Refik Anadol: uma parceria inédita na perfumaria
Uma escultura digital para tornar “visível o invisível” foi o ponto de partida do artista Refik Anadol em uma parceria inédita na perfumaria
Uma escultura digital para tornar “visível o invisível” foi o ponto de partida do artista Refik Anadol em uma parceria inédita na perfumaria. Confira a entrevista completa para a revista L'Officiel.
Refik Anadol é um renomado artista que usa máquinas para impactar emoções. Seu trabalho já foi visto por centenas de pessoas em locais importantes, como o MoMA, de Nova York. Vivendo em Los Angeles, polo de inovações em áudio e vídeo, ele conta com uma equipe e um banco de dados próprio para gerar obras repletas de fluidez, com o auxílio de inteligência artificial. Comissionado pela Dior, o professor da Universidade da Califórnia, no departamento de Design Media Arts, encarou o desafio de fazer um perfume, o J'adore l'Or, ganhar textura e movimento.
L’OFFICIEL Como foi sua colaboração com Dior e J'adore l'Or?
REFIK ANADOL A minha collab com Dior começou um ano atrás, mais ou menos. Francis Kurkdjian, o master perfumista da label, e sua equipe vieram para Los Angeles para visitar o estúdio de criação. Eu expliquei como funcionava o trabalho de desenvolver arte com o uso de Inteligência Artificial, a concepção e o treinamento. Eles passaram suas ideias e conceitos. Foi uma ótima troca, pois aprendemos ali como cada um trabalhava. Francis me falou muito sobre a nova fórmula do perfume J'adore l'Or, por exemplo, o que ele alterou nela e o porquê dessas alterações na pirâmide olfativa. Partimos do ponto de fazer o invisível se tornar visível, portanto. Aqui no estúdio temos um acervo de milhões de imagens focadas em natureza (flora, montanhas e nuvens). Elas fizeram parte da criação junto com a fórmula da fragrância em si, nos deixando visualizar algo completamente sensorial.
L’O E como foi para vocês visualizarem esses primeiros resultados gerados por inteligência artificial, casando o seu banco de dados e a fórmula da fragrância?
RA Foi incrível. O que mostrei em nossa primeira reunião já deu o primeiro match. A partir dali lapidamos a ideia. Mostrei como a inteligência artificial pega dados e os transforma em figuras bonitas. Era como se pudéssemos sentir a fragrância com o olhar.
L’O Como você organiza seu processo criativo?
RA Começo com a ideia e a intenção. Divido isso com o meu time, que tem acesso a um banco de dados com milhões de imagens. Nesse segmento trabalhamos bastante com esculturas, vídeos e figuras. Nesse caso, do projeto com a Dior, a ideia foi criar um ambiente imersivo. O resultado foi único e singular, em termos de arte criada por inteligência artificial.
L’O Usar algo mais abstrato, como fragrâncias, para criar uma obra de arte foi desafiador?
RA Não foi exatamente desafiador criar, mas chegar ao conceito de misturar sentidos. Iniciamos usando a fórmula da fragrância para desenvolver o projeto, o que foi um ótimo ponto de partida. Ela é uma representação matemática, química, o que facilita na hora de produzir algo nesse segmento de inteligência artificial. Mas acho que a parte mais difícil nisso foi o Francis, que a criou. Para mim foi visualizar algo que não temos como ver. Então o que exigiu esforço do meu lado foi tentar representar isso da melhor forma. Líquidos, emoções, ouro: criar uma escultura fluida. É como moldar um sentimento. Espero que pessoas do mundo todo consigam acessar esse trabalho que teve um processo muito interessante de criação. Quero que o máximo de pessoas consigam ver e sentir, pois acredito que estamos nesse momento único em que inteligência artificial, dados e arte multisensorial criam uma nova forma de experimentar a vida.
L’O A arte digital pode ser mais inclusiva e democrática?
RA Com certeza. É exatamente nisso que estamos debruçados, trabalhando há 14 anos. Eu acredito que arte é para todo mundo, algo que conecta a humanidade, criando sua linguagem. É possível, com a inteligência artificial, desenvolver um consenso entre diferentes culturas, celebrando o que somos, nossas similaridades. Leva tempo, mas é possível, inclusive, que a IA seja bem interessante para arte pública, aberta para todos, com mais esperança, inspiração e alegria. Fizemos, por exemplo, um programa com povos originários do Acre, os Yawanawás, com um projeto de NFT para ajudar a proteger a floresta amazônica (ele arrecadou 2 milhões de dólares para o desenvolvimento local, uma das maiores propostas desse tipo de arte para preservar o meio ambiente). É uma bonita colaboração que nos mostra como é maravilhoso juntar vozes da humanidade em diálogo, com os Yawanawás nos contando como eles protegem a floresta que é tão importante para o mundo. E agora estamos em um ponto de entender e propagar como dá para coletar dados de uma forma ética. Dá trabalho, claro, mas é possível.
L’O Qual é a sua opinião sobre o temor de certos artistas de serem substituídos por inteligência artificial?
RA Eu entendo que é uma ansiedade e eu respeito esse sentimento, mas eu digo que IA não substituirá a criatividade. A inteligência artificial é algo realmente poderoso e que pode ser perigoso, claro, mas ainda assim é uma extensão da nossa mente. Ela pode, portanto, aumentar nossa capacidade criativa.