e sustentável, a entidade forneceu as orientações necessárias para minha visita. Antes de partir para lá, para se ter uma ideia, todos levaram o que usariam ao ar livre – de equipamentos fotográficos a bolsas e sapatos – para higienização, além de assinar um termo de responsabilidade concordando com as diretrizes da SI.
Um dos maiores atóis de corais elevados do mundo, com 155 quilômetros quadrados de área terrestre, Aldabra é composto por quatro ínsulas principais e uma lagoa central que recebe milhões de toneladas de água do oceano duas vezes por dia. Como lembra a SIF, a maior ilha habitada de Seychelles, Mahé, caberia nesta grande “piscina” azul-clara que pude ver de perto durante o mergulho com snorkel. Em razão de suas condições únicas, a contar a escassez de água doce, esse ponto do planeta não foi ocupado por muitas civilizações, garantindo de alguma maneira a preservação da flora e da fauna. O acesso é rigorosamente controlado nos tempos atuais, limitando-se a menos de mil turistas por ano. Apenas 12 pessoas, entre pesquisadores, biólogos e cientistas, residem no local. Sentindo-me privilegiada de estar naquele tesouro da natureza, que recebeu Charles Darwin e Jacques Cousteau, quis absorver cada detalhe. Um pouco antes de ancorar por lá, havia chovido, e as tartarugas, escondidas entre os arbustos, saíram para beber a água das poças formadas nas trilhas onde eu caminhava.
Respeitando a distância indicada, pude observar a movimentação desses gigantes delicados que podem viver mais de um século, pesar 300 quilos e cujas carapaças atingem medidas impressionantes – as delas chegam a 1,2 metro de comprimento, enquanto a deles alcançam 1,5 metro. Em Aldabra e seus terrenos de calcário, residem milhares de aves, passando por fragatas, trilhos, tarambolas e pássaros tropicais, e populações de tartarugas-verdes e de tartarugas gigantes. Os dugongos, parentes dos peixes-boi, estão em um grupo bem menor, contando-se 14 deles, segundo registrou a fundação em levantamento recente, vítimas, sobretudo, da caça predatória.
Fosse nas visitas em terra – como se deu quando em Bijoutier, admirada pela areia branca das praias pude somente relaxar, em Astove, onde mergulhei acompanhada por tartarugas, e no Atol de Cosmoledo, escolhido pela expedição para observação de aves que povoam o local a bordo dos Zodiacos, em um Sunrise Cruise, uma proposta idealizada para acompanhar a despedida da lua, o nascer do sol e a migração dos pássaros, a programação da Swan Hellenic me colocava em movimento o tempo inteiro. Minha praia preferida nessa seleção esteve, sem dúvida, na desconhecida Assumption Island, uma pequena ilha banhada por águas turquesas, abraçadas por uma delicada malha de areia fina e branca. Por lá deixei o tempo passar, tomando sol, caminhando e mergulhando, vislumbrada com sua beleza escondida, entre peixes e tubarões que nadavam calmamente próximos da margem.
Mar azul
Um dos lados interessantes de uma viagem de expedição, em que se visita diversos lugares, é que quando voltávamos para o navio havia aquela sensação reconfortante de estar em casa, sem o abrir e o fechar de malas, por vezes, exaustivo. A cada retorno era recepcionada com largos sorrisos e drinques de boas-vindas. Meus dias em alto-mar tinham uma rotina – eu reservava alguns minutos para a sauna e em seguida relaxava no ofurô, de olho no espetáculo do pôr do sol e nas cores que surgiam nesses instantes. Enquanto a embarcação se deslocava, cada hóspede ocupava o tempo à sua maneira. Uns aproveitavam para assistir os workshops, outros ficavam nos decks de observação, nos bares ou na piscina em conversas animadas. Parte, claro, preferia ler nas espreguiçadeiras, descansar um pouco ou trabalhar. É preciso mencionar que era realmente difícil deixar o quarto, dono de um layout espaçoso composto por quarto, walk-in closet, sala de estar com lareira e banheiro com banheira. À noite, com as luzes apagadas, as cortinas abertas e o barulho do mar batendo no casco era fácil dormir na companhia das estrelas.
A varanda trazia um cenário diferente em cada manhã, passando por ilhas perdidas no meio do nada, empilhadeiras e navios atracados nas docas e o bate-papo entre os pescadores e os vendedores que rodeavam minha embarcação com suas canoas coloridas repletas de mercadorias. Em uma dessas oportunidades, aproveitando o café quentinho trazido minutos antes, pude registrar as belezas do cais de Zanzibar, o célebre arquipélago do litoral da Tanzânia, com seu vaivém de gente e seu colorido típico de uma estação portuária. Constituída de duas ilhas, Unguja e Pemba, e algumas ilhotas, essa região da costa africana, denominada outrora de “terra das especiarias”, é assinalada pela influência dos povos que aportaram ali, dos árabes aos hindus e europeus, encontrada na arquitetura, na gastronomia e na economia. O trecho de Zanzibar que conheci, a Stone Town, ou Cidade de Pedra, mostrou o lado histórico desse mercado de frutas tropicais e de temperos moídos na hora. Adiante, próximas da igreja Anglicana construída em 1874 pelo bispo Edward Steere, pude notar as ruínas do Slave Market, um dos mercados que funcionou no continente onde as pessoas raptadas do interior da África eram vendidas para serem escravizadas em outros lugares do mundo.
Naquela tarde ainda passei pelo cruzamento tradicional da Jaws Corner, repleto de grupos de homens tomando café; pelas alamedas do Forodhani Gardens, jardim ornamental cultivado na década de 1930 e repaginado recentemente; pelo Freddie Mercury Museum, em homenagem ao cantor zanzibarita, líder da banda Queen; pelo Old Fort, construção de linhas árabes do século 17. Eu me despedi da Tanzânia em uma rápida incursão por Pemba, lar dos pteropus voeltzkowi, uma das maiores espécies de morcegos frugívoros (que se alimentam de frutos) já catalogadas pela ciência, com asas que alcançam mais de 1,5 metro de envergadura. Chamados de raposas voadoras por causa de sua pelagem cor de laranja, esses animais estão presentes em grande quantidade no Kidike Flying Fox Sanctuary, alcançando aproximadamente 4 mil indivíduos. Cheia de impressões para compartilhar, me reuni com meu grupo para o jantar no Swan Restaurant, com um cardápio estrelado à la carte variado e saboroso, pensado passo a passo pelos chefs da Jeunes Restaurateurs (JRE). A organização, que reúne alguns dos melhores cozinheiros do setor, assumiu a parceria com a Swan Hellenic para desenvolver o projeto Maris em seus navios, tendo como objetivo proporcionar uma experiência gastronômica cultural única, com pratos inspirados nas tradições culinárias dos distritos visitados.
Com um tecido arquitetônico costurado entre vias ocupadas por mais de 6 mil burros que transportam todo tipo de coisas, pequenas edificações e prédios históricos, a Cidade Velha de Lamu, no Quênia, ainda guarda vários endereços que fazem do circuito turístico um programa interessante, caso do German Post Office, a sede dos correios mantida pelos alemães entre 1888 e 1891, do Lamu Museum e suas coleções etnográficas do povo suaíli, passando por roupas, amuletos, móveis e instrumentos musicais, e do Lamu Fort, que no decorrer do tempo serviu como base estratégica para a defesa do litoral e posteriormente como prisão. Já de partida para Madagascar, fiz novamente uma parada na ilha Assumption, cuja costa exibe uma praia de areia macia de 5,5 quilômetros de extensão. Descansei em um banho de mar de águas quase transparentes e aproveitei a tarde ponderando sobre o que veria depois do horizonte. Uma coisa que eu adorava na minha rotina a bordo era dormir cedo para aproveitar a academia superequipada quase no raiar do dia, muitas vezes pedalando ou correndo na esteira, sempre com a minha câmera ao lado. Com ela registrei belíssimas revoadas de gaivotas, grupos de baleias e de golfinhos que circundavam o navio, e barcos e cargueiros coloridos que enfeitavam o horizonte.
A ginástica é ótima companhia, diria até que uma parceira indispensável, para manter-se em forma e aproveitar sem culpa esse cotidiano de atividades e dos sabores que experimentamos em uma refeição seguida de outra. Ao lado dos jantares exclusivos do restaurante e do café da manhã no quarto andar, o almoço era servido no bufê do sétimo andar, adjacente à piscina. Como estava em uma rota de endereços ensolarados, a churrasqueira funcionava a todo instante e havia carnes, peixes e legumes grelhados; hambúrgueres e lanches variados; compondo um repertório descontraído e imperdível de receitas. Muita dessa qualidade vinha dos vendedores que se aproximavam do navio em canoas, trazendo frutas frescas e alimentos pescados na hora, e das feiras livres montadas nas imediações dos portos, já conhecidas da tripulação. Para aqueles que preferiam os doces, os chás da tarde continham cafés, infusões, sucos, panquecas com doce de leite, waffles, churros, tortas e frutas. E à noite, na cabine, me deparava com pratos com minibolos e nozes ou confeitos de chocolate. Era impossível resistir.
Esse comércio flutuante de produtos regionais e de artesanato também foi visto em minha chegada em Nosy Komba, ilha que fica na costa noroeste de Madagascar, procurada por suas formações rochosas de granito e de ardósia, vegetação tropical pujante e um número significativo de lêmures. Iniciei o tour pela floresta onde vivem vários conjuntos desses primatas de olhos grandes, focinhos proeminentes e pelagens macias, divididos em famílias lideradas pelas fêmeas. Sagrados para os malgaxes, eles estão em todos os lugares e costumam surpreender os turistas quando aproximam-se. Conta a história que seus ancestrais vagaram pela África junto dos dinossauros há milhões de anos e que a adaptação aos ambientes dessa, e das ilhas próximas, se deu pela habilidade de deslocamento entre os galhos mais altos das árvores, longe dos predadores, em saltos surpreendentes alavancados por suas caudas longas.
Se antes a população de Nosy Komba se concentrava nas montanhas, vivendo da agricultura, o aumento do número de excursões que passava pelo litoral fez esses habitantes formarem vilarejos próximos da orla e criarem pequenas feiras para vender toalhas coloridas de mesa com bordados Richelieu – cujo nome foi dado em homenagem à Armand Jean du Plessis, o cardealduque de Richelieu, conselheiro e primeiro-ministro do rei francês Luís XIII, fã declarado desse tipo de costura –, objetos de cestaria, pinturas, colares de sementes, ervas, óleos e materiais confeccionados na hora. Nos últimos anos parte desses cidadãos voltou para o trabalho no campo, tendo o plantio da baunilha como principal atividade econômica. Sentada na praia à espera dos zodíacos para retornar ao SH Diana duas meninas locais se aproximaram e desenharam flores em meu rosto com a pasta Masonjaoni. As tintas, como se deu em Socotra, eram processadas com um pó retirado das cascas das árvores e serviam para proteger do sol e para afastar os insetos.
Os baobás que crescem no continente africano têm copas gigantes e troncos que passam dos 30 metros de altura e 7 metros de largura. Das oito espécies identificadas, seis estão nos limites malgaxes, uma é encontrada em área subsaariana e apenas uma delas nasce em outro país. Naveguei em um mar de águas esverdeadas e atraquei na comunidade de Betânia, de casas feitas de barro e folhas de Satrana. De lá, estiquei até Morondava, no oeste de Madagascar, e fiz uma parada em uma estrada de terra vermelha cercada por fileiras dessas árvores visualmente desconcertantes, que parecem resistir em um cenário estéril de natureza devastada. De acordo com meu guia, ao redor dessa avenida de baobás existiu uma mata imensa que foi sendo derrubada para dar lugar ao cultivo de alimentos e à extração da madeira como fonte de energia. Saudadas pelos nativos como “mãe da floresta”, algumas dessas unidades têm mais de 2.800 anos, são capazes de guardar até 100 mil litros de água, as folhas brotam por períodos curtos para desperdiçar o mínimo de nutrientes e os frutos de sabor agridoce servem de fonte de cálcio e vitamina C. Mesmo as sementes podem ser consumidas torradas ou em pó.
OS baobás QUE CRESCEM NO CONTINENTE AFRICANO TÊM copas GIGANTES E troncos QUE PASSAM DOS 30 METROS E 7 METROS DE LARGURA.
Ao redor das fogueiras conta-se que, quando o mundo foi criado, cada animal recebeu um tipo de árvore. As hienas, que não gostaram dos baobás e quiseram expressar tamanho descontentamento, resolveram replantá-los de cabeça para baixo, com as raízes para cima. Distante das lendas, os animais costumam procurá-los como alimento e abrigo, dos pássaros aos morcegos, babuínos, elefantes e cobras. Para as comunidades, os recursos desses gigantes incluem o uso das fibras das cascas para a construção de cestos e esteiras e do óleo das sementes para cosméticos naturais. Minha excursão não poderia acabar sem ver a ensolarada Toliara, no sul de Madagascar, casa do The Arboretum of Antsokay, uma reserva de cerca de 50 hectares idealizada pelo botânico suíço Hermann Petignat para salvaguardar os elementos da fauna e da flora da ilha. Atualmente há mais de 900 tipos de animais e de plantas registrados no complexo. Aproveitei o tour para visitar o Reniala Spiny Forest, um santuário de 45 hectares gerido pela comunidade que reúne alguns dos baobás mais antigos de Madagascar, ao lado de 2 mil plantas do ecossistema local e de pássaros, mamíferos, répteis raros, artrópodes e outros indivíduos resgatados de caçadores e traficantes. Lá eles recebem os tratamentos necessários e passam por um longo período de adaptação para serem reintegrados aos seus hábitats. Em um passeio feito para celebrar a potência da Terra, é uma boa notícia saber que há muita gente determinada a colaborar para esse mundo de possibilidades, espetacularmente lindo.