Relacionamento abusivo - Norma judicial prevê dissolução rápida
Mulheres que vivem relação abusiva agora podem formalizar dissolução de união estável unilateralmente
Relacionamento abusivo é a situação em que uma das partes do relacionamento exerce extremo poder e influência sobre a outra, minimizando-a ao máximo e tornando a sua vida infeliz e até mesmo dificilmente suportável.
Ao contrário do que se imagina, relacionamentos abusivos não são aqueles em que necessariamente resultam em violência física, muito mais do que ameaça física, esse tipo de relação tem potencial risco pra diversas formas de violência que, muitas vezes, são sutis, como a patrimonial, a psicológica, a moral e a sexual. Tornando-se um ponto difícil de identificar entre os casais. A cirscunstância pode afetar homens, entretanto percentualmente as mulheres ainda são os grandes alvos, o que confirma os dados de feminicidio no Brasil.
O Brasil bateu recorde de feminicídios no primeiro semestre de 2022. De acordo com dados publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 699 casos foram registrados entre janeiro e junho, o que representa uma média de quatro mulheres mortas por dia. Em 2019, no mesmo período, foram registrados 631 casos. Dois anos depois, em 2021, 677 mulheres foram assassinadas em decorrência da violência de gênero.
Os dados foram coletados com as pastas estaduais de Segurança Pública e representam somente os crimes que chegaram a ser registrados.
Uma recente mudança no Código de Normas Extrajudiciais, que entrou em vigor em primeiro de janeiro de 2023, autoriza a dissolução de união estável de forma unilateral. Nesse caso, basta uma das partes ir ao cartório e declarar o fim da relação, mesmo sem o consentimento da outra.
Uma novidade que auxilia milhares de mulheres que são vítimas de relações abusivas e não conseguem sair. Segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é vítima de feminicidio a cada 7 horas, o que significa dizer que ao menos 3 mulheres morrem por dia no Brasil.
"A importância desse documento para a cliente é declarar que já não vive mais com aquela pessoa. Se amanhã ou depois essa pessoa sumir ou ficar insistindo na relação que já terminou e não dá mais certo, ou até mesmo ameaçar a integridade física e psicológica dessa mulher, já está formalizado que não há mais um relacionamento", explica Michelle Novaes, tabeliã substituta do 15º Ofício de Notas.
Para nos ajudar a entender como essa nova Norma irá ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade, entrevistamos Alessandra Caligiuri Calabresi Pinto, advogada, coordenadora do livro “Direitos das Mulheres – Igualdade, Perspectivas e Soluções” (Almedina Brasil), especialista em Direito da Mulher e ex-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB.
L'Officiel Brasil: Agora com a aprovação da dissolução da união estável unilateralmente em caso de relacionamentos abusivos, como a vítima deve proceder para que de fato ela consiga se desvencilhar do abusador?
Alessandra Caligiuri Calabresi Pinto: Existe um rol de Medidas Protetivas, mas não são taxativos, podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas. Além desses, a separação de corpus, os alimentos provisórios, podem ser fixados liminarmente pelo Juiz.
L'Off: Quais seriam os procedimentos corretos a serem tomados por uma vítima de relacionamento abusivo, para que ela consiga segurança e acolhimento?
Alessandra: Toda mulher quando decide sair de uma relação abusiva ela não tem uma única preocupação, além da violência sofrida, tem que se preocupar com a alimentação, moradia dela e de seus filhos, precisando, assim, de um atendimento multidisciplinar. Ela pode procurar as redes de acolhimento socioassistencial de modo geral, como a Casa da Mulher Brasileira, Bem Querer Mulher, entre outras, podendo ainda, buscar atendimento no setor de justiça através do Ministério Público. Caso a vítima esteja preparada para essa denúncia, deverá procurar a Delegacia da Mulher em busca de uma Medida Protetiva, Ministério Público, Defensoria Pública ou advogado.
L'Off: Com uma justiça um tanto quanto falha em punir e solucionar casos relacionados a relacionamentos abusivos, essa mudança no Código de Normas Extrajudiciais pode ajudar de que forma?
Alessandra: A falha na punição nos casos de relacionamentos abusivos, vem com a falta de capacitação das pessoas que atendem a vítima nas delegacias e nos órgãos do poder judiciário, em que muitas vezes acabam por revitimizá-la. Cabe aqui salientar, a PJE do Rio de Janeiro, em seu código de normas no artigo 496, permite a dissolução da União Estável unilateralmente de forma extrajudicial. Ocorre que, apenas o Estado do Rio de Janeiro permite esse tipo de dissolução, mas muito provavelmente será revogado, uma vez que é competência do Poder Legislativo a efetivação de qualquer alteração na Lei.
L'Off: Mesmo que na maioria dos casos mulheres que passam por relacionamento abusivo só queiram se desvencilhar do abusador, existe a possibilidade de iniciar um processo por danos físicos, morais e psicológicos?
Alessandra: Sim, existe a possibilidade, uma vez que a vítima faça prova durante o ato processual. Ela precisa de laudo psicológico emitido por psicólogo, comprovando os danos, e fotos que comprovem os danos físicos. No caso dos danos morais, a própria psicóloga, ao fazer um relatório robusto, consegue caracterizar o dano moral também. E aí entram várias questões, como a mulher não conseguir trabalhar - e deve ser recompensada pelo que ela perdeu nesse tempo.